Resenha Crítica | O Segredo das Águas (2014)

O Segredo das Águas | Futatsume no mado

Futatsume no mado, de Naomi Kawase

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Indicado à Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, “O Segredo das Águas” traz a diretora e roteirista japonesa Naomi Kawase lidando com temas muito delicados e que se completam quando analisados como opostos: a vida e a morte, a juventude e a velhice, o amor e a desilusão.

Ambientando em uma ilha japonesa marcada por suas tradições, “O Segredo das Águas” inicia quando o adolescente de 16 anos Kaito (Nijiro Murakami) encontra um cadáver em um mar. Nada se sabe sobre a identidade do homem com as costas tatuadas. A descoberta o faz se aproximar da também jovem Kyoko (Jun Yoshinaga), que, apesar de ter uma mãe enferma (Miyuki Matsuda), apresenta uma postura distinta de Kyoko diante das adversidades, como a iniciativa e a coragem de enfrentar tudo que a atinge de algum modo.

Encontrando nas melodias cantadas pelos próprios atores uma ferramenta para complementar a expressividade dos anseios mais íntimos de seus personagens, “O Segredo das Águas” também se apropria de um cenário cercado de ambientes naturais como uma possibilidade de refúgio, de liberdade que eles não usufruem, algo que se concretiza somente nos cinco minutos finais preenchidos de uma beleza singular. Esse excesso de sensibilidade nem sempre funciona e Naomi Kawase derrapa ao determinar um ritmo moroso à narrativa e também por optar pelo uso de uma câmera na mão que nem sempre confere a espontaneidade que anseia.

Resenha Crítica | Fuga da Realidade (2014)

Fuga da Realidade | Hirngespinster

Hirngespinster, de Christian Bach

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Talvez não haja nada pior para uma família do que testemunhar um de seus componentes perdendo a própria saúde física e mental drasticamente. Há um momento que a situação é tão insuportável que nada mais resta a fazer do que encontrar para o enfermo um lar de repouso ou uma clínica até aparecer uma solução mais adequada. Mas o que acontece com aquelas famílias que não estão dispostas a abrir a mão de um dos seus, apostando que a cura está na afetividade?

Em compor o seu segundo longa-metragem, Christian Bach explorou a história real de uma família que passou por este drama. Em “Fuga da Realidade”, o grande Tobias Moretti (que também estava presente em outro filme da Mostra, “O Vale Sombrio“) é quem vive este personagem que vai perdendo o controle de sua própria mente. Antes um arquiteto renomado, Hans Dallinger passa a se privar no escritório de sua própria casa acreditando que há uma conspiração contra ele. O filho Simon (Jonas Nay), a filha Maja (Ella Frey) e a esposa Elli (Stephanie Japp) tentam controlar o novo clima de desarmonia que se instaura no lar.

Christian Bach inevitavelmente cede aos chavões de dramas familiares da mesma linha, comprometendo a construção de Simon, também um protagonista em “Fuga da Realidade”. O jovem Jonas Nay é preciso diante da responsabilidade que Simon exerce como filho mais velho e também no medo de também sucumbir à insanidade quando envelhecer, mas a presença de Verena (Hanna Plass) como um interesse romântico que em breve precisará partir para outra cidade é calculada demais, servindo como um pretexto para que Simon possa externar para alguém de fora os seus receios. De qualquer modo, Christian Bach obtém sucesso ao estabelecer um envolvimento de seus personagens com o público.

Resenha Crítica | Casa Grande (2014)

Casa Grande

Casa Grande, de Fellipe Barbosa

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

No plano estático que abre “Casa Grande”, visualizamos à distância Hugo (Marcello Novaes) em sua piscina aquecida ao som de música clássica em uma noite tranquila. Pouco depois, ele adentra a sua residência de luxo, estabelecendo assim o conforto que muitos desejam, mas que poucos alcançam em um país notório por sua escandalosa divergência social.

A trama avança, somos apresentados ao protagonista Jean (Thales Cavalcanti), o filho de Hugo e Sônia (Suzana Pires) e logo descobrimos uma família moldada por aparências. Ainda que Hugo esteja em um aperto financeiro e Sônia demore para sair do figurino de dona de casa fútil, os três empregados, duas domésticas e um motorista, são mantidos, bem como os quatro veículos na garagem e o acúmulo de dívidas.

