Jack, o Caçador de Gigantes

Jack, o Caçador de Gigantes | Jack The Giant Killer

Diretor de “Os Suspeitos” e dos dois primeiros capítulos da franquia “X-Men”, Bryan Singer foi um jovem profissional que alcançou o topo de Hollywood devido a reputação adquirida com o sucesso de seus primeiros filmes. Lamentavelmente, adotou um perfil de cineasta intocável e deixou com que o ego dominasse seu passo seguinte. O tombo não poderia ser mais feio.

Herói de sua infância, Superman é um personagem do qual Singer sempre sonhou em conduzir uma aventura. O estúdio Warner lhe deu toda a liberdade criativa e dinheiro para fazer o que bem entendesse. O resultado foi o lastimável “Superman – O Retorno”. Ok, sua concepção para o personagem não chega a ser tão atroz quanta aquela apresentada recentemente por Christopher Nolan em “O Homem de Aço”, mas há algo de megalomaníaco em um sujeito que deixa esquecida na ilha de edição uma sequência que custou nada menos do que cinco milhões de dólares sem cerimônia alguma.

Após deixar na mão toda a equipe envolvida em “X-Men 3 – O Confronto Final” e conduzir o meia-boca “Operação Valquíria”, Bryan Singer revive dias mais harmoniosos com “Jack, o Caçador de Gigantes”, longa-metragem de aventura que recria a história de “João e o Pé de Feijão”. Trata-se de mais um título a integrar o novo filão hollywoodiano de adaptações para lá de livres de consagradas histórias infantis, como recentemente vimos em “Espelho, Espelho Meu”.

Destemido e humilde fazendeiro, Jack (Nicholas Hoult) encanta-se pela princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson, que fez a versão jovem de Jessica Biel em “O Ilusionista”) ao vê-la em uma de suas andanças pelo vilarejo para tentar fazer negócios. Volta de lá com um saco com feijões que um monge (Simon Lowe) lhe deu em troca do cavalo que deveria vender. Uma noite tempestuosa surge, alguns grãos caem acidentalmente em terra úmida e assim um enorme pé de feijão cresce em questão de minutos, levando consigo Jack e Isabelle. Quase no limite do céu, ambos se deparam com criaturas gigantes amedrontadoras que têm como prato predileto humano não abatido.

Um dos primeiros blockbusters do ano, “Jack, o Caçador de Gigantes” teve um desempenho desapontador nos cinemas americanos, arrecadando somente 1/3 de seu orçamento de 200 milhões de dólares. O fracasso comercial não invalida a eficácia da aventura, que pode render uma matinê deliciosa no conforto do lar, contanto que apreciada em alta resolução. Amadurecendo “João e o Pé de Feijão”, Bryan Singer conduz batalhas de humanos contra gigantes recorrendo ao mesmo clima imposto por Steven Spielberg em seus tempos mais áureos e encontra espaço para um humor que se apresenta nos momentos mais oportunos. A conclusão esperta nos faz pensar o quanto histórias como “João e o Pé de Feijão” ganham alterações com a passagem do tempo, remetendo ao efeito telefone sem fio.

Jack the Giant Slayer, 2013 | Dirigido por Bryan Singer | Roteiro de Christopher McQuarrie, Dan Studney e Darren Lemke | Elenco: Nicholas Hoult, Eleanor Tomlinson, Ewan McGregor, Stanley Tucci, Eddie Marsan, Ewen Bremner, Ian McShane, Christopher Fairbank, Simon Lowe, Mingus Johnston, Ralph Brown, Warwick Davis e Bill Nighy | Distribuidora: Warner

Vai que dá Certo

Vai que dá Certo

Uma das principais mentes criativas por trás do seriado “A Grande Família”, Maurício Farias compreende muito bem o cotidiano de todos aqueles que pertencem à classe média baixa brasileira. Afinal, não há nada ainda em exibição na emissora Globo que seja tão divertido e autêntico quanto as confusões que a família liderada por Lineu e Nenê (Marco Nanini e Marieta Severo) se mete pela falta de dinheiro e desentendimentos triviais. Por tudo isso, o nome de Maurício Farias como diretor de “Vai que dá Certo” é sem dúvida aquilo que assegura a irreverência da comédia.

