Resenha Crítica | 13 Minutos (2015)

Elser, de Oliver Hirschbiegel

.:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

O alemão Oliver Hirschbiegel é só mais um caso de cineasta estrangeiro que fracassou em seu ingresso em Hollywood após produzir um filme que causou impacto mundial. Gavin Hood (“Infância Roubada”), Florian Henckel von Donnersmarck (“A Vida dos Outros”) e Susanne Bier (“Em Um Mundo Melhor“) são apenas os nomes de alguns de seus colegas.

Após os sucessos de “A Experiência” e de sua obra-prima “A Queda: As Últimas Horas de Hitler”, Hirschbiegel se meteu em três enrascadas em língua inglesa. Além de ter perdido o controle criativo de “Invasores“, ainda teve de engolir o seu “Rastros de Justiça” sendo lançado na tevê quando a intenção original era uma estreia nos cinemas e todas as vaias direcionadas ao seu equivocado “Diana“.

Exausto, o realizador tenta fazer as pazes com a melhor versão de si mesmo em “13 Minutos”, drama que, assim como “A Queda”, é ambientado na Segunda Guerra Mundial. E a história é fascinante. Trata-se do resgate de Georg Elser, figura heroica hoje pouco lembrada pela história que teria arquitetado um plano para matar Adolf Hitler. Se os 13 minutos que afastam a saída do Fühler de uma reunião com a detonação de uma bomba não existissem, Elser teria mudado radicalmente o curso do mundo.

O roteiro da dupla Fred Breinersdorfer e Léonie-Claire Breinersdorfer deixa claro já em seu prólogo que o plano resultou mal-sucedido, dando espaço para compreender como Elser (interpretado pelo ótimo Christian Friedel, de “A Fita Branca”) chegou ao ponto de protagonizar sozinho uma ação tão arriscada. Em meio a torturas, omissões, ameaças e golpes, o seu passado é encenado.

“13 Minutos” tem um primeiro ato bem efetivo, sendo ágil ao ilustrar certa opulência na adoração a um ditador visualizado somente por alguns segundos à distância e a vulnerabilidade de Elser, um homem sem qualquer traço de bravura. Infelizmente, os desdobramentos vão perdendo fôlego na medida em que o romance de Elser com Elsa (Katharina Schüttler) ganha uma importância maior, não ornando muito bem com a iniciativa que notabilizou o biografado. Ao menos é uma possibilidade de ver uma versão alternativa e superior de “Operação Valquíria“.

Resenha Crítica | Me Leve Pra Casa (2016)

Take Me Home, de Abbas Kiarostami

.:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

O mais aclamado dos realizadores iranianos, Abbas Kiarostami havia há pouco completado 76 anos quando perdeu a batalha contra um câncer que muitos desconheciam. Para os cinéfilos, partiu cedo demais, deixando um buraco em um cinema humanista e por vezes provocativo raro de ser produzido.

Poucos cineastas conseguem prever o próprio fim e, ao mesmo tempo, entregar um canto do cisne que repercuta esse sentimento. Seria “Me Leva Pra Casa” uma analogia sobre o ciclo da vida, acompanhando um objeto circular que quica de degrau em degrau até o seu destino final?

Com uma câmera estática, vemos esse trajeto em escadarias rústicas da Itália sem uma preocupação com a continuidade. Há como figura humana Biagio di Tonno, o garotinho descuidado com a sua bola de CGI, mas vem a ser somente a música de Peter Soleymanipour o componente para sustentar uma despedida pouco especial.

Resenha Crítica | Animais Noturnos (2016)

Nocturnal Animals, de Tom Ford

.:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Um dos maiores estilitas do mundo e salvador da Gucci, Tom Ford esteve envolto a questionamentos alheios quanto a sua decisão de transferir o seu lado artístico expresso no universo da alta-costura para o cinema. Toda a sofisticação e a atenção preciosa aos detalhes que o notabilizaram como uma marca fashion foram impressas em seu debutDireito de Amar“, mas a surpresa que poucos esperavam foi o toque sentimental trazido para a sua adaptação do romance “Um Homem Só”, de Christopher Isherwood.

Sete anos depois, Tom Ford volta com um novo filme, que vem a ser também uma tentativa de enriquecer um material original que não é lá tão formidável. No caso de “Animais Noturnos”, houve como base o último romance do também professor e crítico literário Austin Wright, “Tony & Susan”, publicado no Brasil pela editora Intrínseca. Entretanto, o êxito anterior está longe de se repetir aqui.

Excelente atriz que geralmente vive papéis que não têm a vaidade como  um item prioritário, Amy Adams não está em um grande momento como Susan Morrow, personagem que seguiu uma carreira artística sem necessariamente estar satisfeita com o que produz. Trata-se de uma pessoa que tem tudo ao seu redor, mas que julga que fracassou na vida.

