Rango

Cada vez mais consolidadas na indústria cinematográfica americana, as animações em longa-metragem são garantias de sucesso, havendo apenas um ou outro título que não obtém o número de público esperado. A boa notícia é que várias mentes criativas têm ido além do comodismo, encontrando novos meios de contar histórias fantasiosas que possam entreter tanto os espectadores pequenos quanto os adultos. Porém, há aquelas que apesar da graciosidade parece ser destinada apenas para aqueles que já são bem velhos. No ano passado tivemos “Mary e Max – Uma Amizade Diferente“, produção australiana que relatava a solidão de dois personagens distintos que se comunicavam através de correspondências. Agora temos “Rango”, novo filme de Gore Verbinski que fará os pequenos se sentirem deslocados entre várias referências aos clássicos westerns hollywoodianos.

O camaleão Rango (voz de Johnny Depp) é o protagonista perfeito num cenário árido como o Velho Oeste. Trata-se de um animal de estimação que se perde no meio do deserto após cair do veículo onde estava. O passado do animal é desconhecido e a oportunidade de se destacar num mundo selvagem o faz assumir um perfil que não é seu. Meio sem querer, Rango torna-se xerife de uma cidade onde todos os habitantes sofrem com a falta de água. Culpa do Prefeito (Ned Beatty), que se aproveita da ingenuidade de Rango para se beneficiar – ecos de “Chinatown”?

Aqueles que não puderam explorar os spaghetti westerns estrelados por Clint Eastwood ou dirigidos por Sergio Leone encontrarão em “Rango” a motivação em caçá-los ao final da aventura. Entretanto, é importante reforçar que não estamos diante de uma animação que se vale apenas de referências. Mérito de Gore Verbinski e do roteirista John Logan, que encontraram o ritmo apropriado para conduzir a história e criaram personagens secundários impagáveis. Além do mais, o trabalho técnico visto em “Rango” é um dos mais fascinantes já concebidos. A impressão de estarmos diante de cenários e personagens reais é processada a cada segundo com a exploração de pequenos detalhes que próximo a uma tela grande parecem palpáveis.

Título Original: Rango
Ano de Produção: 2011
Direção: Gore Verbinski
Roteiro: John Logan
Vozes de: Johnny Depp, Isla Fisher, Abigail Breslin, Ned Beatty, Alfred Molina, Bill Nighy, Stephen Root, Harry Dean Stanton, Timothy Olyphant, Ray Winstone, Beth Grant, Alanna Ubach e Gore Verbinski
Cotação: 4 Stars

O Assassino em Mim

Michael Winterbottom é um dos diretores mais ativos dentro do cinema independente americano e britânico. Chegando a dirigir mais de um filme por ano, o realizador lida na maioria das vezes com roteiros polêmicos. É dele o longa-metragem “Nove Canções”, que registra o relacionamento de um casal através da paixão avassaladora por música e em cenas de sexo explícito. A frequência com que faz filme e a audácia ao rodá-los não garante bons resultados, pois aquela incômoda reação de “e daí?” é constante ao término de suas histórias.

Já adaptado em 1976 por Burt Kennedy, “O Assassino em Mim” baseia-se num romance de Jim Thompson que acompanha Lou Ford (Casey Affleck), xerife de uma pequena cidade que se envolve com uma prostituta, Joyce Lakeland (Jessica Alba, que ganhou por este papel e também por “Entrando Numa Fria Maior Ainda“, “Idas e Vindas do Amor” e “Machete” o Framboesa de Ouro de pior atriz coadjuvante). Lou precisa tirá-la da cidade por conta de um escandaloso relacionamento que ela mantinha com Elmar (Jay R. Ferguson), filho de um poderoso empresário (papel de Ned Beatty). Mesmo namorando com Amy Stanton (Kate Hudson), Lou envolve-se com Joyce e aos poucos mostra seus instintos assassinos quando entra dinheiro na situação. Instintos estes existentes desde uma adolescência em contato com sadomasoquismo.

