Os Cinco Filmes Prediletos de Rubens Francisco Lucchetti

Se você é um leitor assíduo, Rubens Francisco Lucchetti, ou R. F. Lucchetti, é um nome que certamente passou por sua bagagem literária. Com mais de mil livros de sua autoria publicados, o escritor nascido em Santa Rita do Passa Quatro é o grande Mestre do Horror brasileiro, tendo iniciado o ofício quando ainda era pré-adolescente e construído uma carreira não somente com romances, mas também com histórias em quadrinhos, a editoria de jornais e revistas, a produção de programas radiofônicos, entre tantas outras ocupações criativas.

Com a criação de uma conta no Facebook, vinda após o rompimento de um hiato, uma nova luz de fascínio foi lançada sobre Lucchetti e a sua obra, estabelecendo um contato direto com os seus inúmeros fãs a partir de pensamentos sobre a vida e a literatura de horror ao mesmo tempo em que exerce a sua invejável vitalidade aos 87 anos prosseguindo ininterruptamente com a escrita.

O meu primeiro contato com o universo assombrado de Lucchetti veio com a Série Vaga-Lume a partir de “O Fantasma de Tio William”, que segue por novas gerações como um de seus livros mais queridos. Mais recente é o meu acesso aos seus feitos como roteirista de cinema. Foi durante uma rápida conversa que tive com o Ivan Cardoso após a exibição de “O Segredo da Múmia” na Mostra Cinema de Invenção, realizada no fim de novembro de 2016 no CineSesc, que pensei em contatar o Lucchetti para a participação desta seção do Cine Resenhas.

Também aficionado por cinema desde novo, chegou a ser co-fundador do Clube de Cinema de Ribeirão Preto e gerente do Cine Centenário no início dos anos 1960, à época uma popular sala de cinema situada no centro de Ribeirão Preto. Ainda hoje, explicita o seu lado cinéfilo em postagens públicas e em entrevistas, sendo o terror, assim como na literatura, o seu gênero favorito. É o que demonstra em uma seleção de filmes que o marcaram, disponível a seguir.

Em tempo: além de um site, é possível contatar e solicitar livros com o próprio Lucchetti em seu perfil no Facebook. Na compra direta com o Mestre, os títulos, como os da Coleção R. F. Lucchetti lançada pelo selo Editorial Corvo, são acompanhados com dedicatórias.

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Sangue de Pantera, de Jacques Tourneur (Cat People, 1942)

Foi o primeiro filme da série de Horror produzida por Val Lewton nos anos 1940 para a RKO.

Eu o assisti por volta de 1948 num cinema de Ribeirão Preto (interior do estado de São Paulo). E logo percebi o quanto eram banais as fitas de Horror que havia visto até então.

É um filme em que o horror é conseguido por meio de ruídos ou sombras. Ou seja, como o horror deve ser: totalmente subjetivo.

A fita conta com a presença da enigmática Simone Simon. Ela e a inglesa Barbara Steele são os dois maiores expoentes femininos do Horror cinematográfico.

Olhos Diabólicos, de Mario Bava (La ragazza che sapeva troppo, a.k.a. A Garota Que Sabia Demais, 1963)

Com esse filme, Maria Bava inaugurou um novo gênero cinematográfico: o Giallo, que é o filme de Suspense à italiana.

É uma fita insuperável.

Tem uma sequência que merece figurar em qualquer antologia cinematográfica: a da jovem norte-americana que presencia, de madrugada, um assassinato numa praça (cheia de escadarias) em Roma. É uma sequência em que sentimos a presença do diretor  e do fotógrafo Maria Bava.

Le Frisson des Vampires, de Jean Rollin (idem, 1971)

É, sem dúvida, o mais surrealista dos filmes do surrealista Jean Rollin.

Quando você assiste a essa fita, tem a impressão de estar sonhando ou delirando. Porque, como em todo sonho ou delírio, tudo é irreal, mas você vê como se fosse real e natural.

Há uma sequência que destaco: a da mulher-vampiro saindo de dentro de um carrilhão.

O Magnífico, de Philippe de Broca (Le magnifique, 1973)

Quando assisti a esta fita, imediatamente vi-me retratado no personagem principal, um autor de livros populares (interpretado por Jean-Paul Belmondo). Até parecia que eu estava vendo nas telas a minha biografia.

O filme conta com a presença de Jacqueline Bisset no auge de sua beleza.

De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick (Eyes Wide Shut, 1999)

O filme-testamento de Stanley Kubrick.

Penso que é uma das fitas mais intrigantes da história do Cinema.

É um filme que você jamais esquece. E, a cada vez que você o assiste, faz uma nova leitura dele. É uma fita que deixa o espectador num permanente estado de expectativa.

Para mim, é a grande obra-prima dos anos 1990.

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Resenha Crítica | Souvenir (2016)

Souvenir, de Bavo Defurne

Anteriormente programado para estrear em junho, a distribuidora Pandora Filmes fez bem em antecipar “Souvenir” para este início de março, poucos dias após o fim da trajetória da atriz Isabelle Huppert no award season por sua interpretação em “Elle”. Quem não estava familiarizado com a carreira da francesa, testemunhará a sua versatilidade em um papel totalmente oposto ao de sua memorável Michèle Leblanc. Já os seus fãs de longa data poderão desfrutar em “Souvenir” outra faceta de seu talento: o canto.

Aqui, Huppert vive Liliane Cheverny, uma mulher que trabalha silenciosamente em uma fábrica de bolos, sendo responsável por dar o toque final na sobremesa adicionando três ingredientes decorativos. Trata-se de uma rotina padronizada e de desencantos que Bavo Defurne capta com uma câmera rígida em sua exposição dos vazios que rondam Liliane.