Esse sentimento começa a se justificar quando recebe o manuscrito para avaliação de “Animais Noturnos”, o último romance escrito pelo seu ex-marido Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal). Enquanto Susan faz a leitura, a obra literária recebe uma linha narrativa para si mesma. Em sua trama, Tony Hastings (também vivido por Jake Gyllenhaal) está viajando com a sua esposa Laura (Isla Fisher) e a filha India (Ellie Bamber). sendo perseguidos por um trio de marginais com péssimas intenções.

Ainda que “Animais Noturnos” não contenha nenhum traço autobiográfico e o seu tom de thriller em nada compete com a história de Susan com Edward, nota-se que alguma coisa em sua brutalidade seja um reflexo de um rompimento que talvez não tenha sido dos mais harmoniosos. Para compreendê-lo, flashbacks são alternados com o presente de Susan e o presente ficcional de Tony.

O maior atrativo de “Tony & Susan” foi o recurso de Austin Wright em fazer um livro dentro do livro. Não se trata de uma inovação, mas funciona por trazer uma personagem íntima das intenções de seu autor geralmente reagindo do mesmo modo que o leitor a partir das resoluções brutais e de certa passividade de Tony diante da violência. Como “filme dentro do livro”, esse diferencial não se encaixa adequadamente. Ao contrário, soa por vezes patético.

Na literatura, é mais do que obrigatório trazer ao leitor diante de um impacto ou surpresa um respiro em forma de um novo capítulo, um subterfúgio que nos faz repensar a decisão de seguir ou interromper com a leitura. O modo como Tom Ford tenta traduzir isso no campo audiovisual é risível, chegando ao cúmulo de fazer com que Susan seja forçada a pausar a sua apreciação no instante em que mais se exige a sua atenção – há até mesmo um pássaro batendo aleatoriamente contra a porta de vidro de sua luxosa residência para causar essa quebra.

Ainda assim, o mais grave de tudo é como as duas histórias de “Animais Noturnos” se anulam ao invés de se completarem. Há uma predileção por uma beleza macabra como tentativa de radiografar os protagonistas, intenção já explicitada em um prólogo de idosas obesas e nuas com adereços de integrantes de bandas marciais. Uma escolha com preocupações estéticas que sufoca justamente os fragmentos de uma realidade amarga em sincronização com a monstruosidade da ficção. Um exemplar com a rara capacidade de decepcionar não somente uma, mas duas vezes.

10 Dicas de Filmes Para Ver na 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Em meio a 322 que integram a programação da 40ª Mostra Internacional de Cinema, é complicado fazer uma seleção de duas semanas, período insuficiente para qualquer cinéfilo maratonista ver ao menos 1/3 desses títulos. Há também casos em que a falta de tempo livre impossibilita de pesquisar sobre cada produção antes de fechar uma lista de prioridades.

Independente de qual é a sua condição, destacamos a seguir dez filmes considerados imperdíveis e que merecem um espaço em sua agenda, cada uma carregando a particularidade do cinema de seu país de origem. Além de figurinhas fáceis em listas como essa, há também opções que podem passar batidas por olhos menos atentos que merecem uma chance de serem descobertas.

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Beduino | dir. Júlio Bressane | Site da Mostra | IMDb

Um casal bastante curioso —dramaturgos de sua própria existência na qual a arte surge acompanhada de uma singular pretensão metafísica— procura pela coisa mais difícil, por meio de repetidas e variadas representações, em um cenário de luz onde se misturam esperança e desespero.

Por que assistir?: Júlio Bressane é praticamente um patrimônio da Mostra, contando sempre com a exibição de seus novos filmes no evento. Verdade que o diretor não é uma unanimidade, mas até aqueles que encaram a sua obra com reservas se encantaram com “Beduino”, já exibido em Locarno e Brasília. Sem dizer que Bressane e Alessandra Negrini, que trabalham juntos em “Cleópatra” e “A Erva do Rato”, foram feitos um para o outro.

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Corações CicatrizadosInimi cicatrizate | dir. Radu Jude | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Romênia, 1937. Emanuel, um jovem de 20 anos, passa seus dias em uma clínica na costa do mar Negro, sofrendo de uma tuberculose óssea. Apaixonado por outra paciente, ele narra sua tentativa e a de seus companheiros em aproveitar ao máximo a vida enquanto seus corpos definham lentamente, ao passo que suas mentes se recusam a desistir. Inspirado no romance autobiográfico Corações Cicatrizados, do autor romeno Max Blecher.

Por que assistir?: o romeno Radu Jude é o mesmo de “Aferim!”, que na edição passada da Mostra provocou uma forte impressão no público e crítica. Tendo em mãos o romance de seu conterrâneo Max Blecher, Jude promete um filme ainda mais ambicioso, tendo saído do Festival de Locarno com o prêmio do júri.

