Resenha Crítica | Kubo e as Cordas Mágicas (2016)

Kubo and the Two Strings, de Travis Knight

No top 20 das bilheterias mundiais, seis animações marcam presença com fortes arrecadações: “Zootopia – Essa Cidade é o Bicho”, “Procurando Dory”, “Pets – A Vida Secreta dos Bichos”, “Kung Fu Panda 3”, “A Era do Gelo: O Big Bang” e “Angry Birds: O Filme”. Mesmo que pertençam a estúdios concorrentes, todas elas têm algo em comum: são protagonizados por animais. Trata-se de uma repetição de um ciclo recente no cinema, em que as animações desprivilegiaram figuras mais palpáveis em detrimento de algo mais amigável para também alavancar todas as estratégias de marketing referente a venda produtos licenciados.

Andando contra a maré, “Kubo e as Cordas Mágicas” vem como a alternativa para pais e filhos um tanto exaustos desse filão, apostando em uma tradição da animação oriental madura sem necessariamente afastar os pequenos ou entediar os adultos. É um risco que resultou em fracasso comercial – nos Estados Unidos, “Kubo e as Cordas Mágicas” não deve igualar nas bilheterias o seu custo de produção -, porém, é certo que essa realização do estreante Travis Knight terá um impacto mais prolongado para aqueles que o assistirem. Uma indicação ao Oscar de Melhor Animação no próximo ano também é uma aposta quase certa.

Kubo (voz de Art Parkinson na dublagem em inglês) é um garotinho que vive isolado com a sua mãe (Charlize Theron) em uma montanha à beira do mar. Ela está em uma condição instável e, para garantir o sustento básico, Kubo vai à vila próxima para receber algum dinheiro das crianças e idosos encantados com as suas histórias que dão vida a personagens de origami a partir do toque de seu shamisen, tradicional instrumento de cordas japonês.

Mesmo com essa independência precoce, Kubo tem claro uma regra estabelecida pela sua mãe que jamais deve desobedecer: a de vagar fora de seu lar durante a madrugada. Eis que a norma é infringida, o que desencadeia uma série de ataques mal intencionados capitaneados por suas tias gêmeas (Rooney Mara). Para protegê-lo, a mãe de Kubo faz um encanto para que Macaca (também na voz de Charlize Theron) seja despertada de um amuleto e lute para uma resolução. Para auxiliá-los, entra em cena Besouro (Matthew McConaughey), criatura atrapalhada com grande domínio de arco e flecha.

Antes de aceitar o desafio em dirigir “Kubo e as Cordas Mágicas”, Travis Knight já tinha uma vasta experiência como animador, sendo o principal responsável por dar movimento para as criações de “Coraline e o Mundo Secreto“, “ParaNorman” e “Os Boxtrolls”. Essa bagagem só vem a somar para “Kubo e as Cordas Mágicas”, pois Knight e a sua equipe são muito imaginativos na arquitetura de personagens, ambientes e até mesmo dos climas tempestuosos que os rondam. Mas é o texto da dupla Chris Butler e Marc Haimes que realmente faz “Kubo e as Cordas Mágicas” sair da mesmice, indo até o fim diante de temas como família, sacrifício e misticismo nipônico a partir de vieses um tanto rígidos, mas recompensadores.

Resenha Crítica | Kóblic (2016)

Kóblic, de Sebastián Borensztein

Há cinco anos, o diretor e roteirista Sebastián Borensztein apresentou com “Um Conto Chinês” uma história tão excêntrica que até a ficção costuma processar com certo embaraço. Nela, temos o encontro de um recluso argentino, Roberto (Ricardo Darín), com Jun (Ignacio Huang), chinês que logo revelará que perdeu a sua amada após uma vaca cair no céu e atingi-la no barco em que passeavam romanticamente.

