A Perseguição

Pior do que ser um dos passageiros de um voo que não chegou ao seu destino é sobreviver a queda em uma área inóspito. É exatamente o que acontece com John Ottway (Liam Neeson), um melancólico viúvo chamado para proteger de lobos uma equipe de perfuração de petróleo no Alasca. Ele quase tira a própria vida um dia antes de voltar para casa, mas acredita que o uivo dado por um lobo no instante em que apontava para si uma espingarda talvez seja um sinal de que o destino lhe reservará algo especial.

Uma vez o avião destroçado no solo, temos John em um lugar em que a temperatura é abaixo de zero e que não há absolutamente nada ou ninguém que possa ajudá-lo. Na companhia de outros sobreviventes, como Hendrick (Dallas Roberts), Talget (Dermot Mulroney), Diaz (Frank Grillo) e Flannery (Joe Anderson), John sugere que sigam em frente, pois não haveria chances de sobreviverem por muitas horas no local da queda. Entretanto, o maior perigo está por vir, pois a jornada desses personagens contará com a presença de inúmeros lobos ferozes e famintos.

O cineasta americano  Joe Carnahan sabe que há uma vasta galeria de obras em que os limites do ser humano são testados na luta pela sobrevivência em um ambiente em que a natureza se revela a maior ameaça. Há até uma passagem em que um personagem, em tom de brincadeira, compara a situação com a mesma que viu no filme “Vivos”, um clássico dessa linha dirigido por Frank Marshall em 1993.

Se isto não o faz escapar de alguns chavões típicos no primeiro ato da história, como a presença de um personagem que se mostra excessivamente arrogante (no caso, Diaz), ao menos consegue se mostrar autêntico ao tornar a obstinação dos personagens em algo mais emocional. “A Perseguição” é bem-sucedido se encarado apenas como um entretenimento com todas as características de uma história de sobrevivência. Porém, é na decisão em elevá-la para uma jornada dramática em que homens passam a compreender a própria existência com a morte tão próxima deles a razão deste ser o filme mais relevante e especial de Joe Carnahan desde “Narc”.

Título Original: The Grey
Ano de Produção: 2011
Direção: Joe Carnahan
Roteiro: Joe Carnahan, baseado no conto “Ghost Walker”, de Ian Mackenzie Jeffers
Elenco: Liam Neeson, Dallas Roberts, Dermot Mulroney, Frank Grillo, Joe Anderson, Nonso Anozie, James Badge Dale, Ben Bray e Anne Openshaw

Flor da Neve e o Leque Secreto

A principio impera a sensação de que o cineasta Wayne Wang está lidando simultaneamente com dois filmes em “Flor da Neve e o Leque Secreto”. Temos aqui duas histórias distintas sendo contadas e a única conexão entre elas está na curiosidade em ver as atrizes Gianna Jun e Bingbing Li incorporando duas personagens, pertencendo uma ao século XIX e a outra existente nos dias atuais. Apesar desse estranhamento inicial, as duas histórias de “Flor da Neve e o Leque Secreto” vão apresentando outras ligações ao ponto de cada uma depender da outra para existirem.

Em uma China movida por costumes hoje não praticados, Flor da Neve (Gianna Jun) e Lily (Bingbing Li) são laotongs, como eram conhecidas as amigas para toda a vida. Ambas cultivavam um relacionamento de lealdade e confidencias. Porém, em um período em que as mulheres eram destinadas a casamentos arranjados, a comunicação entre elas em muitos momentos se dava pelo uso do nu shu, uma linguagem secreta registrada através de leques.

Já no cenário atual, o foco recai em Sophia e Nina (novamente Gianna Jun e Bingbing Li), melhores amigas desde a adolescência. Ainda que Sophie e Nina sejam mais independentes que Flor da Neve e Lily e estejam presentes em um mundo globalizado, elas também podem ser consideradas laotongs. Isto se intensifica quando Nina revê Sophia no hospital em coma após sofrer um grave acidente.

Mesmo que Wayne Wang  anule parcialmente a força das duas histórias ao tentar equilibrá-las (as inúmeras elipses chegam a confundir o espectador), a sensibilidade estética do cineasta se mostra presente na maior parte de “Flor da Neve e o Leque Secreto”. O drama também é relevante ao explorar com clareza costumes que desconhecemos. Não é apenas a amizade pura entre essas mulheres o que verdadeiramente comove, mas os seus sacrifícios: para conseguirem um pretendente, elas são submetidas na infância a um doloroso processo de redução do tamanho de seus pés, havendo na pequenez o instrumento de sedução.

Título Original: Snow Flower and the Secret Fan
Ano de Produção: 2011
Direção: Wayne Wang
Roteiro: Angela Workman, Michael Ray e Ronald Bass, baseado no romance homônimo de Lisa See
Elenco: Gianna Jun, Bingbing Li, Russell Wong, Archie Kao, Coco Chiang, Hu Qing Yun, Shi Ping Cao, Ruijia Zhang, Vivian Wu, Congmeng Guo, Danping Shen, Yan Dai, Yulan Xu, Shiming Wang, Shouqin Xu, Ying Tang e Hugh Jackman

360

Uma narrativa que contém vários personagens com destinos que se cruzam não é novidade. Atualmente, ela está mais presente do que nunca no cinema. Isto se dá pela globalização no mundo, pois a interação de indivíduos que pertencem a realidades distintas é possível. A melhor obra a representar isto é “Babel”, em que Alejandro González Iñárritu conduz histórias protagonizadas por personagens de línguas, etnias e classes sociais distintas. Mesmo que não seja tão audacioso quanto Iñárritu, Fernando Meirelles quer provar com “360” que estamos todos conectados.