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Elle | dir. Paul Verhoeven | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Michèle parece ser indestrutível. Chefe de uma importante empresa de jogos de videogame, ela tem a mesma atitude implacável nos relacionamentos amorosos e no trabalho. Depois de ser atacada em sua casa por um assaltante, Michèle tem a vida completamente mudada. Quando ela passa a seguir os rastros desse homem, ambos são arrastados para um jogo que pode, a qualquer momento, sair do controle.

Por que assistir?: um dos concorrentes à Palma de Ouro deste ano, “Elle” saiu de mãos vazias do Festival de Cannes, mas desde sua première as polêmicas sobre a sua premissa envolvendo um estupro têm repercutido. É um retorno do grande Paul Verhoeven às tramas de teor sexual que o notabilizaram. Já escrevemos as nossas impressões sobre o filme aqui.

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Fukushima, Mon Amour | Grüße aus Fukushima | dir. Doris Dörrie | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Marie é uma jovem alemã em Fukushima tentando mudar de vida. Ela passa a trabalhar para a organização Clowns4Help, com a qual espera levar alguma alegria para os sobreviventes do desastre nuclear de 2011. Marie logo percebe, no entanto, que não tem muito talento em fazer a tragédia ser menos penosa. Ao invés de ir embora, ela decide ficar com Satomi, última gueixa de Fukushima, que decidiu por conta própria voltar para sua antiga casa em uma área radioativa isolada. Duas mulheres muito diferentes entre si, presas ao passado e que precisam se libertar da culpa e do peso da memória.

Por que assistir?: exibido na 35ª Mostra, “Hanami – Cerejeiras em Flor”, que incluímos em nossa lista #52FilmsByWomen, é um filme que continua muito vivo em nossa memória por seu alto grau de sensibilidade. Fotografado em preto e branco, “Fukushima, Mon Amour” parece repetir a dose em uma premissa que se movimenta a partir de duas mulheres de culturas e tempos distintos.

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Glory | Slava | dir. Kristina Grozeva e Petar Valchanov | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Tsanko Petrov, um trabalhador ferroviário, encontra uma enorme quantia de dinheiro nos trilhos do trem. Ele entrega todo o montante para a polícia, que o recompensa com um novo relógio de pulso, que logo para de funcionar. Enquanto isso, Julia Staikova, chefe do departamento de relações públicas do Ministério dos Transportes, perde o antigo relógio de Petrov. Ele começa então uma luta desesperada para obter seu velho relógio de volta, assim como sua dignidade.

Por que assistir?: a dupla Kristina Grozeva e Petar Valchanov é a mesma de “A Lição“, drama que posicionamos em terceiro lugar em nosso top 10 de melhores filmes do ano passado. Novamente com a extraordinária Margita Gosheva em um papel central, os realizadores prometem construir um novo panorama angustiante sobre a influência que o dinheiro exerce em um cenário em crise.

O Apartamento | Forushande | dir. Asghar Farhadi | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Obrigados a sair do apartamento onde vivem por causa de obras no prédio vizinho, Emad e Rana se mudam para um novo flat no centro de Teerã. Um incidente ligado ao antigo morador vai mudar drasticamente a vida do jovem casal.

Por que assistir?: o iraniano Asghar Farhadi vem se superando a cada novo filme. No Festival de Cannes, “O Apartamento” saiu vitorioso em nada menos que duas categorias: Melhor Roteiro e Melhor Ator para Shahab Hosseini. Há também uma promessa de um novo retrato sobre relacionamentos a partir de uma cultura restritiva que ressoa diante de todas as demais.

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O Ídolo | Ya tayr el tayer | dir. Hany Abu-Assad | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Mohammed Assaf, um cantor de casamentos que vive em Gaza, tem um objetivo quase impossível: competir no programa Arab Idol.

Por que assistir?: o cineasta israelense Hany Abu-Assad já conseguiu chegar ao Oscar com dois de seus filmes: “Paradise Now” e “Omar”. Ao analisar o impacto dos fenômenos tipicamente americanos, parece se aquecer inclusive para a sua futura empreitada nos Estados Unidos com “The Mountain Between Us”, protagonizado por Kate Winslet e Idris Elba.

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O Segredo da Câmara Escura | Le secret de la chambre noire | dir. Kiyoshi Kurosawa | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Stéphane, um ex-fotógrafo de moda, trabalha obsessivamente com daguerreótipos, antiga técnica de fotografia do século 19, que à época se dizia tornar eterna a alma das pessoas cuja imagem capturava. Jean, um jovem em busca de inspiração em sua vida, torna-se assistente do fotógrafo. Quando ele se apaixona por Marie, filha única e modelo de Stéphane, a diferença entre imagem e realidade se torna muito mais difícil de decifrar.

Por que assistir?: um dos realizadores mais ativos do cinema mundial, Kiyoshi Kurosawa excursiona pelo cinema francês mantendo a promessa de criar uma obra de forte impacto, trazendo para o elenco grandes nomes como os de Tahar Rahim, Olivier Gourmet e Mathieu Amalric.