Amigos de longa data, Rodrigo (Danton Mello), os irmãos Amaral e Tonico (respectivamente, Fábio Porchat e Felipe Abib) e Vaguinho (Gregório Duvivier, o melhor do elenco) sempre marcam uma partida de futebol e decidem emendá-la em uma festa promovida por Paulo (Bruno Mazzeo), que atua no ramo político. Quase trintão, o quarteto parece ter ficado preso na pós-adolescência. Nenhum deles tem um emprego bem-sucedido e a falta de dinheiro é um problema que parece jamais encontrar uma solução.

Demitido do bar em que trabalha como músico, chutado pela companheira do apartamento em que vive e com um carro levado por um bandido pé-de-chinelo, Rodrigo cansou de sua vida. Talvez por isso seja facilmente manipulado por Danilo (Lúcio Mauro Filho, que vive Tuco em “A Grande Família”), primo que trabalha como monitorador de carro-forte e que também vive na pindaíba. Contando com os auxílios de Amaral, Tonico e Vaguinho, Danilo e Rodrigo elaboram um plano que consiste em forjar o sequestro de Danilo e levar uma grana da transportadora para a qual ele trabalha.

O acerto no roteiro de “Vai que dá Certo”, que é escrito por Farias, Porchat e Alexandre Morcilo, está em criar certa expectativa com o que acontecerá com a trupe, pois absolutamente nada sai como o planejado.  De uma hora para a outra, eles se vêm envolvidos com traficantes, policiais corruptos e outras pessoas conhecidas que sequer estavam envolvidas no plano original, como a amiga Jaqueline (Natália Lage, que se destaca no único grande papel feminino da história) e Altamiro (Lúcio Mauro), avô de Danilo acometido pelo Alzheimer. Prepare-se para um raro exemplar cômico do cinema brasileiro contemporâneo que extrai a nossa risada pelo motivo correto: a empatia que temos com personagens gente como a gente e suas inúmeras tentativas de pegarem atalhos para se darem bem em uma sociedade capitalista.

Vai que dá Certo, 2013 | Dirigido por Maurício Farias | Roteiro de Alexandre Morcilo, Fábio Porchat e Maurício Farias | Elenco: Danton Mello, Lúcio Mauro Filho, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Felipe Abib, Natália Lage, Bruno Mazzeo, Lúcio Mauro e Roney Facchini | Distribuidora: Imagem Filmes

Resenha Crítica | Invocação do Mal (2013)

Invocação do Mal | The Conjuring

Parece que uma nova onda de filmes de horror está se consolidando no cenário cinematográfico atual. Por mais irônico que seja, ela é caracterizada pela intenção de jovens cineastas em resgatarem os elementos mais clássicos do terror. Quando não são ambientadas em épocas já distantes, os títulos atuais do gênero buscam construir uma atmosfera soturna com base em mistérios aos poucos descortinados por uma família em ambientes fantasmagóricos. Além de nomes como Ti West (de “The House of the Devil” e “Hotel da Morte”), James Wan tem feito isso obtendo grande sucesso.

Após ter inaugurado com “Jogos Mortais” o torture porn, James Wan resgatou tudo o que assegurou o sucesso de clássicos de casas mal-assombradas com “Sobrenatural”, cuja sequência será lançada em breve. Com “Invocação do Mal”, o diretor de 36 anos nascido na Malásia e naturalizado na Austrália atinge o feito de oferecer uma obra que supera tudo o que tem sido produzido para este segmento.

Interpretados por Patrick Wilson e Vera Farmiga, Ed e Lorraine Warren realmente existiram. Ele um demonologista e ela, uma médium clarividente, ambos contabilizaram centenas de casos em que comprovaram a presença de entidades malignas em residências. O mais notório talvez seja o da família Lutz, que posteriormente renderia o longa-metragem “Terror em Amityville”.

Em “Invocação do Mal”, dois casos famosos são narrados. O primeiro envolve a boneca Annabelle, provavelmente o maior “atrativo” ainda em exposição no museu de ocultismo criado pelos Warren situado em Connecticut. Porém, é a história da família Perron o principal foco do roteiro assinado por Carey e Chad Hayes, os mesmos responsáveis por alguns filmes da Dark Castle, como o remake “A Casa de Cera” e a adaptação da graphic novel “Whiteout”, “Terror na Antártida”.

