Resenha Crítica | Pronto Para Recomeçar (2010)

Pronto Para Recomeçar | Everything Must Go

Há dias em nossas vidas que temos a sensação de que tudo está errado. Acordamos e chegamos atrasados para o trabalho, pendências se acumulam sem que possamos dar solução a tudo, há um trânsito gigante da hora de ir embora… Tantos problemas corriqueiros não representam absolutamente nada perto do inferno astral que abate Nick Halsey (Will Ferrell) em um único dia. Se enfrentar uma demissão já não fosse estressante o suficiente, Nick chega em casa e se depara com todos os seus pertences no jardim. Sua esposa, que desaparece sem deixar indícios para onde vai, não tolera mais o relacionamento e deixou todas as portas trancadas e janelas lacradas para que ele não entre em sua própria residência.

Não é preciso que a história de “Pronto Para Recomeçar” avance muito para sabermos que Nick é o principal responsável por toda essa situação que agora o assola. Nosso protagonista é um alcoólatra incorrigível descompromissado com tudo na vida, embora tenha mostrado serviço enquanto sóbrio na companhia em que trabalhava. Por isso mesmo, se vê sozinho para superar tantas rejeições vindas ao mesmo tempo. Somente seu amigo policial Frank (Michael Peña) dá o ar da graça para alertá-lo que ele precisa se livrar de todos os seus objetos e abandonar imediatamente o jardim que agora lhe serve como hospedagem temporária.

Há duas pessoas muito especiais que, impressionadas com o estado de Nick, o farão reavaliar sua vida. A primeira é Samantha (Rebecca Hall), uma vizinha grávida recém-chegada na vizinhança que aos poucos formará uma amizade com Nick. Já Kenny (Christopher Jordan Wallace) é um garotinho gordo rejeitado pelos colegas de classe que ajudará Nick a vender todos os seus pertences, algo que não será muito trabalhoso, pois o jardim se transformou em uma verdadeira feira livre e Kenny se revela um vendedor promissor. Durante tudo isso, Nick gasta o dinheiro e tempo que lhe restam consumindo algumas bebidas.

Não estranhem o tom de crônica. “Pronto Para Recomeçar” é uma adaptação de um conto de Raymond Carver, “Why Don’t You Dance”. Responsável pela história que originou “Short Cuts – Cenas da Vida”, Carver é um escritor americano renomado na elaboração de histórias protagonizadas por gente como a gente, em que emoções genuínas são extraídas através da banalidade do cotidiano. Há assim grande importância conferida aos pertences de Nick. No processo de desapego, o protagonista reavaliará suas escolhas e esquecerá tudo associado ao seu passado para finalmente ser capaz de seguir em frente.

É uma surpresa que um papel cheio de camadas tenha sido oferecido a um ator como Will Ferrell. Ótimo comediante, Farrell é muito reconhecido pelo tom exagerado que empresta aos seus personagens. O risco de transformar Nick em uma caricatura é grande, mas Ferrell parece ciente da responsabilidade de oferecer um perfil diferenciado para este que é o seu primeiro personagem dramático. Numa mistura de dureza e esforço para se tornar um homem diferente, Will Ferrell enriquece a interatividade de Nick com outros personagens da história, a exemplo de Delilah (Laura Dern, em maravilhosa participação especial), um amor que não correspondeu no na juventude. Filme (e desempenho de Will Farrell) muito bonito e honesto.

Everything Must Go, 2010 | Dirigido por Dan Rush | Roteiro de Dan Rush, baseado no conto “Why Don’t You Dance”, de Raymond Carver | Elenco: Will Farrell, Christopher Jordan Wallace, Rebecca Hall, Michael Peña, Rosalie Michaels, Stephen Root, Glenn Howerton, Argos Maccallum, Todd Bryant e Laura Dern | Distribuidora: Playarte

Resenha Crítica | Até que a Sorte nos Separe (2012)

Até que a Sorte nos SepareUm dos itens presentes na lista de muitos brasileiros é ganhar na loteria. Em um país com um nível de desigualdade social tão alarmante, não é um absurdo muitos quererem sorte em um jogo com um prêmio milionário. Por isso que casas loterias são invadidas por apostadores, especialmente em vésperas de sorteios. O casal Tino e Jane tem a vida modesta alterada quando percebem que os seis números que escolheram na Mega-Sena foram sorteados. Imensamente felizes, prometem que o dinheiro jamais interferirá no amor que um tem pelo outro.

Passam-se os anos e Tino e Jane se tornaram pessoas muito diferentes do que eram antes de enriquecerem. Tino, interpretado pelo comediante Leandro Hassum, não tem mais o corpo atlético de outrora e Jane, feita por Danielle Winits, é uma dondoca para lá de fútil. Não é preciso prever que o casal cairia na regra dos pobres que perdem tudo ao não saberem gerenciar a fortuna que ganhou com certa facilidade. Ao se deparar com todos os seus cartões de créditos bloqueados, Tino logo é informado que sua conta bancária está com saldo negativo.

Em segredo, Tino tentará reverter a situação contando com a ajuda do seu vizinho e contador Amauri (Kiko Mascarenhas), que elaborará estratégias para que ele consiga sair do saldo zero e modificar o padrão de vida que ele vem mantendo nos últimos anos. O problema é que Tino é incapaz de dizer não para sua mulher e filhos, que continuam abusando de gastos exorbitantes.

Amparado pela boa química entre personagens tão destoantes como Tino e Amauri e algumas piadas que funcionam (a maioria protagonizadas por Ailton Graça, hilário ao se passar por um designer de interiores para ajudar Tino a se livrar de novos débitos com uma redecoração solicitada pela esposa), “Até que a Sorte nos Separe” não dá mais passos pela produção precária. Comprometido com a sucessão de situações copiadas de outros exemplares da linha, a comédia chega a constranger com seu trabalho técnico, o que inclui uma galeria de montagens horrorosas de Tino e Jane em algumas viagens absurdas.

De qualquer forma, o filme, baseado no livro de autoajuda “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, apresenta com alguma eficácia um tema atual para o público brasileiro. Além do mais, também representa um salto na carreira de Roberto Santucci, que anteriormente havia dirigido o péssimo “De Pernas Pro Ar“. Se Santucci se esforçar ainda mais em seus projetos futuros, será possível visualizar um progresso que vá além de números de bilheteria.

Até que a Sorte nos Separe, 2012 | Dirigido por Roberto Santucci | Roteiro de Angelica Lopes e Paulo Cursino, baseado no livro “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, de Gustavo Cerbasi | Elenco: Leandro Hassum, Danielle Winits, Kiko Mascarenhas, Marcelo Saback, Ailton Graça, Julia Dalavia, Julio Braga, Vitor Maia, Rita Elmôr, Henry Fiuka, Maurício Sherman e Carlos Bonow | Distribuidora: Paris Filmes