Uma vez conhecendo esta personalidade ameaçadora de Lou, Michael Winterbottom cria não uma, mas duas sequências bem gráficas que poderão fazer o público (especialmente o feminino) desistir de seu filme: o de Joyce e Amy sendo espancadas por Lou. Mesmo com esses dois momentos, brutais ao ponto de fazer parte da plateia dos festivais de Sundence e Berlim saírem no meio da sessão ou risíveis pela canastrice de Jessica Alba, “O Assassino em Mim” não é capaz de se desvincular dos títulos mais baixos de Michael Winterbottom, um cineasta cujos escândalos não ecoam qualquer relevância.

Título Original: The Killer Inside Me
Ano de Produção: 2010
Direção: Michael Winterbottom
Roteiro: John Curran, baseado no romance de Jim Thompson
Elenco: Casey Affleck, Kate Hudson, Jessica Alba, Ned Beatty, Elias Koteas, Tom Bower, Simon Baker, Bill Pullman, Brent Briscoe, Matthew Maher, Jay R. Ferguson, Ali Nazary e Liam Aiken
Cotação: 2 Stars

Amor e Outras Drogas

O americano Edward Zwick se dedicou nas duas últimas décadas em duas linhas de produção. A primeira são as histórias situadas em outras épocas, como “Lendas da Paixão” e “O Último Samurai”. Em outros momentos, conduziu filmes com mais ação, a exemplo de “Coragem Sob Fogo” e “Nova York Sitiada”. O que poucos sabem é que há também um Edward Zwick afeito a comédias descompromissadas. Em 1986, ele fez “Sobre Ontem a Noite…”, produção estrelada por Demi Moore e Rob Lowe. Agora, Zwick faz “O Amor e Outras Drogas”.

Ambientada nos anos 1990, esta comédia romântica/dramática é baseada no livro de Jamie Reidy que disseca a origem do Viagra, a famosa pírula azul da Pfizer capaz de estimular sexualmente os homens. Interpretado por Jake Gyllenhaal, Jamie é o principal representante da droga, sendo responsável por divulgá-la em consultórios dos mais renomados médicos de Pittsburgh. É trabalhando que Jamie conhece Maggie (Anne Hathaway), uma bela jovem que, assim como ele, não quer se comprometer com ninguém, limitando seus relacionamentos ao sexo casual.

Também escrito por Edward Zwick, é clara em “Amor e Outras Drogas” a necessidade de ir além dos relatos de Jamie Reidy. Para isto, Maggie foi introduzida na história, pois no livro não há presença de qualquer interesse romântico. A decisão faz a narrativa atingir momentos irregulares, como a conclusão que não soa adequada e as dificuldades vindas de Edward Zwick em lidar com a mudança de tom forçada pela revelação de uma doença que Maggie tem. Por outro lado, “O Amor e Outras Drogas” conquista pela ousadia com que filma a relação dos protagonistas. Há tempos não se vê dois astros encarando certas cenas sem qualquer pudor e, desta vez, não há o maldito lençol em formato L para atrapalhar.

Título Original: Love and Other Drugs
Ano de Produção: 2010
Direção: Edward Zwick
Roteiro: Charles Randolph, Edward Zwick e Marshall Herskovitz, baseado no livro “Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman”, de Jamie Reidy
Elenco: Jake Gyllenhaal, Anne Hathaway, Oliver Platt, Hank Azaria, Josh Gad, Gabriel Macht, Judy Greer, George Segal, Jill Clayburgh, Kate Jennings Grant, Katheryn Winnick, Kimberly Scott, Peter Friedman, Nikki Deloach, Natalie Gold, Megan Ferguson, Michael Benjamin Washington, Bingo O’Malley, Dorothy Silver, Joan Augustin, Michael Chernus, Kevin McClatchy, Kate Easton, Scott Cohen e Jaimie Alexander
Cotação: 3 Stars

Gnomeu e Julieta

Um dos nomes responsáveis pela segunda e melhor parte da franquia “Shrek”, Kelly Asbury volta para realizar “Gnomeu e Julieta” sem qualquer outro profissional para dividir os créditos de direção. Apesar de não contar com a mesma acidez de algumas piadas protagonizadas pelo famoso ogro verde, Asbury, com o auxílio de vários roteiristas, é bem-sucedido ao fazer graça com a mais famosa peça de William Shakespeare, “Romeu e Julieta”, encantando tanto o público infantil quanto o adulto.

