Círculo de Fogo

Resenha Crítica | Círculo de Fogo (2013)

Após colher bons elogios e sucesso moderado por “Hellboy II – O Exército Dourado”, o mexicano Guillermo del Toro se viu estagnado como diretor. Enquanto os seus projetos como produtor saiam um atrás do outro, seu envolvimento como diretor da trilogia “O Hobbit” não prosperou. No fim, del Toro foi creditado apenas como corroteirista da aventura medieval liderada por Bilbo e não demorou para começar a desenvolver “Círculo de Fogo”.

Como esperado do grande realizador, “Círculo de Fogo” não é um mero blockbuster de verão. É um projeto milionário raro em que notamos a visão de um autor sendo preservada em meio a um espetáculo de ação cheio de nostalgia e beleza. Sim, pois “Círculo de Fogo” traz del Toro resgatando os seus programas favoritos da juventude, como os animes (nome das animações produzidas no Japão) e os tokusatsus (filmes e seriados japoneses recheados de efeitos especiais) em meio ao embate entre Kaijus e Jaegers que se assemelham a pinturas multicoloridas em movimento.

Escrito em parceria com Travis Beacham, “Círculo de Fogo” nos situa o mais breve possível na realidade imaginada. Inúmeros Kaijus surgem na Terra e deixam um rastro de destruição por onde passam. Quando a humanidade prenuncia o fim de sua própria existência, líderes de cada país unem forças para viabilizarem os Jaegers, robôs de combate conduzidos por duplas capazes de eliminar os Kaijus.

Raleigh Becket (Charlie Hunnam, cada vez melhor e mais carismático) é considerado um dos mais notáveis soldados pelo general Stacker Pentecost (Idris Elba), mas cai em desgraça quando o seu irmão e parceiro Yancy (Diego Klattenhoff) é morto em batalha. Algum tempo se passa e Raleigh é tirado do anonimato por Stacker para que possa bloquear a fenda usada pelos Kaijus para invadirem a Terra.

Assim como em seus filmes anteriores, del Toro é um gênio na arte de dominar as técnicas cinematográficas e sabe como poucos usar o humor de modo conciso – como não poderia deixar de ser, Ron Perlman, ator favorito do diretor em participação especial, responde pela maior parte dele. E, novamente, não permite que o fator humano seja inferior a qualquer outro atrativo.

Para que os Jaegers sejam postos em movimento, é preciso que duas mentes entrem em sintonia. Se Raleigh conseguiu deixar para trás o que o traumatizava, o mesmo não pode ser dito de sua nova parceira, Mako (a excelente Rinko Kikuchi, de “Babel“). Em pesadelos rememoriados, os monstros de “Círculo de Fogo” ganham um sentido metafórico, pois é somente ao superar a perda de sua família, de sua base, é que aquela pequena Mako amedrontada conseguirá amadurecer.

Pacific Rim, 2013 | Dirigido por Guillermo del Toro | Roteiro de Guillermo del Toro e Travis Beacham | Elenco: Charlie Hunnam, Rinko Kikuchi, Ron Perlman, Idris Elba, Burn Gorman, Charlie Day, Robert Maillet, Clifton Collins Jr., Heather Doerksen , Herc Hansen, Jake Goodman e Mana Ashida | Distribuidora: Warner Bros.

O Grande Gatsby

O Grande Gatsby | The Great Gatsby

Francis Scott Key Fitzgerald – ou melhor, F. Scott Fitzgerald – deixou como obra-prima o cada vez mais popular “O Grande Gatsby”, romance que escreveu em 1924 enquanto esteve em Paris. Embora fictícia, há muitas coisas na história que remetem ao escritor, como a presença do protagonista Nick Carraway como seu alter ego, o fascínio por festividades promovidas por membros da alta sociedade e os amores não correspondidos.

Figura presente em um universo de luxos e prestígios, Francis Ford Coppola adaptou “O Grande Gatsby” na década de 1970, mas sua visão levada adiante pelo cineasta Jack Clayton não obteve o êxito artístico esperado. Talvez a ausência de uma versão cinematográfica definitiva tenha incentivado o australiano Baz Luhrmann a fazer um “O Grande Gatsby” com todas as suas apreciações artísticas bem particulares.