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O Sonho de Greta | Girl Asleep | dir. Rosemary Myers | Site da Mostra | IMDb | Trailer

O mundo está se fechando em torno de Greta Driscoll. Às vésperas de fazer 15 anos, ela não consegue lidar com a ideia de abandonar sua infância, onde encontra todas as coisas que lhe dão conforto neste novo e incompreensível mundo.

Por que assistir?: é sempre bom abrir um espaço na programação para encaixar uma opção mais descompromissada, que alivia os nervos após uma maratona de dramas geralmente pesados. Muito além de um mero escapismo, essa fantasia australiana é daquelas que parecem despertar a nossa nostalgia com graça e ternura.

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The Handmaiden | Ah-ga-ssi | dir. Park Chan-wook | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Em 1930, durante a ocupação japonesa na Coreia do Sul, a jovem Sooke é contratada para ser criada de Hideko, uma herdeira que leva uma vida reclusa junto de Kouzuki, seu tio dominador, em uma grande propriedade rural. No entanto, a empregada tem um segredo. Ela é uma ladra recrutada por um vigarista para seduzir a patroa, roubar sua fortuna e trancá-la em um hospício. Tudo parece correr conforme o previsto até que Hideko e Sooke descobrem um sentimento inesperado.

Por que assistir?: indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, “The Handmaiden”, que já tem distribuição garantida pela Mares Filmes, é daquele tipo de produção que quanto menos se sabe, melhor. Fácil um dos melhores (o melhor?) filmes do núcleo Perspectiva Internacional. Nossa opinião pode ser lida aqui.

Resenha Crítica | A Criada (2016)

Ah-ga-ssi, de Park Chan-wook

.:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Cineasta com uma assinatura visual já consolidada e reconhecida, Park Chan-wook é também um roteirista exemplar na arte de manipular o público, direcionando-o por vezes a territórios que os despistam quanto a grande história que está se costurando. Se em seu penúltimo filme, “Segredos de Sangue”, as influências hitchcockianas renderam um belo e perturbador registro sobre o surgimento da psicopatia, com “A Criada” Chan-wook regressa à Coreia do Sul levando de sua estada ocidental um romance da britânica Sarah Waters para fazer o seu “Azul é a Cor Mais Quente”.

Claro que a associação com o filme de Abdellatif Kechiche, que também disputou a Palma de Ouro em Cannes, ressoa somente na voltagem erótica. Já levado para a tevê em formato de minissérie com Elaine Cassidy, Sally Hawkins e Imelda Staunton no elenco, “Fingersmith” é revirado por Chan-wook, cercando de perversão a premissa falsamente folhetinesca de uma jovem, Sook-hee (Kim Tae-ri), persuadida pelo Conde Fujiwara (Ha Jung-woo) a ser a criada de Lady Hideko (Kim Min-hee), com quem pretende se casar e herdar toda a sua fortuna.

Ao preparar o terreno para Fujiwara agir, Sook-hee se vê simpatizando com Lady Hideko, principalmente ao investigar o poder que o tio Kouzuki (Cho Jin-woong) exerce sobre a sua vida. Mesmo de origens distintas e exercendo papéis sociais opostos, uma atração mútua se manifesta a partir de pequenas ações físicas que desencadeiam o desejo sexual de ambas. Como o tenso auxílio que Sook-hee presta ao readequar um dente de Lady Hideko que a incomoda enquanto chupa um pirulito – mais sugestivo, impossível!

Como bem provou na trilogia Vingança, Park Chan-wook se diverte trabalhando com aparências, fazendo que o espectador descarte todo um raciocínio construído após uma boa demanda de tempo. Não é diferente em “A Criada”, tirando da manga uma surpresa que fará tudo recomeçar praticamente do zero. Ou melhor: ofertará o privilégio de perseguir um novo ponto de vista dando um sentido muito mais amplo de todo o contexto.

De todos os cineastas contemporâneos atraídos por narrativas não lineares, o sul-coreano é o que melhor as domina, usando o flashback não como uma ferramenta para mastigar os dados que devem preencher as lacunas sobre os históricos de personagens, mas como o passado destes é essencial para redimensioná-los. Isso se aplica principalmente à Lady Hideko, ocultando um meio de vida tão doentio que o melhor a fazer é deixar o espaço para a imaginação.

Acima de todo esse jogo entre criaturas dissimuladas, é incrível como “A Criada” ainda assim consegue ser tão verdadeiro no amor atípico que encena. Encontrar o fator humano em um freak show é um desafio superado porque nenhuma violência é mais intensa e explícita do que o choque entre dois corpos que se desejam. Sem ninguém esperar, Park Chan-wook entrega o romance mais arrebatador dos últimos tempos.