Em ambas as versões existem a paixão que cresce entre dois jovens de famílias inimigas, mas há uma distinção gritante, pois nesta animação a história não é encenada por seres humanos e sim por anões de jardim. Dois vizinhos, um homem e uma mulher, vivem de trocar ofensas entre si. O ódio mútuo que um tem pelo outro se reflete também na decoração do jardim de cada um, ele contando com anões com gorros azuis e ela com anões com gorros vermelhos. O conflito que corre gerações dessas minúsculas criaturas não impede o relacionamento de Gnomeu (voz de James McAvoy) e Julieta (Emily Blunt) até que os encontros às escondidas convergem em guerra entre azuis e vermelhos.

O minúsculo cenário onde se situa a história de “Gnomeu e Julieta” não é uma barreira para a animação deixar de impressionar tecnicamente. Essas estátuas de porcelana que ficam imóveis diante da visão humana são adoráveis e há tantos elementos nos jardins que eles habitam que parece que estamos diante de um novo mundo. Porém, nada que supere a eficácia deste romance de Shakespeare: se aqui o desfecho não é nada trágico, a história de amor prevalece imortal. O músico britânico Elton John torna o filme ainda mais irresistível em uma trilha sonora que conta com as canções “Crocodile Rock”, “Tiny Dancer”, “Don’t Go Breaking My Heart”, entre outras.

Título Original: Gnomeo & Juliet
Ano de Produção: 2011
Direção: Kelly Asbury
Roteiro: Andy Riley, Emily Cook, Kathy Greenberg, Kelly Asbury, Kevin Cecil, Mark Burton e Steve Hamilton Shaw, baseado na peça de William Shakespeare
Vozes de: James McAvoy, Emily Blunt, Ashley Jensen, Michael Caine, Matt Lucas, Jim Cummings, Maggie Smith, Jason Statham, Ozzy Osbourne, Stephen Merchant, Patrick Stewart, Julie Walters, Hulk Hogan, Kelly Asbury, Richard Wilson e Dolly Parton
Cotação: 3 Stars

Resenha Crítica | Potiche – Esposa Troféu (2010)

Na década de 1970 ainda era comum as mulheres não terem autonomia em alguns campos. Profissionalmente, o sexo feminino era posto em uma situação desfavorável, com remuneração baixa para um trabalho que exigia o mesmo esforço que os homens. No cenário político a situação era ainda pior, apesar de estar em voga o direito de voto feminino. Ao lado do colombiano Rodrigo García, não há cineasta contemporâneo que compreenda melhor as mulheres do que o francês François Ozon e por isto é mais do que natural vê-lo como o responsável por um filme como “Potiche – Esposa Troféu”.

Ainda vigorosa aos sessenta e sete anos, Catherine Deneuve faz Suzanne Pujol, a esposa troféu do título. Embora seu falecido pai lhe tenha deixado uma empresa de guarda-chuvas, é o seu marido Robert (Fabrice Luchini) quem comanda o negócio, tendo a maior porcentagem das ações. Resta então a Suzanne ocupar as longas horas de seu dia praticando exercícios, cuidando da casa e fazendo anotações poéticas em seu caderno de bolso. Eis que uma greve armada pelos operários da fábrica acontece e Robert sofre um infarto causado pelo estresse, sobrando para Suzanne dirigir temporariamente a empresa da família. E não é que mudanças positivas começam a acontecer no lugar?

O argumento podia render um drama (como aconteceu recentemente em “Revolução em Dagenham”), mas François fez bem em adaptar livremente a peça de Jean-Pierre Grédy e Pierre Barillet como uma digna comédia de costumes. É de longe o trabalho mais leve de toda sua carreira, com tom convidativo vindo de alguns diálogos afiados do próprio Ozon e da bela recriação de época, onde se destaca especialmente os figurinos de Pascaline Chavanne (constante colaborador do cineasta). Por outro lado, com exceção do charme com que retrata uma mulher de idade como Suzanne, “Potiche – Esposa Troféu” acaba sendo límpido demais, bobinho demais. O filme também se beneficiaria mais sem dois momentos musicais presentes na narrativa, que não são o forte de Ozon e onde se vê o elenco claramente desconfortável.

