Resenha Crítica | O Melhor Lance (2013)

O Melhor Lance | La migliore offerta

La migliore offerta, de Giuseppe Tornatore

Após a fase em que Brian De Palma deixou de referenciar Alfred Hitchcock para explorar outros gêneros cinematográficos, foi rareando as “homenagens” ao mestre de suspense que o igualassem. Ao conceber com apenas 32 anos “Cinema Paradiso”, Giuseppe Tornatore passou o restante da sua carreira tendo de suportar opiniões quase unânimes de que seria incapaz de se superar. Isso não o impediu de entregar outras obras de alto nível e, ao menos até a chegada do clímax de “O Melhor Lance”, Tornatore comprova que ainda é capaz de arrebatar.

Desde “Contos Proibidos do Marquês de Sade” que não se via o australiano Geoffrey Rush agarrar com intensidade extrema um papel nos cinemas. Ele é o protagonista Virgil Oldman, um senhor cheio de afetações especializado em arte e notório leiloeiro. Ciente de que há poucos como eles no ramo, Virgil se aproveita de alguns subterfúgios para levar vantagem em alguns leilões, como desvalorizar algumas pinturas para que o seu amigo de longa data Billy Whistler (Donald Sutherland) possa comprá-las e repassá-las para ele. A fortaleza de Virgil, cercada de obras raríssimas, é de provocar calafrios.

Devidamente apresentado, acompanhamos Virgil em uma missão tumultuada: catalogar e leiloar o acervo de Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks), uma jovem órfã que se comunica com Virgil somente pelo celular. O fato de se ausentar em todos os compromissos com Virgil o deixa fora de controle, especialmente ao visitar a mansão dela. A excentricidade de Claire, que logo desvendamos se tratar de uma fobia em sair de seu lar, faz com que Virgil desenvolva uma empatia instantânea por ela, uma vez que ele próprio demostra problemas de relacionamentos, como denota a fixação por vestir luvas para evitar o contato humano.

Ecos de “Um Corpo que Cai” invadem a narrativa quando a relação de Virgil com Claire se transforma em obsessão. Cresce no protagonista uma curiosidade irrefreável de descobrir se a beleza de Claire corresponde a intensidade de sua voz. Também autor do roteiro, Giuseppe Tornatore não tem pressa em saciar o desejo de seu protagonista. Enquanto Claire não é apresentada (ela costuma se prender em um quarto inacessível de sua mansão), alguns elementos surgem para colaborar para esta aura de mistério que se desenha, como as peças de um autômato que Virgil recolhe entre as obras de arte de Claire para que Robert (Jim Sturgess) possa montar e uma anã (a excelente Kiruna Stamell) com uma habilidade sobrenatural com números e com quem Virgil sempre se depara em um bar.

Também como em “Um Corpo que Cai”, “O Melhor Lance” é um filme cuja resolução definitivamente não se aproxima da sofisticação com que o seu mistério foi cuidadosamente elaborado. Como pouco acontece no que se produz atualmente, Giuseppe Tornatore tem uma convicção tão forte pelas imagens que produz que é como se a intensidade de cada pintura contemplada por Virgil tivesse como reflexo os impulsos administrados ao longo de sua vida e que se manifestam com descontrole diante das provocações de Claire. No entanto, como é a conclusão de um filme que realmente nos marca (ou as inúmeras possibilidades que ela oferece quando não dá nó em todas as pontas soltas), “O Melhor Lance” fica a dever por não ser concluído com a mesma potência que se iniciou.

Resenha Crítica | De Menor (2013)

De Menor

De Menor, de Caru Alves de Souza

A cineasta Caru Alves de Souza não poderia ser mais precisa ao debutar como diretora de longa-metragem. Antes de ser comercialmente lançado no país, “De Menor” construiu uma carreira de sucesso em festivais de cinema de vários pontos do mundo. Sua força está ao lidar com um tema ainda em debate: a diminuição da maioridade penal. No entanto, ao invés de apresentar o seu ponto de vista sobre a polêmica, Caru Alves de Souza, com a colaboração de Fabio Meira no roteiro, prefere encenar casos reconhecíveis de crimes cometidos por adolescentes que tornam mais complexa a decisão de assumir um posicionamento contrário ou não.

Excelente, Rita Batata recebe uma grande oportunidade como protagonista ao viver Helena, uma jovem recentemente formada em Direito e que assume a profissão de defensora pública. Sua vida não está nem um pouco fácil. Além da impossibilidade de se desvincular emocionalmente de cada adolescente que protege diante do juiz Carlos (Caco Ciocler) e o promotor Paulo (Rui Ricardo Diaz), Helena ainda precisa superar uma perda recente (a morte de seus pais) para cuidar sozinha do seu irmão Caio (Giovanni Gallo), um rapaz que vem demonstrando que anda fazendo algo de errado.

A narrativa ganha densidade ao intensificar o relacionamento familiar entre Helena e Caio conforme ela luta para obter um veredito que acredita ser justo para os menores detidos após um delito. Seja o da garota grávida ou a do menino espancado por um grupo revoltado após furtar uma bicicleta, o que se vê são figuras abandonadas pelos pais e sem perspectivas de um futuro melhor que encontram na marginalidade ou em escolhas que seriam evitadas com alguma prevenção algumas saídas nada recomendáveis.

A economia é também um elemento positivo em “De Menor”. Com duração enxuta, a produção acerta ao não prolongar os episódios mais adversos em que Helena se encontra e ainda permite que mergulhemos em suas dúvidas quando o próprio Caio se envolve em um crime que o faz se livrar do papel de irmão para assumir a posição de acusado. Restou somente uma crítica mais incisiva ao nosso sistema carcerário decadente, algo que só vem à tona com o tratamento igualitário para as ações com gravidades que destoam.