Resenha Crítica | Elle (2016)


Elle, de Paul Verhoeven

:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Desde o início de sua carreira, o holandês Paul Verhoeven provou que não havia meias palavras quando o seu assunto era sexo. Produzidos nos anos 1970, “Negócio é Negócio” e “Louca Paixão” foram os primeiros indícios da visão despudorada do realizador sobre o tema, atingindo o seu ápice em 1992 ao chocar o mundo com “Instinto Selvagem”. É essa credencial que faz de Verhoeven um nome perfeito para a direção de “Elle”, cuja premissa não facilita nem um pouco o julgamento da plateia diante do que testemunha.

Adaptação do romance “Oh…”, de Philippe Djian, “Elle” abre somente com os sons de confronto sexual. Segundos depois, nos deparamos com o corpo estirado e violado de Michèle Leblanc (Isabelle Huppert) em sua própria casa. Sem esboçar qualquer horror ao que acabou de atingi-la, simplesmente limpa as taças e louças que foram quebradas durante o ataque, descarta a sua roupa na lixeira e se banha reagindo somente ao sangue que se mistura com a espuma da banheira.

Em um jantar, confidencia ao ex-marido Richard (Charles Berling) e aos amigos Anna (Anne Consigny) e Robert (Christian Berkel) o estupro com a mesma naturalidade que se fala com um estranho na rua sobre uma mudança climática. Diz que não comunicará o crime à polícia e segue naturalmente a sua rotina profissional como chefe de uma empresa de desenvolvimento de games.

A excentricidade da personagem, confirmada em seu silêncio e em outras posturas injustificáveis (como a de destruir o para-choque de Richard antes de encontrá-lo e o de se relacionar com o marido de sua melhor amiga), sugere que Verhoeven, a partir do texto de David Birke (“Os 13 Pecados”), não está interessado em fazer um manifesto sobre a violência contra a mulher, uma abordagem que muitos visualizam mais pelo potencial comercial em tempos de empoderamento e menos por sua força discursiva. Michèle é uma pessoa tão ou mais perigosa que o seu assediador.

A partir de um background fantástico, a protagonista vai saindo da posição de mera vítima. Fatos passados e presentes modelam uma mulher nem um pouco preocupada em externar os seus julgamentos cruéis, o que a faz ganhar desafetos não somente no trabalho, como em seu núcleo familiar. Também é curioso perceber a sua incapacidade de se desvincular das ações criminosas de seu pai, autor de uma barbaridade que o fez pegar prisão perpétua.  Não há dúvidas de que Michèle quer vingança, porém, há algo nesse desejo que pode desencadear nela uma maldade reprimida que quase anula o que ainda resta de nossa empatia por sua condição.

Com tudo isso, Verhoeven não se vê no compromisso de fazer um filme politicamente correto. Ao contrário, pois há tanto humor ditando as interações de Michèle com os demais personagens que o resultado chega a desconcertar. O que não significa que não estejamos respondendo com algum fascínio pelo curso da história, ainda que o terceiro ato amorteça consideravelmente toda a tensão arquitetada por uma obra então desprendida de zonas de conforto.

40ª Mostra São Paulo tem pôster assinado por Marco Bellocchio

Marco Bellocchio

.:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Nascido em 1939, o diretor italiano Marco Bellocchio tem uma relação de longa data com a Mostra Internacional de Cinema. Quando o evento de cinema ainda dava os seus primeiros passos em São Paulo, Bellocchio já tinha uma carreira composta por mais de uma dúzia de títulos, incluindo “De Punhos Cerrados”, de 1965.

Protagonizado por Anouk Aimée e Michel Piccoli, “Salto no Vazio” marcou a primeira vez em que uma obra de Bellocchio estava presente na programação da Mostra. Para muitos paulistanos, foi também o primeiro contato com o seu cinema, numa época em que os filmes de arte eram inacessíveis para muitos.

Além do já citado “De Punhos Serrados”, outro clássico do cineasta daria as caras na 30ª edição da Mostra: “A China Está Próxima”, seu terceiro momento na condução de um longa-metragem. Hoje, não há quem não o conheça, tanto pela acessibilidade de sua obra quanto pelo reconhecimento por audiências de todo o mundo, acumulando indicações e prêmios em festivais como Berlim, Cannes, Locarno e, claro, Veneza.

40ª Mostra - Pôster de Marco Bellocchio

É um momento perfeito para homenagear Marco Bellocchio e a Mostra o faz desde o convite para assinar a arte de sua 40ª edição até uma retrospectiva de nada menos que 12 de seus filmes, incluindo os novos “Belos Sonhos” (que abrirá o evento nesta quarta-feira, 19 de outubro) e “Pagliacci”, curta de 18 minutos. Sobre a maravilhosa ilustração que estampa o cartaz da Mostra e que ganha movimentos em uma vinheta que parece aludir as tensões populares que hoje vivemos, Bellocchio diz:

Quando me pediram para fazer uma arte original para o cartaz da Mostra, eu a compus com uma parte do desenho que eu fiz para o filme “Buongiorno, Notte”, reelaborando-o – fazendo assim um desenho original. Não sei se é bonito, ou feio, mas me parecia, em relação ao meu trabalho e à minha imagem, bastante significativo. Tentei aproximar formas diversas que tivessem um forte significado referente à minha história e “Buongiorno, Notte” é como o centro do meu trabalho. É um filme feito no início dos anos 2000, mas ao mesmo tempo concentra também toda uma série de experiências minhas, também de envolvimento político.