Em “Kóblic”, Borensztein volta a unir forças com Darín para levar ao público mais registro verídico. No entanto, aqui não há margem para a descontração ou a comoção a partir de algo excêntrico. Ao contrário, pois o recorte selecionado sobre a vida de Tomás Kóblic busca reviver o horror da ditadura militar na Argentina.

Kóblic (Darín) é um ex-comandante da Armada Argentina, tendo fugido do ofício a partir de um episódio traumático aos poucos descortinado pela narrativa. Em busca de um recomeço, Kóblic parte para uma província em que não pode ser reconhecido. A posição de desertor militar é a pior que se pode ter em tempos de ditadura e Kóblic logo será reconhecido por Velarde (Oscar Martínez), comissário corrupto obstinado em persegui-lo.

“Kóblic” tenta fazer mistério sobre o passado recente de seu personagem-título, falhando no primeiro flashback que toma a tela. Sequer ajuda a entrada de Nancy (Inma Cuesta), personagem que só vem pra reforçar a caracterização idealizada de heróis e vilões, tendo Darín todos os traços de galã sedutor enquanto Martínez é tomado por uma maquiagem que repugna a sua face. Realização totalmente convencional e com Ricardo Darín, com o perdão do trocadilho, no piloto automático.

Resenha Crítica | Demônio de Neon (2016)

The Neon Demon, de Nicolas Winding Refn

Verdade seja dita: nem todos eram familiarizados com o nome de Nicolas Winding Refn antes do sucesso de “Drive”. Responsável por filmes como a trilogia “Pusher” e “Bronson”, o realizador dinamarquês incorporou em “Drive” a sua estilização em um texto palatável para a audiência americana ao mesmo tempo em que se mostrava sedutor para a plateia europeia, recebendo até mesmo o prêmio de direção no Festival de Cannes.

A pegadinha é que Refn não conseguiu aliar o melhor desses dois mundos em que transitou nos seus passos seguintes. “Só Deus Perdoa” soou mais como um filme indesejado para o público ainda inebriado pela potência de “Drive”. Já “Demônio de Neon” resulta ainda mais desapontador. Trata-se de uma caricatura de si mesmo, com Refn autografando as suas pretensas iniciais como se fosse um equivalente a Yves Saint Laurent do cinema.

Antes de se transformar a partir de sua segunda metade em um “Suspiria” do mundo da moda, a atmosfera de mistério é relativamente bem sustentada em “Demônio de Neon”. Acompanhamos com interesse a jovem de 16 anos Jesse (Elle Fanning), que se move sozinha para Los Angeles sem deixar claro o que a atingiu para tomar uma medida tão extrema. Hospedada em um motel decadente gerenciado por Hank (Keanu Reeves), ela pretende seguir uma carreira de modelo, conseguindo um feedback positivo e imediato de uma prestigiada agência.

A beleza de Jesse pode ser comparada com a de uma flor que acabou de desabrochar, daquela impossível de ser reproduzida por suas concorrentes plastificadas, em especial Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), duas “veteranas” derrubadas com a sua vinda. Essa realidade implacável acaba por contaminar Jesse, que logo mais será vista superando a sua ingenuidade para abraçar uma depravação nem sempre focada pelas lentes dos estúdios fotográficos e passarelas.

Todos os personagens de “Demônio de Neon” são caricaturas grosseiras. Até mesmo o namorado de Jesse, Dean (Karl Glusman), o menos vil dos homens a serem apresentados, corresponde aquele padrão de garoto rico com predileções um tanto mórbidas. O propósito crítico de Refn com essa escolha é mais do que evidente, mas impossível de ser levado a sério. A inverosimilhança das interações chega a gritar ao Jesse estreitar laços com a maquiadora Ruby (Jena Malone) no segundo em que se conhecem. Sem nenhum embaraço, Ruby compartilha para Gigi e Sarah as confissões do passado de Jesse enquanto todas estão presentes no banheiro de uma boate. Tudo para as duas se reencontrarem aos sorrisos poucos dias depois como se essa traição nunca tivesse acontecido.

