Alpes

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

O diretor grego Giorgos Lanthimos deu o que falar com o seu segundo longa-metragem, “Dente Canino”. Exibido na 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme conquistou muitos espectadores com a história de irmãos que vivem reclusos em uma casa sem imaginarem o que há e o que os aguardam fora deste ambiente. A visibilidade aumentou com uma surpreendente indicação ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro e uma vitória no Festival de Cannes na Mostra Um Certo Olhar.

Em “Alpes”, novo filme de Giorgos Lanthimos, a premissa tem como protagonista a enfermeira interpretada por Aggeliki Papoulia. Após testemunhar a morte de uma jovem tenista, vítima de um terrível acidente, ela integra o Alpes, um pequeno grupo formado por indivíduos em um ginásio escolar que tem como missão incorporar pessoas recentemente falecidas como forma de consolar as famílias desoladas com a perda. Assumindo o codinome de Monte Rosa (que é, assim como Alpes, o nome de uma montanha), ela se confundirá no difícil processo de lidar com duas personalidades.

Tão curiosa quanto difícil, “Alpes” parece fazer alusão à Grécia atual, com uma população que vive em estado crítico – a situação social do país é alarmante. Lamentavelmente, o cineasta representa a confusão que invade sua protagonista com uma estranheza que mais repele do que atrai, nos fazendo perder toda a conexão emocional estabelecida nos primeiros acontecimentos encenados. Não será desta vez que os mesmos louros obtidos com “Dente Canino” serão conquistados novamente.

Título Original: Alpeis
Ano de Produção: 2011
Direção: Giorgos Lanthimos
Roteiro: Efthymis Filippou e Giorgos Lanthimos
Elenco: Aggeliki Papoulia, Stavros Psyllakis, Johnny Vekris, Ariane Labed, Aris Servetalis e Erifili Stefanidou

Resenha Crítica | O Som ao Redor (2012)

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Um dos críticos mais famosos do Brasil, Kleber Mendonça Filho fez carreira no Jornal do Commercio, mas nunca escondeu a sua vontade de um dia fazer cinema. Desde 2002, Kleber realizou alguns curtas premiados, como “Vinil Verde” e “Recife Frio”. No formato de longa-metragem, debutou com o documentário “Crítico”. Em “O Som ao Redor”, faz aquele que é o seu primeiro filme de ficção em longa-metragem. Dada a qualidade do projeto, será o primeiro de muitos em uma carreira que tem tudo para alavancar a partir daqui.

Para alguém que se dedicava em analisar com rigor as mais variadas obras cinematográficas lançadas em circuito nacional, é um risco se submeter no papel de vidraça. O que permite que esta troca de funções, de crítico de cinema para cineasta, seja mero detalhe é a dedicação de Kleber Mendonça Filho em manter a boa reputação do cinema pernambucano e ainda realizar um projeto em que se reconhece uma assinatura de autor.

Há em “Ao Som ao Redor” três atos bem definidos e João, personagem interpretado pelo estreante Gustavo Jahn, pode ser aceito como o verdadeiro protagonista da história. Ainda assim, a narrativa depende mais do registro de gente comum que vive em uma vizinhança de classe média do que um único fio condutor.

Como premissa, podemos dizer que “O Som ao Redor” trata de inúmeras desavenças e segredos que aos poucos são revelados quando surge uma pequena equipe liderada por Clodoaldo (papel de Irandhir Santos, de “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro”) para oferecer segurança aos moradores como vigias deste cenário, situado na zona sul do Recife. Entre os residentes, há Bia (Maeve Jinkings), uma jovem mãe constantemente perturbada pelos latidos de um cão, e Cláudio (Sebastião Formiga), o velho e afortunado corretor local de imóveis.

Em tom de crônica, Kleber Mendonça Filho explora com autenticidade alguns valores do povo pernambucano. Existe uma forte lealdade entre membros de uma mesma família e aqui há personagens que apresentam uma conexão muito forte com suas próprias origens e também do ambiente que transitam. Se há uma ressalva que deve ser feita é um tom sobrenatural que vai se intensificando na narrativa e que não é digerido com facilidade.