De tão afetado, o primeiro ato de “O Grande Gatsby” parece contradizer as observações oportunas de F. Scott Fitzgerald como um viciado por encantamentos artificiais. Afinal, é somente deslumbramento pelo deslumbramento, como podemos julgar pelos olhos encantados de Nick Carraway (vivido por Tobey Maguire, terrível), jovem promessa da área financeira que aluga uma residência modesta que dá para a mansão de Jay Gatsby (Leonardo Lurh), ricaço enigmático que promove festas sem que sua presença seja notada entre os convidados.

Antes que possamos conhecer o íntimo de cada personagem, Baz Luhrmann revive “Moulin Rouge – Amor em Vermelho”. Uma cenografia de encher os olhos é milimetricamente explorada enquanto as principais potências atuais da música pop são ouvidas, como Beyoncé, Lana Del Rey e Florence Welch, um meio de nos aproximar de uma história de quase um século atrás. Somente as taças com champanhe não são atingidas pela chuva de confete.

Como a vida não é só feita de festas, há o momento em que Baz Luhrmann precisa abrir mão da euforia para desvendar Gatsby, homem de origem desconhecida obstinado em reconquistar Daisy (Carey Mulligan), um amor do passado atualmente comprometida com o atleta Tom Buchanan (Joel Edgerton) e, não é mera coincidência, prima de Nick. O apreço por uma estética para muitos extravagante persiste, mas no reencontro entre Gatsby e Daisy é possível finalmente notar a influência de F. Scott Fitzgerald.

No ápice de “O Grande Gatsby”, o romance homônimo é transposto com fidelidade quando Daisy é encurralada, devendo decidir se ficará com o marido ou o primeiro grande amor agora convertido em amante. É uma etapa da narrativa em que o ingênuo Nick, protagonista da história, cede o espaço para que Gatsby se manifeste com maior intensidade. Uma decisão que faz “O Grande Gatsby” adquirir uma fluidez tardia, mas que vem também com a possibilidade de testemunharmos um progresso em uma parceria que se repete entre Luhrmann e DiCaprio, outrora diretor e protagonista de “Romeu + Julieta”. Se o primeiro consegue dar mais camadas aos seus personagens, o segundo finalmente apresenta algum amadurecimento para um grande personagem que exige mais do que seus maneirismos habituais.

The Great Gatsby, 2013 | Dirigido por Baz Luhrmann | Roteiro de Baz Luhrmann e Craig Pearce , baseado no romance homônimo de F. Scott Fitzgerald | Elenco: Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey Mulligan, Joel Edgerton, Isla Fisher, Gemma Ward, Callan McAuliffe, Amitabh Bachchan, Jason Clarke e Elizabeth Debicki | Distribuidora: Fox

O que Traz Boas Novas

O Que Traz Boas Novas | Monsieur Lazhar

Com exceção dos divertidos papos de bar entre cinéfilos sobre injustiças no Oscar, talvez o único benefício que a premiação máxima do cinema traz para nós, brasileiros, é a garantia de ver no circuito comercial alguns filmes que não teriam um grande alcance sem o selo “Indicado ao Oscar”. Se não fosse um dos cinco finalistas na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, talvez “O que Traz Boas Novas” não chegaria em nosso país.

Em seu quinto longa-metragem (o próximo, o americano “The Good Lie”, será protagonizado por Reese Witherspoon), o canadense Philippe Falardeau oferece nova luz diante da tão explorada dinâmica entre mestres e alunos. Personagem central de “O que Traz Boas Novas”, o gentil senhor Lazhar (Mohamed Fellag) não tem problemas particulares enraizados em uma sala de aula.

Imigrante argelino, Lazhar é contratado em caráter de emergência para substituir uma professora que cometeu suicídio na própria escola pública em que trabalhava. Embora as crianças estejam traumatizadas com a morte de alguém com quem conviviam diariamente, elas procuram ser receptivas com Lazhar, especialmente Alice (a notável Sophie Nélisse, protagonista de “A Menina que Roubava Livros”), que encontra em seu novo professor uma figura fraternal para suprir a ausência da mãe aeromoça.