Os 12 títulos do diretor que integram a programação da Mostra são:

De Punhos Cerrados (1965)
A China Está Próxima (1967)
O Diabo no Corpo (1986)
Intrusa (1999)
A Hora da Região (2002)
Bom Dia, Noite (2003)
Irmãs Jamais (2010)
Vincere (2009)
A Bela que Dorme (2012)
Sangue do Meu Sangue (2015)
Belos Sonhos (2016)
Pagliacci – curta (2016)

40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo | 20 Outubro – 2 de Novembro

:: 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Como vem a acontecer desde a regra do ineditismo, muito se questiona sobre a programação da Mostra Internacional de Cinema, suspense ampliado principalmente com a divulgação da seleção do Festival do Rio, que neste ano assegurou filmes de realizadores que antes costumavam bater cartão com maior frequência em São Paulo, como Lav Diaz (“A Mulher Que Se Foi”), Bruno Dumont (“Mistério na Costa Chanel”), Olivier Assayas (“Personal Shopper”) e Jim Jarmusch (“Gimme Danger”). Os principais premiados de alguns festivais de cinema deste ano também foram para os cinemas cariocas, como o vencedor da Palma de Ouro em Cannes “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach.

Mesmo com as ausências sempre sentidas, a relação final se garante “forte”, como adjetivou a organizadora Renata de Almeida na coletiva para a imprensa realizada no Espaço Itaú de Cinema Augusta no último sábado, 8 de outubro. São 322 títulos que compõem o panorama cinematográfico desta edição, um número um pouquinho maior em comparação a 2015 (312). E ao menos os fãs de Lav Diaz e Jim Jarmusch podem se contentar com outros de seus novos filmes: respectivamente, “Canção Para Um Doloroso Mistério” e “Paterson”.

Mas se fechar a esses nomes é muito pouco. Responsável pela arte maravilhosa desta edição, o italiano Marco Bellocchio ainda terá o seu novo filme, “Belos Sonhos”, abrindo o Mostra e uma retrospectiva com 12 de seus grandes trabalhos. A presença do diretor também é aguardada para um masterclass.

Outro grande nome do cinema a ser homenageado pela 40ª Mostra e que garantiu a sua vinda à cidade é William Friedkin, que será laureado com o prêmio Leon Cakoff. Os cinéfilos poderão rever sete de seus filmes, incluindo “Operação França”, que celebra 45 anos desde o seu lançamento.

Outros nomes badalados com novos filmes programados são Abbas Kiarostami (o curta “Me Leve Pra Casa”), Alejandro Jodorowsky (“Poesia Sem Fim”), Danis Tanovic (“Morte em Sarajevo”), Hirokazu Koreeda (“Depois da Tempestade”), os irmãos Dardenne (“A Garota Desconhecida”), Paul Verhoeven (“Elle”) e Park Chan-wook (“The Handmaiden”). Há também uma retrospectiva da filmografia de Andrej Wajda e Krzysztof Kieślowski, os protagonistas do Foco Polônia, recorte que contempla ainda produções recentes do país.

Além de possibilitar a consulta de toda a programação, o site da 40ª Mostra orienta o cinéfilo quanto as atividades paralelas, os produtos à venda, localização das salas, informações sobre os parceiros e o que acontece diariamente durante esta maratona deliciosa de cinema. Basta clicar aqui para ficar por dentro. Como nas edições anteriores, faremos a nossa cobertura do evento comentando sobre os filmes assistidos, preparando listas com dicas, compartilhando os bate-papos com os convidados e muito mais.

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SERVIÇO
ABMIC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA
R. ANTONIO CARLOS, 288 | CEP.01309-010 | SÃO PAULO – SP | BRASIL
+55 11 3141-2548 | INFO@MOSTRA.ORG

PERMANENTES E PACOTES PROMOCIONAIS

Permanente Integral – R$ 460,00
Permanente Integral Folha (15% de desconto para o titular da assinatura, mediante apresentação da carteirinha de assinante) – R$ 391,00
Permanente Especial (para sessões de 2ª a 6ª feira até às 17:55h, inclusive, não contempla finais de semana nem sessões noturnas) – R$ 107,00
Permanente Especial Folha (15% de desconto para o titular da assinatura para sessões de 2ª a 6ª feira até às 17:55h, inclusive, não contempla finais de semana nem sessões noturnas) – R$ 90,95
Pacote de 40 ingressos – R$ 340,00
Pacote de 20 ingressos – R$ 200,00
* O desconto de 15% da Folha é válido somente para o assinante titular, pessoa física.
* Desconto de 50% na compra de até dois ingressos por sessão de filme da Mostra na bilheteria dos cinemas, para a força de trabalho do sistema Petrobras (devidamente identificada com crachá funcional) e para Titulares do Cartão Petrobras (mediante apresentação do mesmo).