Título Original: O Som ao Redor
Ano de Produção: 2012
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Sebastião Formiga, Irma Brown, Maeve Jinkings, W.J. Solha, Lula Terra, Yuri Holanda, Clébia Souza, Albert Tenório, Nivaldo Nascimento, Felipe Bandeira, Clara Pinheiro de Oliveira e Mauricéia Conceição

Chamada a Cobrar

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Uma das piores coisas que pode acontecer a uma mãe é ser surpreendida por uma ligação telefônica em que a pessoa do outro lado da linha diz, em tom de voz ameaçador, que acaba de sequestrar o seu filho. Temendo pela integridade de um membro da própria família, resta a esta mãe cumprir exatamente com todas as exigências do sequestrador.

Em uma interpretação que cresce ao longo do filme, Bete Dorgam faz Clarinha, uma senhora da classe alta paulistana que leva uma vida fútil em sua aconchegante residência. Mesmo nas realizações mais banais do cotidiano, Clarinha recorre à empregada. Sua vida vira ao avesso a partir do momento em que recebe uma ligação de um sujeito (Pierre Santos) que se apresenta como sequestrador e que diz ter a sua filha mais nova e diabética (Maria Manoella) como refém.

Fora da segurança de sua casa, Clarinha parece participar pela primeira vez de algo realmente perigoso, pois está disposta a fazer tudo pela sua filha. Primeiro desembolsa R$500,00 para converter em créditos para todas as operadoras de telefonia móvel disponíveis. Depois, fornece todos os dados de suas contas bancárias. Por fim, segue para o Rio de Janeiro para chegar ao cativeiro em que sua filha está.

Antes que mais exigências sejam feitas ao longo dessa viagem de carro, o público já sacou há um bom tempo: Clarinha está sendo vítima de falso sequestro. Porém, a gente finge que está tudo bem, pois são hilários os constrangimentos que a personagem protagoniza no que acredita ser um mal necessário para salvar a sua filha, que por sua vez a taxa de burra por ter caído direitinho no trote.

Realizadora do surpreendente “É Proibido Fumar”, Anna Muylaert converte em longa-metragem o telefilme “Para Aceitá-la Continue na Linha”, de 2009. Com clima de road movie, “Chamada a Cobrar” se sustenta na tela grande porque não concentra sua narrativa apenas em ambientes fechados.

Sente-se que a produção está um pouco deslocada para o momento em que é mostrada ao público, pois já se foi aquele período em que os falsos sequestros, planejados por marginais encarcerados, se tornaram uma das maiores preocupações da sociedade brasileira. Por outro lado, “Chamada a Cobrar” se aproveita dessa interação entre vítima ingênua e falso sequestrador para expor um debate esperto sobre a desigualdade social. Este tópico, infelizmente, é mais atual do que nunca e está longe de ser solucionado.

Título Original: Chamada a Cobrar
Ano de Produção: 2012
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Elenco: Bete Dorgam, Maria Manoella, Pierre Santos, Cida Almeida, Marat Descartes, Joaquim De Souza, Regina França, Tatiana Thomé, Paula Pretta e Lourenço Mutarelli

Resenha Crítica | 38 Testemunhas (2012)

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Em 1964, a jovem nova-iorquina Catherine Genovese foi brutalmente assassinada próxima ao apartamento que habitava no bairro de Queens. Encontrada sem vida com inúmeras facadas em seu corpo, Kitty, como era conhecida, agonizou diante de trinta e oito testemunhas, que nada fizeram para intervir no assassinato cometido por Winston Moseley, sujeito que confessou outros dois crimes para a polícia. O episódio deu origem a Síndrome Genovese, termo que é usado quando um indivíduo se comporta apenas como espectador passivo diante de um crime.

Tudo isto inspirou um romance escrito por Didier Decoin, que agora serve como base para “38 Testemunhas”, novo filme de Lucas Belvaux. Sem condições para reservar espaço para trinta e oito personagens, o diretor e roteirista francês visualiza em Pierre (Yvan Attal) e Louise Morvand (Sophie Quinton), marido e mulher, os protagonistas ideais para a história. Louise acaba de retornar de uma viagem e se depara com a notícia de que uma mulher foi assassinada ao redor do edifício que mora. Pierre, que trabalha na marinha mercante, diz que não estava no apartamento quando o crime aconteceu, mas aos poucos seu estranho comportamento levanta suspeitas de que ele pode ser uma testemunha, algo confirmado com a intervenção de Sylvie Loriot (Nicole Garcia), uma inescrupulosa jornalista investigativa.

Além do peso na consciência por não ter feito qualquer coisa diante de uma barbaridade, Pierre se torna um bode expiatório ao descobrir que ele não foi o único vizinho que ficou imóvel na segurança do seu apartamento, mas que nada menos do que outras trinta e sete pessoas testemunharam o assassinato, que foi executado durante longos minutos.