Indo contra todas as expectativas, “O que Traz Boas Novas” não apresenta uma galeria de flagras edificantes, pois Lazhar se mostra avesso em cumprir com normas básicas sobre como conduzir uma aula. Por isso mesmo, a experiência em decifrar cada personagem é de uma dureza comovente, a exemplo de Simon (Émilien Néron), cuja rispidez a princípio é incompreensível. Dramas que fortalecem dois fatos que muitos ignoram: o amadurecimento das crianças para compreenderem as adversidades da vida e a importância que um adulto com uma bagagem pesada de vida pode representar para cada uma delas.

Monsieur Lazhar, 2011 | Dirigido por Philippe Falardeau | Roteiro de Philippe Falardeau, baseado na peça homônima de Evelyne de la Chenelière | Elenco: Mohamed Fellag, Sophie Nélisse, Émilien Néron, Marie-Ève Beauregard, Vincent Millard, Seddik Benslimane, Louis-David Leblanc, Gabriel Verdier, Marianne Soucy-Lord, Danielle Proulx, Brigitte Poupart, Jules Philip, Louis Champagne, Daniel Gadouas, Francine Ruel e Evelyne de la Chenelière | Distribuidora: Pandora Filmes

A Espuma dos Dias

A Espuma dos Dias | L'Écume des Jours

Assim como o seu colega Jean-Pierre Jeunet, Michel Gondry tem um modo muito peculiar de materializar em película as suas histórias. Repletas de surrealismo e autenticidade, elas permitem que o público mergulhe em um universo fantasioso muito particular que parece não apresentar limites. Essa marca autoral nem sempre é satisfatória, como denotam os resultados insípidos que Gondry obteu com a condução do equivocado “O Besouro Verde” ou mesmo com o seu segmento “Interior Design” em “Tokyo!”. Apesar do estranhamento inicial, “A Espuma dos Dias” é um acerto do cineasta.

Adaptação do romance homônimo de Boris Vian (que recentemente voltou às livrarias brasileiras com o selo Cosac Naify), “A Espuma dos Dias” exige de Michel Gondry mais do que qualquer outro projeto prévio, pois como contar a história de amor entre Colin (Romain Duris) e Chloé (Audrey Tautou) sem derrapar em meio a personagens secundários e ambientes pitorescos? Diretor de arte estreante, Pierre Renson transforma cenários e locações em uma espécie de labirinto vivo que ganha novos ares de acordo com os percalços que Colin enfrentará para fortalecer o relacionamento com Chloé, difícil com uma doença que a abate após a cerimônia de casamento.

Gags visuais representadas por camundongos com feições humanas, campainhas que ganham vida quando acionadas e cômodos com a arquitetura magicamente comprometida são oportunas para efetivar a desarmonia do amor e, consequentemente, da vida. Daí o toque que torna Michel Gondry um cineasta especial para o cinema contemporâneo, pois o seu interesse pela fantasia potencializa as emoções ditas banais.

Metade sobre a felicidade inebriante de amores correspondidos, metade dedicado ao estado de espírito de uma Chloé que adoece, “A Espuma dos Dias” apresenta assim o ápice da felicidade e da tristeza. Extremos que Michel Gondry também foi feliz ao embalar com as músicas do poeta do jazz Duke Ellington.

L’Écume des Jours, 2013 | Dirigido por Michel Gondry | Roteiro de Luc Bossi e Michel Gondry, baseado no romance homônimo de Boris Vian | Elenco: Romain Duris, Audrey Tautou, Gad Elmaleh, Omar Sy, Aïssa Maïga, Charlotte Le Bon, Sacha Bourdo, Philippe Torreton, Vincent Rottiers, Laurent Lafitte, Natacha Régnier, Zinedine Soualem, Alain Chabat e Michel Gondry | Distribuidora: Imovision

Resenha Crítica | Branca de Neve (2012)

Em uma ocasião rara, Hollywood se viu viabilizando duas versões para lá de livres de “Branca de Neve e os Sete Anões” simultaneamente. Em comum, “Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador” têm a ambição em transformar Branca de Neve em um reflexo do que as garotas de hoje visualizam como uma verdadeira heroína. Eliminam-se a doçura e ingenuidade, apresentam-se bravura e o manejo de uma espada.