Se Refn faz pouco caso com o fator humano de seu filme, o empenho estético, no fim das contas, não vem a ser muito recompensador. O deslumbramento por cores fortes, a amplitude dos espaços e a inserção de simbolismos sem qualquer ressonância (como o uso excessivo de retas que formarão uma espécie de trindade do mal) só explicitam a limitação narrativa de seu cinema. “Demônio de Neon” mais parece um longo catálogo de moda preenchido de manequins do que propriamente um filme.

Resenha Crítica | O Bebê de Bridget Jones (2016)

Bridget Jones’s Baby, de Sharon Maguire

Desde a sua encarnação em 1995 em uma coluna do jornal The Independent, Bridget Jones é uma personagem amada pelos britânicos, representando um tipo de mulher moderna mais de acordo com aquelas que seguimos reconhecendo dentro de suas aspirações, obsessões e imperfeições.  Sabiamente, Helen Fielding soube aproveitar o potencial de Bridget não apenas com a publicação de livros, como também com a autorização para que estes ganhassem vida no cinema, estratégia que a transformou a sua criação em ícone da cultura pop.

Após o desapontador “Bridget Jones: No Limite da Razão”, que revisto hoje soa como uma versão infantilizada do charmoso original “O Diário de Bridget Jones”, o futuro de Bridget Jones parecia incerto no cinema, especialmente por algumas escolhas radicais de Helen Fielding em seu terceiro livro da personagem, “Louca Pelo Garoto”. Nele, temos uma Bridget cinquentona redescobrindo o seu poder de sedução após a morte de Mark Darcy, algo que foi encarado como uma punhalada no coração dos leitores.

Ainda que o nome de Fielding esteja creditado no roteiro e produção executiva, toda a equipe decidiu ser mais precavida em “O Bebê de Bridget Jones”, trazendo Bridget de volta com um roteiro totalmente original. Aqui com 43 anos, ela já não tem mais que brigar com a balança ou por um emprego promissor, mas continua nas crises amorosas que a notabilizaram. O perfil workaholic de Mark Darcy (Colin Firth) a fez botar um ponto final no relacionamento e, para contornar a recusa de Hugh Grant em reprisar o seu papel, Daniel Cleaver tem a sua ausência justificada por um episódio trágico.

Uma série de circunstâncias faz Bridget Jones ter relações sexuais com dois homens em uma mesma semana. O primeiro é Jack (Patrick Dempsey), sujeito boa-pinta que mais tarde ela descobre ser um guru do amor milionário. O segundo, claro, é Mark Darcy, com quem acaba deixando os ressentimentos um pouco de lado durante a festa de batizado do novo filho de sua amiga Jude (Shirley Henderson). O que era para ser casual acaba caindo como uma bomba para Bridget no instante em que se descobre grávida e não sabe quais dos dois é o pai.

Há seis anos sumida do cinema, Renée Zellweger tem um retorno triunfal ao papel que a transformou em estrela. Sem precisar de piscadelas para atrair o público, Renée é verdadeiramente adorável com a sua naturalidade ao dar vida à Bridget, especialmente ao encarar as características a princípio menos atrativas da personagem, como a incapacidade de se dirigir a um grande público sem se meter em algum constrangimento ou a de cair em furadas maiores do que o fundo do poço emocional em que está presa.

Diretora do original, Sharon Maguire compreendeu tudo o que fez de Bridget uma mulher muito além da mera heroína de comédia romântica ao conduzi-la ao cinema e o seu retorno atrás das câmeras em “O Bebê de Bridget Jones” é decisivo manter essa singularidade. Sem desconsiderar as virtudes do filme de 2001, Maguire dá novos passos ao situar Bridget em novos tempos, nos quais uma mulher se vê capaz de novas possibilidades dentro de dilemas gerados a partir de questões como casamento, maternidade, vida profissional e envelhecimento. A conclusão pode soar excessivamente conciliadora para os mais exigentes, mas nada que impeça o encanto que o filme tem em nos fazer sentir mais leves com a ternura bem particular que injeta a partir de suas situações adversas e cômicas.