No dilema entre seguir a sua vocação ou se tornar uma reprise de seu pai, Jean se vê confuso diante do modo como o seu status social dita a relação com os colegas de escola, com uma namorada (Bruna Amaya) que vive na periferia e também com Rita (Clarissa Pinheiro), a empregada com a qual tem uma aproximação muito íntima. É somente saindo da retoma de seu lar que a sua visão de mundo amplia, ainda que às vezes não seja capaz ir além de repetir os discursos de seu pai, algo natural em uma fase de desenvolvimento da própria identidade.

Realizador de “Laura”, documentário exibido no ano passado no circuito comercial que já flagrava uma figura que se mantinha através de máscaras, Fellipe Barbosa se inspira em um episódio particular de sua vida ao conceber “Casa Grande”. Foi quando estava em Nova York estudando cinema que Fellipe recebeu a notícia de que o seu pai quebrou financeiramente.

O envolvimento que tem com os personagens e com a história em que estão inseridos faz de “Casa Grande” um filme na maior parte do tempo autêntico ao colocar em pauta a desigualdade que faz a nossa sociedade se dividir entre os privilegiados e aqueles que são barrados de conseguir o seu lugar ao sol por aspectos que os tornam uma minoria. Uma pena que algumas discussões, como aquela em que o sistema de cotas é defendido pela namorada de Jean enquanto Hugo o contesta, tomam rumos constrangedores ao caricaturar ao extremo uma classe em foco.

Resenha Crítica | Permanência (2014)

Permanência

Permanência, de Leonardo Lacca

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Preparador de elenco em “O Som ao Redor“, Leonardo Lacca realiza a sua estreia em longa-metragem com um roteiro de sua própria autoria inteiramente ambientado em São Paulo, mas revelando imediatamente algumas características notórias no cinema pernambucano, como as lacunas deixadas no processo de construção de personagens e as interações retratadas de modo intrínseco.

Muito é sugerido e pouco é verbalizado sobre o passado de Ivo (Irandhir Santos, que anda trabalhando sem parar, como comprova os cinco filmes na Mostra que contam com a sua presença) com Rita (Rita Carelli). De passagem na capital paulista para a organização de sua primeira exposição fotográfica, Ivo acaba se hospedando no apartamento de sua ex-namorada Rita, que vive com Mauro (Silvio Restiffe), seu atual companheiro.

Apesar da dupla de protagonistas conseguir transmitir uma atração ainda intacta e que já não pode ser mais correspondida, “Permanência” não traz algo suficientemente forte para que nos importemos com os direcionamentos (previsíveis) tomados por este reencontro. Logo se estabelece uma relação de desapego com um filme que chega ao fim sem atingir uma nota distinta de seu prólogo e que se vale de metáforas com utensílios domésticos de uma representatividade quase nula.

Resenha Crítica | Acima das Nuvens (2014)

Acima das Nuvens | Clouds of Sils Maria

Clouds of Sils Maria, de Olivier Assayas

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Mesmo não sendo um grande cineasta, o francês Olivier Assayas é dono de um prestígio que o faz produzir os seus filmes com liberdade, como se vê em títulos como “Depois de Maio”, em que Assayas compartilha uma história que revela muitos elos com as suas experiências particulares da juventude. Em “Acima das Nuvens”, o diretor e roteirista se mostra ousado em uma observação perspicaz sobre as distinções que separam os meios de produção europeia e hollywoodiano.

É impossível não criar associações com “Irma Vep”, o melhor filme de Assayas. Nesta produção de 1996, a chinesa Maggie Cheung é contratada por um cineasta francês temperamental para estrelar a refilmagem de “Os Vampiros”, uma das primeiras produções de horror do cinema a ganhar notoriedade. Em “Acima das Nuvens”, é Juliette Binoche que vive dilemas com a proposta de estrelar a nova versão de uma peça que a alçou à fama.