Poucos notaram, mas houve um terceiro Branca de Neve, este espanhol, em meio a este fenômeno de revisitar uma das histórias mais famosas dos irmãos Grimm. E a origem é mais modesta e eficaz, pois o segundo longa-metragem de Pablo Berger se apropria de “Branca de Neve e os Sete Anões” com um tom mais respeitoso.

Portanto, mais do que reapresentar personagens que há muito povoam o imaginário coletivo, “Branca de Neve” apresenta nova ambientação e recorre à estética do cinema mudo. Em preto e branco esplendoroso em janela de 1.33:1 e com condução musical sublime de Alfonso de Vilallonga, “Branca de Neve” se passa na Espanha de 1920 e tem sua protagonista batizada como Carmen. Filha do toureiro Antonio Villalta (Daniel Giménez Cacho), Carmen perdeu a mãe quando esta lhe deu à luz. Embora seja criada por sua avó Doña Concha (Ángela Molina), a pequena logo terá de enfrentar as malvadezas de sua madrasta Encarna (Maribel Verdú, uma das atrizes mais notáveis de sua geração).

Adolescente e nas formas da bela estreante Macarena García, Carmen se vê isolada não somente do mundo, como do seu próprio pai, é que trancafiado por Encarna em um quarto de sua bela mansão. Uma série de acontecimentos imprevistos fazem com que Carmen conheça um sexteto (e não septeto) de anões que sobrevivem como artistas de circo, o que possibilitará a jovem a oportunidade de testar as suas próprias habilidades como toureira herdadas pelo seu pai durante sua tenra infância.

Embora as interações expostas em letreiros explicativos culminem em uma referência desnecessária à existência de “Branca de Neve e os Sete Anões”, o que consequentemente fará com que alguns acontecimentos cruciais sejam antecipados, “Branca de Neve” é comovente pela paixão presente nas homenagens que presta à Espanha, à fantasia e ao cinema. Uma pena que a aceitação conferida a “O Artista” não tenha assegurado a popularidade de “Branca de Neve” diante do público, que perdeu a chance de assistir a um dos melhores filmes exibidos no circuito comercial no ano passado.

Blancanieves, 2012 | Dirigido por Pablo Berger | Roteiro de Pablo Berger | Elenco: Macarena García, Maribel Verdú, Daniel Giménez Cacho, Ángela Molina, Inma Cuesta, Sofía Oria, Sergio Dorado, Emilio Gavira, Alberto Martínez, Jinson Añazco, Michal Lagosz, Jimmy Muñoz e Carlos Lasarte | Distribuidora: Imovision

Os Suspeitos

Os Suspeitos | Prisoners

O cinema já contou inúmeras vezes a história de pais que decidem fazer justiça com as próprias mãos quando a vida de um filho está em risco nas mãos de um criminoso com más intenções. Após surpreender o mundo com o extraordinário “Incêndios“, o canadense Denis Villeneuve revisita esta premissa em “Os Suspeitos”, que representa o seu primeiro desembarque na indústria de cinema americano – “Enemy”, sua adaptação de um romance de José Saramago estrelada por Jake Gyllenhaal estreará ao longo deste ano.

A princípio, “Os Suspeitos” busca se esquivar de padrões que saturam thrillers da mesma linha. As filhas do casal Keller e Grace Dover (Hugh Jackman e Maria Bello) e do casal Franklin e Nancy Birch (Terrence Howard e Viola Davis) desaparecem após os quinze minutos iniciais dedicados a apresentar cada um dos personagens. Não há qualquer interesse em ocultar a identidade do principal sujeito, Alex Jones (Paul Dano), um sujeito com problemas psicológicos visíveis que vive com sua mãe Holly (Melissa Leo, a melhor de um elenco excepcional).