INGRESSOS INDIVIDUAIS

Segundas, terças, quartas e quintas: R$ 18,00 (inteira) / R$ 9,00 (meia).
Sextas, Sábados e Domingos: R$ 22,00 (inteira) / R$ 11,00 (meia).

* Para adquirir ingressos no dia da sessão, somente nas salas de cinema.
* A Central da Mostra não vende ingressos avulsos, apenas os pacotes.

VENDA PELA INTERNET

No site Ingresso.com, o ingresso poderá ser adquirido com antecedência de três dias a um dia, da sessão.

Retrospectiva Walerian Borowczyk | INDIE 2016 Festival Cinema

.:: INDIE 2016 Festival Cinema ::.

Com curadoria de Daniel Bird, esta edição do INDIE, que aconteceu no CineSesc de 15 a 21 de setembro, teve como um de seus principais atrativos a retrospectiva destinada ao realizador polonês Walerian Borowczyk (pronuncia-se bo-rov-chic). Vivendo os últimos anos de sua vida em completo ostracismo, Borowczyk (que faleceu em 2006) é hoje um nome que volta a ter prestígio dentro de uma nova geração de cinéfilos que passam a conhecê-lo graças ao resgate de sua filmografia, tendo o próprio Daniel Bird como um dos principais incentivadores de seu estudo e restauro.

Os sete principais longas-metragens do realizador foram exibidos no festival, além de seis dos seus melhores curtas. É curioso acompanhar a partir de uma ordem cronológica o quanto Borowczyk se transformou, indo de uma carreira dedicada a animações e enveredando por um terreno onde o erotismo vem a se transformar na bússola de seus longas de ficção. Por isso mesmo, decidimos reservar um espaço para comentar brevemente sobre a retrospectiva, mesmo que há quase um mês desde o início do INDIE.

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Teatro do Senhor e Senhora Kabal (Théâtre de Monsieur & Madame Kabal, 1967)

Estreia de Walerian Borowczyk na direção de um longa-metragem, “Teatro do Senhor e Senhora Kabal” funciona como uma reunião de toda a sua experiência acumulada no ramo da animação ao mesmo tempo em que faz experimentos com outras técnicas. Há também o acréscimo de live action, geralmente de tomadas de caráter voyeurístico, que viria a ser uma constante em sua obra. O resultado vem a ser mais excêntrico do que propriamente divertido.

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Goto, Ilha do Amor (Goto, l’île d’amour, 1969)

Borowczyk mergulha aqui em um de seus momentos mais densos, sendo mais cuidadoso como nunca na construção de personagens ao mesmo tempo em que busca certa sordidez em alguns lampejos de imagens em cores que prenunciam a tragédia que marcará a busca de um ladrão (Pierre Brasseur) por ascensão social, bem como a tentativa de conquistar Glossia (Ligia Branice), esposa do ditador da ilha de Goto. O close up arrebatador em uma Glossia aos prantos na praia soa como um equivalente ao fim de “Os Incompreendidos”.

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Blanche (idem, 1972)

Repetindo os acertos de “Goto, Ilha do Amor”, “Blanche” é ainda mais incisivo no seu foco em amores tortos. Além da direção, Borowczyk também se debruça na adaptação do poema “Mazepa”, da autoria de Juliusz Slowacki. Talvez seja a ápice da colaboração do polonês com a sua esposa Ligia Branice, que vive a personagem-título, casada com o Barão (Michel Simon) e mulher do interesse tanto do Rei (Georges Wilson) quando de seu jovem serviçal (Jacques Perrin). Provavelmente, o melhor filme Borowczyk, com uma segunda metade conduzida com maestria.

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Contos Imorais (Contes immoraux, 1974)

Uma nova mutação no cinema de Borowczyk se concretiza em “Contos Imorais”, produzido somente dois anos após “Blanche”. Com o explícito tomando grandes proporções em todo o mundo, os anos 1970 se mostraram difíceis para aqueles que buscavam uma linha divisória entre o pornográfico e o erótico. Quatro pequenas histórias compõem o longa, independentes entre si e por vezes resgatando casos notórios, como o da condessa húngara Elizabeth Báthory, conhecida por sacrificar centenas de virgens para se banhar com o sangue delas, procedimento que sustentava para rejuvenescer. Não é para todos os gostos, mas não há dúvidas de que o diretor capta com esplendor a anatomia feminina e os seus prazeres mais íntimos.