Em viagem para discursar sobre um prêmio em homenagem a Wilhelm Melchior, Maria Enders (Juliette Binoche) recebe no meio do caminho a notícia de que ele faleceu. Junta de sua assistente Valentine (Kristen Stewart), Maria tenta processar e perda do artista que a revelou com a peça “Maloja Snake” em meio às dificuldades particulares, como um divórcio e as ofertas para voltar a interpretar. Eis que o luto é usado como pretexto para ressuscitar “Maloja Snake” pelas mãos do promissor Klaus (Lars Eidinger), que convida Maria, eternizada por incorporar a jovem Sigrid, para interpretar a antagonista Helena, uma mulher madura e amarga.

Típica estrelinha rebelde de Hollywood, Jo-Ann Ellis (Chloë Grace Moretz, ainda com dificuldades de lidar com papéis de uma complexidade que não corresponde ao seu talento limitado) é selecionada para viver Sigrid na releitura, o que frustra a vontade de Maria em participar de algo que seja tão bom quanto a versão original. Como todo bom drama metalinguístico, a narrativa recebe direcionamentos imprevisíveis.

Juliette Binoche, que passava por uma fase desapontadora após receber o prêmio de melhor atriz em Cannes por “Cópia Fiel“, é uma atriz que jamais entrega algo abaixo do extraordinário quando está envolvida em um projeto de qualidade. No entanto, é com Kristen Stewart que Binoche atinge os níveis mais altos. A sintonia entre as atrizes é implacável e os conflitos em viver uma Helena com uma identidade que destoa daquela que concebeu em seu íntimo são potencializados quando ambas contracenam juntas.

Mordaz ao reproduzir um verdadeiro embate entre gerações, “Acima das Nuvens” ainda toca em dois temas delicados em debates sobre os rumos que a produção comercial toma. Há um deboche em cima da linha de blockbusters estrelados por Jo-Ann Ellis, de uma precariedade intelectual que faz Maria Enders diminuir ainda mais a jovem intérprete. Outro ponto é como a idade provoca um efeito devastador em grandes talentos, como bem ilustra a cena em que todos os flashes de câmeras fotográficas são voltados unicamente para Jo-Ann Ellis quando ela e Maria saem de um encontro em um bar. Para Maria Enders, resta se dispor a um sistema artístico do qual não tem forças para se rebelar.

Resenha Crítica | Em Qualquer Outro Lugar (2014)

Em Qualquer Outro Lugar | Anderswo

Anderswo, de Ester Amrami

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Com crédito na direção de três curtas, a israelense Ester Amrami debuta como diretora de longa-metragem com “Em Qualquer Outro Lugar” compartilhando uma história que lhe é muito particular. Tendo vivido em Berlim durante 10 anos, Ester sentiu na pele certa desorientação ao estar inserida em uma cultura distinta de suas origens.

Na trama de “Em Qualquer Outro Lugar”, a atriz Neta Riskin tem uma boa interpretação ao viver Noa, alter ego de Ester Amrami. Mais do que o desejo de rever a família e matar a saudade de sua avó, cuja saúde é precária, Noa sai de Berlim após oito anos ao se decepcionar com um projeto negado em sua pós-graduação que consiste em construir um pequeno dicionário com palavras intraduzíveis.

Entre depoimentos de especialistas em Linguística colhidos por Noa, acompanhamos esta protagonista às voltas com uma mãe pouco flexível e uma irmã com uma postura pouco cordial. Com a chegada surpresa de Jörg (Golo Euler), seu namorado aspirante a ator, as coisas se intensificam e Noa estuda seriamente a possibilidade de permanecer em Israel.

Apesar de flagrar algumas particularidades curiosas quanto as tradições de Israel, como a pausa que todos fazem diante dos disparos para prestar homenagem ao Dia da Lembrança dos Soldados Caídos de Israel, os choques culturais entre um homem e uma mulher vindos de países distintos geram conflitos pouco críveis, além de haver pouca ternura nas interações familiares. Talvez um segundo longa-metragem colabore para que Ester Amrami consiga lidar com assuntos privados de modo mais incisivo.