O maior acerto do roteiro assinado por Aaron Guzikowski, no entanto, está em vigiar os desdobramentos do desaparecimento das filhas dos Dovers e dos Birchs diante de duas perspectivas. A primeira pertence a Keller, o pai inconformado com o modo lento com que as investigações se movem e que decide sequestrar e torturar Alex em busca de respostas. Já a segunda pertence a Loki (Jake Gyllenhaal), detetive visivelmente abatido com a burocracia que o impossibilita de dar passos mais largos do que deseja, mas ciente de que o seu maior dever é permitir que a justiça seja cumprida.

Com tudo isso, “Os Suspeitos” segue o caminho arriscado de descartar tudo aquilo que assegura a tensão. Ao lançar quase todas as suas cartas (Alex ser ou não o responsável pelo desaparecimento das filhas dos Dovers e dos Birchs é uma das únicas dúvidas que impregnam na narrativa), o filme inaugura uma atmosfera nervosa em que tudo pode acontecer. Parte do mérito deve ser conferido ao diretor de fotografia Roger Deakins, que a reproduz visualmente através de ambientes tomados por um clima nebuloso.

Por outro lado, é uma pena que os espaços vazios (o filme tem aproximadamente 160 minutos de duração) sejam preenchidos justamente com aquilo que há de mais dispensável em tramas policiais. A decisão de acrescentar um potencial suspeito totalmente descartável e uma evidência importante que surge ao acaso para o detetive Loki elucidar o mistério comprometem seriamente “Os Suspeitos”.

Prisoners, 2013 | Dirigido por Denis Villeneuve | Roteiro de Aaron Guzikowski | Elenco: Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, Terrence Howard, Viola Davis, Maria Bello, Paul Dano, Melissa Leo, Dylan Minnette, Zoe Borde, Erin Gerasimovich, Kyla Drew Simmons, Wayne Duvall, Len Cariou, David Dastmalchian e Brad James | Distribuidora: Paris Filmes

Jogos Vorazes: Em Chamas

Jogos Vorazes: Em Chamas | The Hunger Games: Catching Fire

Uma regra que lamentavelmente deixou de ser respeitada pelas atuais franquias no cinema é aquela sobre a superioridade de uma sequência. O episódio seguinte não deve justificar a sua existência apenas reprisando o que deu certo da obra anterior para assegurar o sucesso financeiro. É preciso ampliar as dimensões de tudo aquilo que a diferencia de outras histórias, bem como explorar caminhos mais arriscados. É exatamente o que faz “Em Chamas”, o segundo capítulo da cinessérie “Jogos Vorazes“.

Mesmo com alguns problemas, “Jogos Vorazes” conseguiu se apresentar como um filme voltado ao público juvenil mais maduro do que o aguardado ao ambientar sua história em um cenário domado por um governo totalitário. O crescimento dessa premissa não é testemunhado somente na versão literária de Suzanne Collins, como também na adaptação para cinema conduzida por Francis Lawrence, que substitui (e supera) o cineasta Gary Ross.

A melhor decisão de “Jogos Vorazes: Em Chamas” foi ambientar a maior parte de sua história fora de uma arena em que tributos (assim são chamados os representantes de cada distrito) se digladiam. Ao contrário de todas as expectativas, é na primeira metade de “Em Chamas” que está concentrada uma tensão genuína. Afinal, como Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence, que aqui incorpora e compreende a personagem plenamente) conseguirá manter o seu relacionamento falso com Peeta Mellark (Josh Hutcherson) diante do olhar astuto do presidente Snow (Donald Sutherland)? Como viver com sua família em um refúgio luxuoso quando o Distrito 12 vive tempos mais precários do que nunca? O pior: como viver a líder de uma revolução que se desenha quando ela não está preparada para esta responsabilidade?

Cercado desses questionamentos, “Em Chamas” consegue de algum modo transferi-los para a arena, que em sua 75ª edição promoverá o embate entre 24 tributos, dois de cada distrito, vencedores em disputas anteriores. Entre massacres e armadilhas, Katniss verá que há outras coisas para se preocupar, como a integridade daqueles que ama e as intenções suspeitas de seus aliados, como Finnick (Sam Claflin) e Johanna (Jena Malone, que rouba a cena), e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), novo responsável pelos Jogos Vorazes.