O Cinema de Michel Ocelot | 12 – 18 de Outubro

Diretor e roteirista francês, Michel Ocelot é dono de uma carreira com títulos que costumam andar na contramão do que é produzido mundialmente em técnica animada, indo além da concepção de que as animações devem ser fofas e ingênuas para agradar o público infantil. Sem deixar de ser cativante, Ocelot busca contar histórias que não subestimam a inteligência das crianças, trazendo reflexões sobre as inúmeras nações existentes e as tradições culturais que elas carregam.

Michel Ocelot

A Mostra “O Cinema de Michel Ocelot” procura expôr essa singularidade do realizador de 73 anos a partir de uma seleção quase completa de sua filmografia, apresentando aos pequenos e adultos seis longas e cinco curtas-metragens. As exibições iniciam nesta quarta-feira, 12 de outubro, no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo.

Quem comparecer no feriado, terá um atrativo além dos filmes. Voltada para crianças a partir de oito anos, a Oficina de Stop Motion – Massinha Anima Mundi é uma diversão gratuita (mediante retirada de senha) para aqueles que querem também ter uma pequena noção sobre o processo de criar personagens e narrativas.

A seguir, confira a programação completa de “O Cinema de Michel Ocelot” – para consultar no site com todos os detalhes de cada sessão, basta clicar aqui:

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Quarta-feira, 12/10 11h – 17h Oficina de Stop Motion – Massinha Anima Mundi
14h Kiriku e a Feiticeira (Dublado)
16h Contos da Noite (Dublado)
18h As Aventuras de Azur e Asmar (Legendado)
Quinta-feira, 13/10 16h Kiriku e os Animais Selvagens (Legendado)
18h Príncipes e Princesas (Legendado)
Sexta-feira, 14/10 14h Sessão com Cinco Curtas (Legendado)
16h Kiriku e a Feiticeira (Legendado)
18h Kiriku: Os Homens e As Mulheres (Legendado)
Sábado, 15/10 14h Kiriku e Os Animais Selvagens (Dublado)
16h Kiriku: Os Homens e As Mulheres (Dublado)
18h Contos da Noite (Legendado)
Domingo, 16/10 14h Príncipes e Princesas (Dublado)
16h As Aventuras de Azur e Asmar  (Dublado)
18h Sessão com Cinco Curtas (Legendado)

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.:: SERVIÇO ::.
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112 – CentroCEP: 01012-000 | São Paulo (SP)
Ingresso: R$ 5 / Crianças até 10 anos: grátis
Bilheteria CCBB – a partir das 9h (na data da sessão).
Classificação indicativa: livre
Telefone e e-mail para informações: (11) 3113-3651 / ccbbsp@bb.com.br

Resenha Crítica | Coração de Cachorro (2015)

Heart of a Dog, de Laurie Anderson

It is a pilgrimage… towards what?

Artista multimídia, a americana Laurie Anderson certamente se viu sensibilizada com temas como a morte e o amor ao executar o seu trabalho com o peso da perda de Lou Reed, de quem foi companheiro de 1992 até o seu falecimento em 2013. Exibido no ano passado durante a 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, “Coração de Cachorro” vem a ser um dos resultados desta etapa em que Anderson se reservou para rever a sua filosofia de vida.

No entanto, o icônico roqueiro do “The Velvet Underground” é visto somente em breves segundos de gravações caseiras e não tem o seu nome citado por sua parceira na vida íntima e também artística. A primeira figura a se formar com a costura de imagens e sons experimentais é a de Lolabelle, terrier que não resistiu às doenças contraídas com o avanço da idade.