Título Original: Potiche
Ano de Produção: 2010
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon, baseado na peça de Jean-Pierre Grédy e Pierre Barillet
Elenco: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche, Jérémie Renier, Évelyne Dandry, Bruno Lochet, Elodie Frégé, Gautier About, Jean-Baptiste Shelmerdine, Noam Charlier, Martin De Myttenaere, Yannick Schmitz, Christine Desodt e Sergi López
Cotação: 3 Stars

Resenha Crítica | Os Olhos de Julia (2010)

Fãs do cinema fantástico e de terror que se prezem sempre ficam antenados nos projetos que contam com a assinatura do mexicano Guillermo del Toro. Isto porque a criatividade deste extraordinário realizador parece inesgotável. Diretor de “Hellboy” e “O Labirinto do Fauno”, Guillermo del Toro também produz longas-metragens de cineastas iniciantes, mas tão talentosos quanto ele. Foi del Toro quem bancou “O Orfanato”, talvez o melhor thriller espanhol dos últimos anos. Agora é a vez de Guillem Morales mostrar a que veio com o apoio de del Toro em “Os Olhos de Júlia”, o segundo longa-metragem de sua carreira e com lançamento previsto no Brasil para este mês direto em DVD pela distribuidora Universal.

Além do nome de Guillermo del Toro como produtor, “Os Olhos de Júlia” tem outra semelhança com o citado “O Orfanato”: a atriz Belén Rueda como protagonista. Ela vive a Júlia do título, bem como a sua irmã Sara. Além de gêmeas, Júlia e Sara têm uma rara doença que as fazem perder a visão gradativamente. Prestes a cometer suicídio e num estágio de cegueira muito mais avançado, Sara é misteriosamente assassinada. Ao receber a notícia, Júlia passa por um período de estresse que preocupa o seu marido Isaac (Lluís Homar), pois fortes choques emocionais podem prejudicar a sua deficiente visão. A superação da perda seria o maior problema para Júlia caso ela não se sentisse constantemente observada por um estranho, criando hipóteses de alguém ligado a morte de Sara está querendo algo com ela.

Espectadores que sentem calafrios com sequências que envolvam contato direto com olhos precisam se precaver: “Os Olhos de Júlia” é cheio desses momentos. A boa notícia é que o suspense vai muito além disso, criando um jogo sublime de perspectivas. Já tendo corrido metade da narrativa, a protagonista é sujeita a uma cirurgia que a faz ficar com os olhos totalmente vendados. Deste ponto em diante, Guillem Morales conduz a história de forma quase subjetiva, obrigando o espectador a ficar na condição de personagem.

A escolha não é fácil e por isto é raro ver diretores, por mais experientes que sejam, adotá-la em suas realizações. Afinal, é preciso um esforço muito grande para que tudo não saia dos eixos, tendo diversos elementos para serem lidados (que passam de marcação até enquadramento e iluminação adequados) que precisam de atenção redobrada. O experimentalismo de Guillem Morales é tão perfeito que o resultado é digno de prêmios e influências para outros cineastas. Ao final, o espectador desvenda os mistérios junto com Júlia e se o realizador se excede ao acrescentar uma ou duas ações descartáveis ao menos as outras virtudes reconhecidas compensam qualquer erro. É uma experiência como há muito não se testemunhava e que ainda traz claras influências dos melhores giallos, gênero literário e cinematográfico produzido na Itália.

Título Original: Los ojos de Julia
Ano de Produção: 2010
Direção: Guillem Morales
Roteiro: Guillem Morales e Oriol Paulo
Elenco: Belén Rueda, Lluís Homar, Pablo Derqui, Francesc Orella, Joan Dalmau, Boris Ruiz, Daniel Grao, Clara Segura, Andrea Hermosa e Julia Gutiérrez Caba
Cotação: 4 Stars