Baseado em um texto teatral de Arthur Schnitzler, a história de “360” inicia com Mirka (Lucia Siposová). Acompanhada pela irmã Anna (Gabriela Marcinkova), Mirka deseja ganhar a vida como uma prostituta em Viena. Torna-se assim Blanka e tem como primeiro cliente Michael Daly (Jude Law), inglês casado com Rose (Rachel Weisz) que está em viagem de negócios. Embora o encontro entre os dois não seja concretizado pela intromissão repentina de dois vendedores (papéis de Moritz Bleibtreu e do roteirista Peter Morgan) que perseguem Michael, um clima denso entre ele e Rose se impõe quando eles se reencontram em Londres, uma vez que ela mantinha em segredo um relacionamento com Rui (Juliano Cazarré), fotógrafo brasileiro comprometido com Laura (Maria Flor).

Ir além disto seria descrever exatamente tudo o que ocorre em “360”, mas neste ponto é possível notar a estrutura circular do roteiro, que contornará por outros personagens até finalmente chegar em Mirka, aquela que representa o ponto de partida do drama. Infelizmente, todo o rigor de Fernando Meirelles em respeitar essa estrutura transforma “360” em um filme preenchido de personagens em sua maioria rasos com tormentos internos banais.

Para um filme como “360” funcionar é necessário que o drama de seus personagens sejam explorados ao máximo com o tempo curto que eles têm em cena. Isto não acontece por culpa do péssimo texto de Peter Morgan. Sabe-se que é difícil não recorrer em coincidências em histórias como esta, mas o roteirista força a barra ao conectar seus personagens. Um dos vários exemplos que são encontrados ao longo de “360” é a interação entre Laura e Tyler (Bem Foster). Presa em um aeroporto, Laura decide eliminar suas angústias tentando seduzir justamente Tyler, sujeito que acaba de abandonar a prisão após ser acusado por abuso sexual. Ou seja: temos aqui estranhos que são conectados de maneira forçada, não naturalmente.

Além disso, se a intenção era transformar “360” em um filme universal com sua dedicação em rodar sequências em locações de países diferentes e com intérpretes de nacionalidades diferentes, o resultado é falho. Não importa se os personagens são brasileiros ou se a ação acontece na Áustria, as circunstâncias os farão interagirem em inglês. Nesta sua terceira aventura como cineasta fora do Brasil, Fernando Meirelles errou feio.

Título Original: 360
Ano de Produção: 2011
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Peter Morgan, baseado na peça “Reigen”, de Arthur Schnitzler
Elenco: Anthony Hopkins, Lucia Siposová, Ben Foster, Gabriela Marcinkova, Danica Jurcová, Jamel Debbouze, Johannes Krisch, Jude Law, Juliano Cazarré, Dinara Drukarova, Mark Ivanir, Moritz Bleibtreu, Patty Hannock, Vladimir Vdovichenkov, Rachel Weisz, Maria Flor, Sydney Wade, Peter Morgan e Marianne Jean-Baptiste

Seita Mortal

Há quem afirme que o cinema americano não produz obras-primas em tempos recentes. A afirmação não passa de uma bobagem quando observamos as várias pérolas feitas por cineastas independentes. Porém, até elas dependem de estratégias de blockbusters caso queiram sobreviver no concorrido circuito de cinema. É necessário levantar uma boa grana para a divulgação do filme e deixá-lo nas mãos de um bom distribuidor.

Um dos nomes mais importantes da comédia dos anos 1990, Kevin Smith (“O Balconista”, “Procura-se Amy”) já passou por esta experiência. Com “Seita Mortal”, ele mudou as regras do jogo. Sabendo que precisaria levantar um bom investimento para bancar o marketing de “Seita Mortal”, Kevin Smith decidiu exibi-lo por conta própria em sessões especiais a meia-noite.

De certa maneira, essa peculiaridade de exibição cola bem com a narrativa de “Seita Mortal”, que faz uma crítica pesadíssima ao fanatismo religioso usando elementos de horror. Aqui, três jovens bobocas, Travis (Michael Angarano), Jared (Kyle Gallner) e Billy Ray (Nicholas Braun), recebem um convite de uma noite de sexo com Sarah Cooper (Melissa Leo). Claro, é uma cilada. Sarah é membro da igreja Five Points, cujo pastor, Abin Cooper (Michael Parks, sensacional), usa meios violentos para condenar a juventude da qual julga desenfreada.

A história ganha uma reviravolta quando as ações do pastor Abin chega ao conhecimento do xerife Wynan (Stephen Root), que por sua vez solicita o reforço do agente da ATF Joseph Keenan (John Goodman). Munidos de armas, Abin e os seus seguidores iniciam uma verdadeira guerra contra as autoridades.

Kevin Smith não tem qualquer sutileza em registrar o caos em que Travis, Jared e Billy Ray se meteram, inserindo-os em um cenário em que Religião e Lei já não asseguram a proteção que deveriam. Mesmo propondo este discurso interessante, “Seita Mortal” o invalida devido aos exageros de Kevin Smith ao encenar o tiroteio que se inicia entre fanáticos religiosos e agentes da lei.

Título Original: Red State
Ano de Produção: 2011
Direção: Kevin Smith
Roteiro: Kevin Smith
Elenco: Michael Angarano, Kyle Gallner, John Goodman, Kevin Pollak, Michael Parks, Melissa Leo, Deborah Aquila, Ronnie Connell, Kaylee DeFer, Anna Gunn, Matt Jones,
John Lacy, Alexa Nikolas, Stephen Root, Betty Aberlin, Kerry Bishé, Ralph Garman, Molly Livingston, James Parks, Jennifer Schwalbach Smith, Elizabeth Tripp, Haley Ramm, Patrick Fischler e Marc Blucas