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A Besta (La bête, 1975)

Eleito por unanimidade como o seu filme mais popular, “A Besta” é também uma perfeita síntese das reações múltiplas que o seu cinema provoca em qualquer nicho de público. Trata-se de uma sátira, com a sofisticação da recriação de uma época camuflando os desejos reprimidos das personagens. Até o mais hardcore dos espectadores não deve encarar com um mesmo semblante as escatológicas cenas do terceiro ato, de uma criatura semelhante a um lobisomem correndo atrás de uma jovem em uma floresta com o seu membro de 60 centímetros ereto e ejaculando. Pena que tudo soe mais como uma bobagem de mau gosto do que propriamente como uma ataque aos bons costumes.

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História do Pecado (Dzieje grzechu, 1975)

Mesmo representando a única vez na carreira de Walerian Borowczyk em que ele competiu pela Palma de Ouro no Festival de Cannes, “História do Pecado” é fácil um de seus piores filmes. Coincidentemente, veio no período mais produtivo de sua carreira, com os seus seguidores começando a abandoná-lo pela adoção de um conteúdo erótico mais explícito visto em “Contos Imorais” e “A Besta”. A novata Grazyna Dlugolecka não convence no papel central, servido como uma mera marionete de um roteiro perdido ao dar conta dos diversos dilemas amorosos e religiosos que a cercam. Uma série de escolhas inadequadas, como a câmera na mão e o encaixe de composições de Mendelssohn em circunstâncias trágicas, só pioram a situação.

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O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Senhorita Osbourne (Docteur Jekyll et les femmes, 1981)

Do mesmo modo em que ainda se fantasia sobre o que teria acontecido na noite em que Mary Shelley e John Polidori conceberam os clássicos da literatura “Frankenstein” e “O Vampiro” na mansão de Lord Byron, muitos se perguntam como seria “O Estranho Caso do Doutor Jekyll e do Senhor Hyde” caso o seu criador, Robert Louis Stevenson, tivesse seguido as suas intenções originais para lá de profanas. É dentro dessa versão destruída que se se forma “O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Senhorita Osbourne”, com uma voltagem surreal e sexual ainda mais forte. Pena que somente o ato final corresponda às expectativas, momento no qual os destinos de Dr. Henry Jekyll (Udo Kier) e Miss Fanny Osbourne (Marina Pierro) finalmente são selados pelo macabro.

Resenha Crítica | O Mestre dos Gênios (2016)

Genius, de Michael Grandage

Em cinebiografias voltadas a grandes nomes da literatura, a singularidade de um escritor está sempre atrelada ao seu estilo de vida um tanto conturbado, geralmente encontrando em seus reveses a inspiração para a concepção de um novo livro. No entanto, há um agente intermediário sempre esquecido, aquele que desempenha uma função definitiva para a forma que uma obra literária toma antes de chegar ao público: o editor.

A memória pode nos enganar, mas “O Mestre dos Gênios” deve ser o único filme em que um editor tem um nível de importância maior que a de um notável escritor. E esse personagem vem a ser uma figura real: Maxwell Evarts Perkins (Colin Firth), britânico que apostou em nomes como Ernest Hemingway (Dominic West) e F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce).

Os autores de “Adeus às Armas” e “O Grande Gatsby”  seriam escolhas óbvias para assumirem o protagonismo de “O Mestre dos Gênios” ao lado de Maxwell, mas o diretor estreante Michael Grandage preferiu, junto com o roteirista John Logan, se basear em um livro de A. Scott Berg que relata a relação do editor da Scribner com Thomas Wolfe (Jude Law) iniciada em 1929, ano em que entrega a ele centenas de páginas que se transformariam no best-seller “Look Homeward, Angel”.

Os biógrafos de ambos afirmam que o convívio foi além do profissional, partindo para uma amizade quase obsessiva. Não se tratava de paixão mútua, mas de admiração por mentes igualmente brilhantes, com Maxwell sabendo exatamente como agir para organizar o tumulto intelectual de Thomas Wolfe. Uma dinâmica na qual “O Mestre dos Gênios” sugere ter quase arruinado o casamento de Maxwell com Louise Perkins (Laura Linney) e de Wolfe com a figurinista Aline Bernstein (Nicole Kidman, em parceria com Grandage continuada em “Photograph 51”, peça apresentada em Londres no ano passado sobre a cientista Rosalind Franklin).

Com 43 anos, Jude Law é velho demais para dar vida a um Thomas Wolfe apresentado inicialmente aos 27 anos. Ainda assim, a efervescência que traz ao papel contrabalanceia perfeitamente a discrição a qual Colin Firth se notabilizou ao viver os seus melhores personagens. Essa sintonia, somada ao diferencial de conferir maior importância a alguém sempre eclipsado quando se discute a genialidade de um escritor, favorece o registro de Michael Grandage, que foi sábio ao dar ao seu filme um caráter mais afetuoso e menos deslumbrado.