A partir de Lolabelle, Laurie Anderson compartilha outras circunstâncias particulares em que a linha entre a vida e a morte se mostrou tênue, seja em sua relação com o artista Gordon Matta-Clark, notório por suas intervenções em construções abandonadas, seja na paranoia pós-11 de Setembro. A fase de sua infância também desempenha uma participação importante na narrativa de “Coração de Cachorro”, especialmente no que se refere a um acidente que a enclausurou em um centro de emergência hospitalar e na dificuldade em reter boas lembranças envolvendo a sua mãe pouco amorosa.

Ainda que o documentário seja exclusivamente sobre as experiências dramáticas de Laurie Anderson ao longo de sua própria vida, não se pode caracterizá-lo como uma cinebiografia. A diretora rejeita uma linha do tempo linear e dá um novo sentido aos fragmentos de sua memória, sempre testando o potencial de uma linguagem que não se relaciona desde o curta-metragem de 2005 “Hidden Inside Mountains”.

Desenhos em movimento, justaposições, registros captados pelos mais variados suportes e uma narração terna formam um panorama reflexivo universal a partir da ideologia budista de Anderson para aplacar a tristeza de uma existência que segue testemunhando vários finais ao seu redor. Uma tristeza que Anderson não autoriza que a consuma até a vinda de seu próprio fim.

Os Cinco Filmes Prediletos de Wanderley Teixeira

Bem como aconteceu com muitos colegas que foram convidados para esta seção do Cine Resenhas, conheci o Wanderley Teixeira em uma reunião virtual entre pessoas de vários estados do país que escreviam sobre cinema, formando a partir dela a Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos. Quase 10 anos se passaram e amizades continuam se mantendo enquanto alguns fatores são rediscutidos, como as plataformas e o quanto a escrita sobre cinema tomou um espaço especial dentro de nossas vidas atribuladas.

No Wanderley, encontrei alguém não apenas com algumas predileções em comum, como também um amigo sempre ponderado e bem-humorado para trocar impressões. Amigo que finalmente pude conhecer pessoalmente recentemente e em grande estilo: numa sessão do CineSesc com cópia de 35mm de “French Cancan”, comédia musical de Jean Renoir que, curiosamente, tem como palco o Moulin Rouge, que vem a ser também o nome do filme com a nossa atriz favorita, Nicole Kidman.

Além do Chovendo Sapos, endereço que sustenta desde 2011, colabora ativamente para o Coisa de Cinéfilo, projeto que divide com duas amigas de Salvador, município em que vive. Com a vida acadêmica bem movimentada (é Graduado em Jornalismo e Direito e Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas), Wanderley reservou um tempo para comprovar a sua paixão por cinema a partir de comentários sobre os seus cinco filmes prediletos a partir de critérios que o próprio introduz a seguir:

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Acredito que a concepção de listas para qualquer um guarda em si um grande prazer na escolha daquilo que fará parte da seleção, mas também o receio de cometer alguma injustiça ou, no caso, esquecimento. Convidado pelo Cine Resenhas para escolher os meus cinco filmes prediletos, resolvi adotar como critério a escolha de títulos que foram representantes importantes dos meus primeiros passos como cinéfilo. Assim, o que verá a seguir é uma lista composta por títulos majoritariamente dos anos de 1990 e início dos anos 2000, épocas em que tive contato com alguns dos filmes mais importantes e marcantes da minha vida, não só pela experiência cinematográfica que proporcionaram, mas também porque se alinharam como fases e momentos determinantes da minha jornada pessoal.