Surpreende que uma história poderosa como esta tenha resultado um filme tão razoável como “38 Testemunhas”. A decepção é ainda maior ao saber que Lucas Belvaux é o mesmo realizador de “O Sequestro de Um Herói”, um thriller fantástico também protagonizado por Yvan Attal que apresenta uma conclusão que fica eternamente gravada na memória do espectador. Conduzindo a história em banho-maria, Lucas Belvaux não consegue fazer uma crítica a uma sociedade que a cada dia encara com apatia tudo o que acontece ao seu redor e que apenas preserva o seu próprio bem-estar.

Outra bola fora é expor uma crise conjugal entre o casal central ao mesmo tempo em que são analisadas as consequências do crime, limitando ainda mais a denúncia emitida pela produção – diante desta escolha narrativa, não há como não criticar o trabalho da atriz Sophie Quinton, de uma insipidez revoltante. “38 Testemunhas” pode até acertar em cheio ao mostrar a importância do papel de um jornalista em casos como este e também na reconstituição do crime cometido. Pena que não seja suficiente se analisarmos até onde esta encenação poderia chegar.

Título Original: 38 témoins
Ano de Produção: 2012
Direção: Lucas Belvaux
Roteiro: Lucas Belvaux, baseado no romance de Didier Decoin
Elenco: Yvan Attal, Sophie Quinton, Nicole Garcia, François Feroleto, Natacha Régnier, Patrick Descamps, Didier Sandre, Bernard Mazzinghi, Laurent Fernandez, Pierre Rochefort, Philippe Résimont, Rose Folloppe e Audrey Lecoq

A Aposentada

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Quando nos arrependemos de uma decisão em nosso passado, a saída mais fácil para esquecê-la é se desassociar de tudo e de todos que estão ligados a ela. No entanto, isto parece não ser suficiente, pois aprendemos que um erro mantido oculto pode vir à tona quando menos se espera. Fabiola, personagem principal interpretada pela excelente Paola Lattus, sentirá isto na pele conforme a história de “A Aposentada” se desenvolve.

Mesmo que o diretor e roteirista Jairo Boisier não faça muito mistério neste drama inspirado em um caso real, antecipar o que Fabiola esconde (uma informação infelizmente presente na maioria dos veículos que divulgam o filme) seria tirar uma boa parte da graça de “A Aposentada”. Pode-se dizer que ela é uma trintona que, depois de algum tempo em Santiago, retorna à sua cidade natal para morar com a irmã mais velha (Catalina Saavedra) e o pai viúvo (José Soza).

Ao trabalhar como supervisora de um depósito de reciclagem, muitas pessoas ao seu redor passam a não enxergá-la com bons olhos, algo desencadeado por causa da sua amizade com um rapaz apelidado Tarântula (Hernando Lattus), filho do seu chefe chamado Moises (Daniel Antivilo), que, por sua vez, diz que revelará algo que ela esconde do seu pai caso não se afaste imediatamente de Tarântula.

Apesar de não ter orgulho do seu passado, Fabiola é uma mulher que surpreende por sua vivacidade. Não tem vergonha de suas escolhas anteriores, apenas teme ser desaprovada pelo pai, um sujeito de bom coração e antiquado. No processo de conseguir um emprego que lhe dê um retorno financeiro para que possa se sustentar, refazer laços com a família e conhecer novas pessoas, Fabiola passa a encarar a vida com otimismo e bom humor, apesar das circunstâncias não colaborarem muito.

Para contar a história desta personagem crível, Jairo Boisier encontrou uma maneira simples de encená-la. Em “A Aposentada”, temos apenas planos estáticos, com personagens entrando e saindo do quadro. Poderia ser enfadonho, mas o resultado é positivo porque o maior interesse está concentrado mesmo na trajetória de Fabiola. Dono de uma força inesperada, “A Aposentada” é um daqueles dramas que nos faz trocar nossos julgamentos por um sentimento de complacência, um efeito extraordinário causado por um pequeno (grande) filme.

Título Original: La Jubilada
Ano de Produção: 2012
Direção: Jairo Boisier
Roteiro: Jairo Boisier
Elenco: Paola Lattus, Catalina Saavedra, José Soza, Daniela Ramirez, Georgina Catalina Saavedra, Daniel Antivilo e Hernando Lattus