Assim que compram uma velha residência à beira do lago em Rhode Island, o casal Carolyn e Roger (Lili Taylor e Ron Livingston) e todas as suas cinco filhas são assolados por estranhos eventos em sua maioria noturnos. Carolyn desperta diariamente com hematomas cada vez mais evidentes e as garotas não conseguem dormir muito bem, a exemplo do sonambulismo que volta a acometer Cindy (Mackenzie Foy). Quando todos são atingidos simultaneamente em uma noite perturbadora, Carolyn solicita a ajuda dos Warren após ser convencida pelas habilidades do casal em uma palestra universitária.

James Wan se cercou de grandes talentos para trazer novidades a este filão. Tecnicamente, “Invocação do Mal” é irretocável. O objetivo de propagar o medo funciona porque Wan é minucioso na construção de cenas. Consegue planos elaboradíssimos (como o movimento de 180º que executa com a sua câmera quando uma das filhas do Perron busca flagrar algo que possivelmente se esconde embaixo de sua cama) e usa de modo consciente a música de Joseph Bishara e o som supervisionado pela equipe de Joe Dzuban, sensata no modo como se esquiva de sussurros do além na intenção de preservar uma ameaça mais física. No elenco, os destaques são Vera Farmiga, Lili Taylor e todas as meninas – somente a presença de Ron Livingston se mostra um equívoco, pois o fraco ator não tem aptidão para se impor como um pai de família cercado por dilemas.

Sucesso estrondoso de público e crítica, “Invocação do Mal” tem como segredo o medo de não flertar com o drama como método de efetivar a força dos fatos verídicos que lhe serviram como inspiração. Além da família Perron, as presenças demoníacas também enfraquecem Lorraine, vulnerável após auxiliar um exorcismo fora do habitual. Em meio a tantos momentos aterrorizantes, há um respiro para compreendermos que a principal ferramenta para combater a ameaça é o fervor que uma família tem em manter os seus pilares. Por isso “Invocação do Mal” é tão assustador: após a sessão, a linha entre o bem e o mal parece ainda mais tênue.

The Conjuring, 2013 | Dirigido por James Wan | Roteiro de Carey Hayes e Chad Hayes | Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Ron Livingston, Lili Taylor, Joey King, Shanley Caswell, Haley McFarland, Mackenzie Foy, Kyla Deaver, Sterling Jerins, John Brotherton, Marion Guyot, Morganna Bridgers e Amy Tipton | Distribuidora: Warner

Resenha Crítica | A Visitante Francesa (2012)

A Visitante Francesa | Da-reun na-ra-e-seoMentes criativas que lidam com a criação de histórias provavelmente imaginam inúmeras possibilidades de situações ao construírem o protagonista e o cenário perfeitos. Na teoria, a estudante de cinema Wonju (Jung Yumi) é um desses talentos, pois desenvolve rapidamente três histórias com base em ideias que preenchem a sua caixola a partir do instante em que nota não estar desfrutando como gostaria uma viagem que realiza com a sua mãe (Youn Yuhjung).

Em todas essas três histórias que serão narradas em “A Visitante Francesa”, Anne (Isabelle Huppert) será a personagem central que transitará por paisagens sob o clima nublado da cidade de Mohang situada na Coreia do Sul. Sua primeira Anne é uma diretora de cinema que flerta com um colega de profissão (Kwon Hyehyo) casado com Kumhee (Moon Sori), que está nas últimas etapas de sua gravidez. Na segunda história, Anne vai ao encontro de Munsoo (Moon Sungkeun), seu rico amante que estabelece uma distância física diante dela em lugares públicos a fim de não levantar suspeitas. Já na terceira e última história, Anne visita Park Soon (novamente Youn Yuhjung), uma antiga colega de universidade.

Além de termos três Annas diferentes, personagens secundários reaparecem uma ou duas vezes com personalidades sutilmente modificadas. A exceção é somente o salva-vidas interpretado por Yu Junsang, um sujeito simpático e ingênuo que cria uma estranha sintonia com todas as Annas, o que assegura os únicos bons momentos de “A Visitante Francesa”.