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Magnólia (Magnolia)Magnólia, de Paul Thomas Anderson (Magnolia, 1999)

“Magnólia” é o melhor filme do cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson. Curiosamente, é aquele que acessa o espectador pela via mais simples: a do cotidiano e das relações humanas. Diretor que já se dedicou a retratar uma década no universo do cinema pornô (Boogie Nights) e a gana pelo petróleo na virada para o século XX (“Sangue Negro”), Anderson trabalha em “Magnólia” com as esgarçadas relações familiares de personagens comuns. Há uma evidente associação estabelecida pelo diretor entre a flor que dá título ao filme com os seus diversos núcleos de personagens representando pétalas unidas pela própria condição humana. Porém, o que confere poder a esse drama de Paul Thomas é a maneira com que o realizador dá forma épica ao que é da esfera íntima do indivíduo, como define José Francisco Montero, biógrafo do diretor. Assim, em “Magnólia”, Paul Thomas Anderson entende que o caráter épico da jornada humana não está nos grandes feitos, não são eles os responsáveis pelas transformações, mas sim os momentos que nos testam na esfera mais íntima.

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As Horas, de Stephen Daldry (The Hours, 2002)As Horas, de Stephen Daldry (The Hours, 2002)

É difícil definir em poucas linhas sobre o que trata “As Horas”, adaptação do livro de Michael Cunningham tão bem realizada por Stephen Daldry. Há leituras do filme que dão conta de uma obra com preocupações sobre a questão da gradual emancipação feminina, outros levantam a importância do longa na dimensão que dá ao problema da depressão e suas consequências. Todas estas leituras de “As Horas” estão no longa e são válidas, mas, de uma maneira geral, sempre percebi o filme de Stephen Daldry como um estudo sobre a própria vida, sobre as escolhas que fazemos nela, o que queremos dela, o que temos dela em troca e como é difícil lidar com tudo isso, aceitar as ausências do happy end em razão de movimentos que realizamos em prol da própria felicidade. O filme nos dá a dimensão de como cada instante da vida é marcado por cumes de realização, melancolia e decisões que repercutem por toda uma trajetória. Isso é sintetizado na micro jornada de um dia na vida das suas protagonistas: a escritora Virginia Woolf (Nicole Kidman), que escreve o clássico Sra. Dalloway; a editora de livros Clarissa Vaughan (Meryl Streep), que sempre fora comparada com a protagonista da obra; e, principalmente, Laura Brown (Julianne Moore), que lê o título e toma uma decisão que repercute severamente no destino de muita gente.

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O Rei Leão (The Lion King)O Rei Leão, de Rob Minkoff e Roger Allers (The Lion King, 1994)

“A Bela e a Fera” foi o primeiro filme que assisti no cinema, mas, considerando todo o catálogo Disney dos anos 1990, “O Rei Leão” é o filme de uma geração – além do que, foi minha primeira VHS, gasta com o tempo de tanto que foi testada pelo videocassete. A jornada do leãozinho Simba é repleta de questões pontuais sobre o rito de passagem para a vida adulta. Desde a percepção infantil sobre o que é assumir um reino até a recusa de Simba a sucessão do pai quando adulto, “O Rei Leão” expõe aquilo que a vida mais requer de nós:  responsabilidade. E como é difícil encarar esse processo! Repleta de personagens que se transformaram em referência para uma geração com cenas, frases e canções repetidas até hoje em qualquer circunstância, a animação é o grande feito dos estúdios Disney e dá provas do seu caráter atemporal.

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Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park)Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, de Steven Spielberg (Jurassic Park, 1993)

Enquanto a geração que me antecedeu sonhava pilotar a Millennium Falcon e a dos anos 2000 queria passar uma temporada em Hogwarts, meus contemporâneos só pensavam em catalogar os fascículos da revista “Dinossauros!” da editora Globo (nunca consegui completar aquele tiranossauro rex!)  e até sonhavam em ser paleontólogos quando crescessem. Até hoje, lembro da sensação de assistir “Jurassic Park” nos cinemas em 1993 e testemunhar em cores e texturas a concepção das criaturas pré-históricas do parque dos dinossauros graças aos feitos tecnológicos bancados por Steven Spielberg e que hoje parecem comuns com a banalização do CGI nos blockbusters. Além de ser um colosso tecnológico que impressiona até hoje e parece muito mais eficiente que seus similares mais recentes, “Jurassic Park” traz Spielberg naquilo que sempre foi sua especialidade, o cinema escapista, e ainda proporciona reflexões pertinentes sobre a importância da ética no trato das descobertas científicas e tecnológicas.