O único porém que aparece ao final de “Jogos Vorazes: Em Chamas” é que seu capítulo seguinte, “A Esperança” será dividido em duas partes, uma decisão tomada após o sucesso surpreendente de “Jogos Vorazes”. Assim como aconteceu em “A Saga Crepúsculo: Amanhecer” e “Harry Potter e as Relíquias da Morte“, apresentar “A Esperança” em duas partes pode ser prejudicial para algo que poderia muito bem ser condensado em um único filme. É aguardar para que a energia vibrante da direção de Francis Lawrence consiga se sustentar.

 The Hunger Games: Catching Fire, 2013 | Dirigido por Francis Lawrence | Roteiro de Michael Arndt e Simon Beaufoy, baseado no romance homônimo de Suzanne Collins | Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Stanley Tucci, Toby Jones, Jack Quaid, Taylor St. Clair, Sandra Ellis Lafferty, Paula Malcomson, Willow Shields, Lenny Kravitz, Erika Bierman, Jeffrey Wright, Amanda Plummer, Sam Claflin, Lynn Cohen e Jena Malone | Distribuidora: Paris Filmes

A Viagem

A Viagem | Cloud Atlas

O romance do britânico David Mitchell prometia ganhar pelas mãos dos diretores Andy e Lana Wachowski e Tom Tykwer um filme quase tão revolucionário quanto os dois sucessos que outrora assinaram separadamente. Tratam-se de “Matrix”, dos Wachowski, e “Corra, Lola, Corra”, de Tykwer. Se o longa-metragem protagonizado por Keanu Reeves mudou o modo de como fazer ficção-científica, a aventura frenética liderada por Franka Potente ganhou projeção mundial com sua montagem imaginativa.

Em “A Viagem”, o trio se reúne para driblar os desafios de conduzir vários fios narrativos (seis ao todo) que cobrem de uma viagem de um advogado à Polinésia durante o século XIX até um cenário futurístico tomado por um governo totalitário. O revezamento em lidar com um roteiro tão desafiador não se dá apenas entre os cineastas. Capitaneado pelos astros oscarizados Tom Hanks e Halle Berry, o elenco conta com outros intérpretes que também se desdobram em mais de um papel. Portanto, ao longo de “A Viagem” haverá a curiosidade em visualizar tanto Berry como uma caucasiana quanto o australiano Hugo Weaving vivendo uma enfermeira rabugenta.

O artifício em transformar cada intérprete em indivíduos tão distintos foi possível com o trabalho de maquiagem de Daniel Parker e Jeremy Woodhead, líderes de uma equipe assombrosamente gigante. O orçamento, pomposo para uma produção que se desenvolveu e se promoveu de modo independente, também se vê presente em outros aspectos técnicos, como os deslumbrantes efeitos visuais e os takes na Alemanha, Hong Kong e Singapura.

Tanto empenho em produzir uma obra que busca decifrar os mistérios que nos mantêm conectados contém uma embalagem atrativa e que entretém sem provocar grandes aborrecimentos diante de uma duração extensa. O problema está na resposta dada para um elo que se sustenta há cinco séculos. O amor talvez seja o sentimento primitivo mais positivo para a formação da humanidade e em “A Viagem” ele não ganha a ressonância aguardada para superar as expectativas de um projeto que nasceu tão ambicioso.

Cloud Atlas, 2012 | Dirigido por Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer | Roteiro de Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer, baseado no romance “Cloud Atlas”, de David Mitchell | Elenco: Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving, Jim Sturgess, Doona Bae, Ben Whishaw, Keith David, James D’Arcy, Xun Zhou, David Gyasi, Susan Sarandon, Hugh Grant, Robert Fyfe, Martin Wuttke, Robin Morrissey, Brody Nicholas Lee, Ian van Temperley e Amanda Walker | Distribuidora: Imagem Filmes