Responsável por “HAHAHA” (lançado em circuito alternativo no Brasil no ano passado), o cineasta Sang-soo Hong pretende evidenciar um processo criativo vivido por um contador de  mergulha ao imaginar inúmeras versões para um mesmo argumento. Na prática, a intenção não obtém sucesso porque ela não passa de um mero artifício para (re)contar uma história que não mostra a que veio. Além do mais, Isabelle Huppert  não encontra meios de diferenciar suas três Annas (haveria aí um ruído de comunicação entre intérprete e cineasta?) e Hong Sang-soo abusa de planos de conjunto e zooms desajeitados que transformam “A Visitante Francesa” em uma experiência visual enfadonha.

Da-reun na-ra-e-seo, 2012 | Dirigido por Hong Sang-soo | Elenco: Isabelle Huppert, Yu Junsang, Youn Yuhjung, Moon Sori, Kwon Hyehyo, Moon Sungkeun, Jung Yumi, Moon So-ri e Kim Youngoak | Distribuidora: Pandora

Resenha Crítica | Pièta (2012)

Já tendo vencido o Leão de Ouro por “Casa Vazia”, o cineasta sul-coreano Kim Ki-duk conseguiu novamente o feito de conquistar o prêmio máximo do Festival de Veneza no ano passado com “Pièta”. O único senão é que a audiência presente na ocasião não acreditou que o longa-metragem reproduzia a qualidade de seus maiores feitos como diretor, depositando assim maior ânimo diante de outros títulos da disputa, como “O Mestre”, “Fill the Void” e “The Fifth Season”.

A verdade é que a força de “Pièta” parece ter ficado em Veneza, pois o filme não fez uma carreira expressiva por onde passou posteriormente. De qualquer maneira, o filme deverá perturbar os seguidores do cinema de Kim Ki-duk, pois há momentos barra-pesada e de pura delicadeza nesta história de uma mãe, Mi-son (a extraordinária estreante Min-soo Jo), em reconquistar o amor de seu filho, Gang-Do (Jeong-jin Lee).

Gang-Do é um jovem que carece de sentimentos. Diante de uma frieza implacável, ele leva a sua rotina no automático, consistindo em se masturbar antes de levantar da cama, matar galinhas para se alimentar e ferir devedores atuando como cobrador para agiotas. Pais de família ou filhos de anciãs têm mãos, braços ou pernas quebrados por Gang-Do sem a menor cerimônia. E assim vem Mi-son e a sua disposição inabalável em cuidar de um filho que assume ter abandonado.

Como é aguardado em qualquer título do cinema coreano, a relação familiar não se dá de modo convencional. Ao contrário. A violência não é atenuada e a sensação é de que nem todas as intenções dos personagens se revelam nos primeiros instantes. Além do mais, há nesta história também assinada por Kim Ki-duk a vontade de estudar uma classe social deixada à parte, em que anônimos estão dispostos aos sacrifícios mais inimagináveis para sobreviverem.

Mesmo deixando marcas profundas, não há como negar que a condução de Kim Ki-duk erra ao nos agredir emocionalmente. Sua câmera é inquieta em ambientes claustrofóbicos e há um instante em que ele parece nos estapear ao reproduzir com imagens trêmulas os golpes que Mi-son recebe de Gang-Do. Sabe-se que o cineasta foi invadido por uma depressão profunda que o assolou por algum tempo e incomoda o fato dele externá-la ao ponto de distanciar o público de uma história que, lá no fundo, tem uma beleza ímpar. Que ele consiga domar a sua fúria em “Moebius”, que será exibido fora de competição na atual edição do Festival de Veneza.

Pieta, 2012 | Dirigido por Kim Ki-duk | Roteiro de Kim Ki-duk | Elenco: Min-soo Jo, Jeong-jin Lee , Eunjin Kang, Ki-Hong Woo, Jae-ryong Cho, Myeong-ja Lee, Jun-seok Heo, Se-in Kwon, Mun-su Song, Beom-jun Kim, Jong-hak Son, Jin Yong-Ok e Jae-rok Kim | Distrubuidora: California Filmes