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Central do BrasilCentral do Brasil, de Walter Salles (idem, 1998)

A maturidade traz como risco nossa transformação em pessoas amargas, pragmáticas e pessimistas e é comum que tenhamos mais contato com narrativas que deem conta desse processo do que o inverso, que quando ocorre sempre surge coberto por um manto de artificialidade e pieguice. “Central do Brasil” é um filme que trata do processo de reconstrução da humanidade de Dora, personagem defendida por Fernanda Montenegro em interpretação marcante, a partir da sua relação com o menino Josué, de Vinícius de Oliveira. Walter Salles é um caso raro de realizador que consegue aliar domínio técnico e narrativo da linguagem com a construção de uma história com alma o suficiente para conquistar o coração do público sem “forçação de barra”. “Central do Brasil” é o exemplar máximo dessa qualidade do diretor e até hoje me provoca arrepio e conforto no coração assistir a despedida de Dora e Josué ao som da trilha sonora de Antonio Pinto e Jacques Morelenbaum.

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Resenha Crítica | No Fim do Túnel (2016)

Al final del túnel, de Rodrigo Grande

Não há exercício para domínio de narrativa e direção que um artista encontrará resultados mais claros do que o desafio em mergulhar em um filme de suspense. Não à toa, são poucos os nomes que conseguiram a alcunha de mestres ao basear a sua carreira no gênero, a exemplo de Alfred Hitchcock. Pois é no realizador inglês que Rodrigo Grande parece se inspirar em “No Fim do Túnel”, o seu quarto longa-metragem por trás das câmeras.

Bem como James Stewart em “Janela Indiscreta”, o personagem do excelente Leonardo Sbaraglia (que também está no recente “O Silêncio do Céu“), Joaquín, é um sujeito preso a uma cadeira de rodas enquanto se vê elucidando um mistério que pode colocar a sua vida em perigo. Porém, ao contrário do protagonista de Hitch, o condição de Joaquín é permanente, tendo a sua própria residência adaptada para realizar serviços eletrônicos no porão e as atividades rotineiras no térreo.

O andar superior está vago e é ele que Berta (Clara Lago) aluga junto com a sua filha Betty (Uma Salduende), garotinha que está há aproximadamente dois anos sem dizer uma palavra. Durante o processo de adaptação de suas inquilinas, Joaquín ouve sem querer uma conversa suspeita acontecendo na residência vizinha. A curiosidade o faz preparar uma aparelhagem que rende um olhar exclusivo para acompanhar os desdobramentos do que se revela um plano de assalto a um banco a partir de uma escavação.

Nem todo mundo é o que parece em “No Fim do Túnel”, algo que se confirma já no caráter um tanto duvidoso de nosso “herói” Joaquín, homem solitário que vê no crime uma oportunidade perfeita para também tirar um pouco de grana (os documentos espalhados em sua escrivaninha entregam as dívidas que contraiu nos últimos meses). Porém, ele sabe que está fazendo de bobo um grupo de ladrões perigosíssimo, liderado por Galereto (Pablo Echarri).

As restrições de espaço privilegiam o trabalho de Rodrigo Grande no sentido de como ele organiza o seu ambiente de tensão. Além de um trabalho sonoro especialmente imaginativo na fusão de trilha com ruídos de objetos, há uma câmera que sempre busca ilustrar a condição claustrofóbica do protagonista. São habilidades muito difíceis de se manter em um filme de duas horas, algo que Rodrigo Grande tira de letra no curso de uma trama que ainda reserva um ato final cheio de reviravoltas bem pregadas e nós em todas as pontas soltas.

Resenha Crítica | Apesar da Noite (2015)

Malgré la nuit, de Philippe Grandrieux

.:: INDIE 2016 Festival Cinema ::.