Resenha Crítica | Boa Sorte (2014)

Boa Sorte

Boa Sorte, de Carolina Jabor

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Diretora dos cinco primeiros episódios do seriado “A Mulher Invisível”, Carolina Jabor já tinha dado indícios de que seguir os rumos de seu pai Arnaldo Jabor era uma mera questão de tempo. Somando créditos na tevê e em documentários (ela co-dirigiu “O Mistério do Samba”), Carolina faz sua primeira investida na direção de longa-metragem com “Boa Sorte” se cercando de grandes nomes de nossa cinematografia.

Baseado no conto “Frontal com Fanta”, o próprio Jorge Furtado que o escreveu realiza a adaptação em parceria com o seu filho, Pedro Furtado. Há ainda a colaboração de Guel Arraes (“O Auto da Compadecida”) como produtor associado, direção de arte de Claudio Amaral Peixoto (“O Palhaço“) e ninguém menos que a veterana Fernanda Montenegro no elenco interpretando Célia, avó de Judite (Deborah Secco), uma jovem soropositivo presa a uma clínica.

É através dos olhos de João (João Pedro Zappa, de “Éden” e “Disparos”) que acompanhamos a degradação de Judite, que se vale de artimanhas para continuar sustentando o seu vício por drogas até que a morte dê um ponto final prematuro em sua existência. Como primeira paciente a conhecer na clínica, João imediatamente desenvolve uma sintonia com ela, culminando em um relacionamento rondado de perdas e danos.

Com uma carreira estabelecida em telenovelas, mas disposta a se desafiar como atriz de cinema, Deborah Secco dá um passo além de “Bruna Surfistinha” com uma entrega física e emocional intensa em “Boa Sorte”. Carolina Jabor também mostra a que veio ao menos na primeira metade do filme, conferindo uma atmosfera pulsante diante da dinâmica desregrada de seus protagonistas, que acreditam atingir a invisibilidade a todo o instante em que “viajam” com o consumo simultâneo de comprimidos de frontal e Fanta sabor laranja.

Falta ousadia no encaminhamento para a conclusão de “Boa Sorte”. A autenticidade do registro é comprometida ao se deixar contagiar com o enfraquecimento de Judite, dando ao filme um redirecionamento piegas. Há até a exibição de registros artísticos que pretendem dar um ar mais poético à narrativa, o que não funciona. Em vista do potencial de todos os envolvidos, “Boa Sorte” fica a dever ao se assemelhar a outros dramas de isolamento em um ambiente de reabilitação.

Resenha Crítica | Jamie Marks Está Morto (2014)

Jamie Marks Está Morto | Jamie Marks is Dead

Jamie Marks is Dead, de Carter Smith

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Sem ter obtido o sucesso pretendido com a sua estreia como diretor de longa-metragem em “As Ruínas”, adaptação do célebre romance homônimo de Scott B. Smith, Carter Smith levou seis anos para lançar um segundo longa amargando uma nova falta de visibilidade. Como todo bom cinéfilo sabe, sucesso comercial nem sempre é sinônimo de bom filme e “Jamie Marks Está Morto” é um exemplo de obra que merece ganhar vida além do circuito de festivais.

Como nos melhores filmes contemporâneos do gênero, o terror em “Jamie Marks Está Morto” se mostra mais um elemento dramático do que propriamente um recurso para gerar um frio na espinha. A fase juvenil atravessada por Adam McCormick (Cameron Monaghan) é mais assustadora do que os fantasmas que o assolam, como o de Jamie Marks (Noah Silver), adolescente encontrado morto e seminu próximo a um rio.

Adam não tolera que a sua mãe Linda (Liv Tyler) mantenha a amizade com Lucy (Judy Greer), vizinha que a deixou na cadeira de rodas após um acidente. Há também o relacionamento difícil com o seu irmão mais velho Aaron (Ryan Munzert), cada vez mais violento. Ao se aproximar de Gracie (Morgan Saylor), colega de classe que encontrou o corpo de Jamie Marks, Adam inicia um período em que passa a compreender a própria sexualidade, especialmente quando Jamie surge do mundo dos mortos com a intenção de estabelecer laços.