A obra do cineasta Philippe Grandrieux está alocada em um espaço bem incômodo da cinematografia francesa. Bem antes de estrear da direção de um longa de ficção em 1998 com “Sombre”, Grandrieux já havia se submetido a experimentos visuais que o alçaram a alcunha de artista alternativo e transgressor. Como se espera, “Apesar da Noite” vem a corresponder essa expectativa, para o bem ou para o mal.

A princípio, pode-se dizer que há um quadrado amoroso em formação na narrativa de “Apesar da Noite”. Quatro jovens demonstram uma ligação muito íntima. Lenz (Kristian Marr) é o pivô das relações, retornando a Paris após uma longa estada na Inglaterra com a justificativa de reencontrar um amor desfeito, Madeleine, que teria desaparecido sem deixar vestígios. O primeiro a rever é o seu grande amigo Louis (Paul Hamy), que parece ter um relacionamento aberto com Lena (Roxane Mesquida). Paralelamente, conhece e se apaixona por Hélène (Ariane Labed), uma enfermeira de passado nebuloso.

Sem abandonar o elo amoroso que ata os personagens, “Apesar da Noite” inicia uma investigação bem sombria sobre cada um deles, culminando na aproximação perigosa com o universo da produção pornográfica hardcore, com a chantagem e o horror pontuando os passos de Lenz. Um território perfeito para Grandrieux exercer o seu fascínio por imagens fortes, mas sem ressonância.

Com duas horas e meia de duração, Grandrieux a princípio manipula os seus personagens com uma série de enigmas, desde a exibição de uma gravação com os requintes de crueldade dos snuff movies trazendo uma vítima com o rosto ocultado por uma máscara sadomasoquista até a coincidência de Lena e Hélène terem nomes sonoramente tão similares com o de Madeleine. Tudo para culminar na previsível explosão de corpos nus e violência gráfica que não legitimam os personagens e que os carregam a um ato final que nos angustia por trazer desdobramentos que parecem jamais nos levar a uma conclusão.

Resenha Crítica | O Que Está Por Vir (2016)

L’avenir, de Mia Hansen-Løve

.:: INDIE 2016 Festival Cinema ::.

Enquanto em Hollywood ainda existe um movimento que busca reverter a obsolescência de atrizes veteranas a partir do protagonismo em filmes, o cinema europeu está a anos luz na dianteira, com realizadores que não se furtam de contar as histórias que desejam por causa da idade de seus personagens. Hoje com 63, anos, Isabelle Huppert vem a ser uma das atrizes mais requisitadas para papéis em que os anseios da terceira idade são um dos motes de um roteiro.

Em “O Que Está Por Vir”, Huppert é Nathalie Chazeaux, uma professora de filosofia flagrada em um momento no qual o castelo de cartas que é a sua vida começa a desmoronar. Os primeiros abalos são aqueles que correspondem à vida profissional, tendo dificuldades em ministrar aulas com as greves que tomaram as escolas e a de ver os seus livros didáticos com riscos de não receberem novas edições pela primeira vez.

Também há abalos em outros campos gerenciados por Nathalie. Com os filhos já crescidos e morando fora de casa, ela precisa se desdobrar sozinha para cuidar da mãe (Edith Scob) e ainda processar o rompimento com o seu marido, Heinz (André Marcon), que assume o caso com uma aluna bem mais jovem. Com todas as surpresas e contratempos, teria ainda Nathalie o oportunidade para se renovar?

Com apenas 35 anos de idade, a diretora e roteirista Mia Hansen-Løve compreende muito bem o momento da existência humana que a sua protagoniza atravessa, algo que comprova na escolha de seguir uma narrativa linear especialmente no fator emotivo, fazendo com que os revezes sejam enfrentados por Nathalie com uma lucidez talvez não tão condizente para uma mulher ainda em progresso. Novamente um belo registro em tom de crônica, encontrando beleza e encanto a partir da banalidade da existência humana.