Desta vez se inspirando em um romance de Christopher Barzak, “One for Sorrow”, Carter Smith não abre mão de circunstâncias em que o sobrenatural se manisfesta com intensidade, como nas aparições de Frances (Madisen Beaty), uma garota que dizimou sua família e atualmente presa entre o plano material e o espiritual após cometer suicídio. No entanto, é na sensibilidade como é construída a relação entre Adam e Jamie – e no empenho da dupla Cameron Monaghan e Noah Silver – que o filme encontra os seus principais valores. Deixa-se de lado uma possível resolução quando ao que resumiu a existência de Jamie para realçar uma observação obscura sobre o efeito devastador causado pelo abandono e o desajuste durante o desenvolvimento da própria identidade.

Sinfonia da Necrópole

Resenha Crítica | Sinfonia da Necrópole (2014)

Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Diretores de “Trabalhar Cansa“, Juliana Rojas e Marco Dutra já estabeleceram parcerias na mesma função em curtas. Experimentaram após a aclamação do primeiro longa-metragem uma espécie de ruptura. Ainda assim, não se afastaram completamente. Além de um projeto futuro que promete reuni-los outra vez, Juliana Rojas colaborou na montagem de “Quando Eu Era Vivo”, enquanto Marco Dutra se responsabilizou em escrever algumas canções de “Sinfonia da Necrópole”.

A separação atrás das câmeras é positiva para identificar algumas escolhas que soam mais particulares do que coletivas. Dentro do que é possível observar, Marco Dutra tem uma preferência pelo obscuro, enquanto Juliana Rojas parece gostar mais de alguns respiros de descontração ao lidar com temas sinistros. Ambientando a maior parte do tempo em um cemitério, “Sinfonia da Necrópole” mostra o atrapalhado aprendiz de coveiro Deodato (Eduardo Gomes) se empenhando em seu ofício como nunca com a chegada de Jaqueline (Luciana Paes, ótima), funcionária de uma empresa terceirizada incumbida de fazer um levantamento de túmulos abandonados.

Ao invés de aparições fantasmagóricas e almas ressentidas assombrando o lugar, há as reflexões desse protagonista de mal com a vida que busca algum otimismo justamente em uma profissão em que precisa lidar com indivíduos que já partiram. A simplicidade da encenação e o tom cômico dão ao filme uma vivacidade contagiante, mas eis que a desarmonia insiste em se infiltrar através dos números musicais. Na busca de um diferencial, Juliana Rojas cerca o seu roteiro de melodias que definitivamente não encontram vida diante de tudo o que é verbalizado.

Resenha Crítica | O Último Poema do Rinoceronte (2012)

Estação de Rinocerontes | Rhino Season

Fasle kargadan, de Bahman Ghobadi

.:: 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

O poeta Sadegh Kamangar passou quase 30 anos de sua vida encarcerado após ser capturado durante a Revolução Islâmica, ocorrida em 1979 com a retirada do Xá Mohammad Reza Pahlevi do poder. Diretor de “Tartarugas Podem Voar” (2004), Bahman Ghobadi se sensibilizou com a história, encontrando na vocação de Sadegh Kamangar um meio de romantizar a sua jornada em “O Último Poema do Rinoceronte”.

Ator veterano que tem reduzido o seu ritmo de trabalho, Behrouz Vossoughi é quem interpreta Sadegh Kamangar, na ficção chamado de Sahel. Mesmo tendo perdido quase metade de sua existência diante do tempo que passou atrás das grades, ele obtém a liberdade mantendo em seus pensamentos alguém que ainda o motiva a viver: Mina (Monica Bellucci) o seu grande amor. O problema é que o desejo de reencontrá-la traz um fato amargo. Pensando que Sahel tinha morrido, Mina abandona o Irã para construir uma nova vida na Turquia.

Contando com Martin Scorsese nos créditos como apresentador, “O Último Poema do Rinoceronte” apresenta dois diferenciais que não encontram ressonância. A primeira está na história, gradativamente enfraquecida com a ausência de uma construção mais complexa de personagens, atingindo diretamente a relação entre Sahel e Mina, cujo amor jamais soa tão potente quanto é proferido. O apelo estético, o segundo elemento para o qual “O Último Poema do Rinoceronte” confere uma atenção especial, é comprometido no encaminhamento para o ato final, que abusa de computação gráfica para atingir os efeitos desejados, nunca atingindo-os.