Os seus dias passam a ganhar tons mais coloridos com a vinda de Jean Leloup (Kévin Azaïs), um jovem recentemente empregado que de imediato associa Liliane à Laura, uma celebrada candidata do Festival Eurovisão da Canção que caiu no anonimato após perder uma final com o grupo ABBA – nenhum paralelo com a realidade, pois o grupo sueco, vencedor da edição de 1974, bateu a italiana Gigliola Cinquetti. Pois as suspeitas logo se confirmam e Jean começa a incentivá-la a voltar a cantar.

O que vem a seguir é um relacionamento encenado de modo maduro entre duas pessoas com idades bem distintas, mas Defurne, com a contribuição de Jacques Boon e Yves Verbraeken no roteiro, fica devendo nos demais aspectos, a exemplo da inconstância dos personagens. Liliane/Laura e especialmente Jean alternam da doçura para a fúria por vezes sem muito embasamento dramático, bem a mãe de Jean, Martine (Anne Brionne), que passa a se comportar de modo nada cordial ao descobrir que há algo sério entre os dois.

De qualquer modo, “Souvenir” resulta simpático quando consegue ornar as suas disparidades, valendo especialmente pela presença sempre forte de Isabelle Huppert, que entrega uma performance vibrante de “Joli garçon”, canção de Pink Martini que será a responsável pelo renascimento de sua protagonista. Sair da sessão cantarolando será inevitável.

Resenha Crítica | Versões de Um Crime (2016)

The Whole Truth, de Courtney Hunt

A americana Courtney Hunt teve uma estreia como diretora e roteirista não menos que notável com “Rio Congelado”, drama de 2008 produzido com somente 1 milhão de dólares que possibilitou à Melissa Leo um reconhecimento mundial a partir de sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel de uma mulher castigada pelas circunstâncias que luta para dar uma vida digna aos dois filhos que teve com um homem que a abandonou. Mesmo ainda hoje lembrado, a produção independente não rendeu à Hunt novas oportunidades, tendo exercido o seu talento atrás das câmeras posteriormente somente em três episódios de “Em Terapia” e em dois de “Lei e Ordem: Unidade de Vítimas Especiais”.

Lamentavelmente, o caso de Hunt é parecido com o de outras colegas como Audrey Wells (“Sob o Sol da Toscana”), Christine Jeffs (“Chuva de Verão”) e Tamara Jenkins (“A Família Savage”), que sumiram do mapa após pequenos grandes feitos como diretoras autorais em seus primeiros passos. Em “Versões de Um Crime”, restou à Hunt o ingrato trabalho de lidar com algo que claramente nenhuma sintonia encontra com o talento demonstrado previamente, conduzindo uma narrativa sem qualquer personalidade.

Ramsey (Keanu Reeves, substituindo Daniel Craig) é o advogado da família formada por Boone (Jim Belushi), Loretta (Renée Zellweger) e Mike (Gabriel Basso). Logo no início da história, sabemos que Boone foi assassinado e Mike, o seu filho, não faz nenhuma cerimônia em admitir o crime, embora tenha estabelecido desde então um voto de silêncio. Com dificuldades em fazer a sua defesa, Ramsey acaba aceitando a contribuição de Janelle (Gugu Mbatha-Raw, em um papel parecido com o qual interpretou no excelente “Armas na Mesa”), filha de um influente advogado.

Enquanto acompanhamos as declarações das testemunhas, flashbacks reforçam cada palavra expressa, criando uma ilusão de que todos ali estão sustentando versões fantasiadas dos fatos. Portanto, a garantia de que Mike será acusado por crime em primeiro grau se transforma em dúvida, uma vez que parece existir uma motivação bem reveladora para justificar um crime familiar tão brutal e polêmico.

Em um momento em que seriados na linha de “Divisão Criminal” e “The Good Wife” deixaram um legado com um sem número de casos judiciais, complicou para o cinema produzir filmes que mantenham o foco do espectador ao alongar os desdobramentos de apenas um crime nos tribunais. É uma constatação que enfraquece “Versões de Um Crime” já em seu primeiro ato, mesmo contando com o pedigree da assinatura de Nicholas Kazan no roteiro, nome responsável pelo já clássico “O Reverso da Fortuna”.

Porém, muito mais que genérico e com interpretações no piloto automático de todo o elenco, “Versões de Um Crime” incorre ao risco de atirar pela janela tudo o que construir em favor de um ato final que busca surpreender ao exibir as verdadeiras faces dos personagens. Assim, o que soava como uma explanação sobre um ato de violência sendo abafado por outro ato de violência perde toda a sua credibilidade e coerência por um movimento estratégico que exibe a presunção de um texto em demonstrar uma esperteza patética o suficiente para ser antecipada a milhas de distância.

Resenha Crítica | King Cobra (2016)

King Cobra, de Justin Kelly

Ainda na ativa, o americano Brent Corrigan foi encarado como uma verdadeira revelação na indústria pornô há mais de 10 anos. Mesmo novato, o rapaz não demonstrava nenhuma inexperiência diante das câmeras, lidando com produções um tanto hardcores com astros veteranos. No entanto, há algo de obscuro em sua biografia, um borrão concentrado justamente em seus primeiros passos como ator pornô.

Realizado logo após “I Am Michael”, relato sobre o ativista homossexual Michael Glatze que se converteu em um pastor homofóbico, Justin Kelly cobre em “King Cobra” justamente essa etapa em que Brent Corrigan ainda era desconhecido, encontrando em filmes pornográficos gays uma possibilidade para exercer as habilidades desenvolvidas durante uma graduação em cinema, buscando uma estabilidade para posteriormente fortalecer o estrelato também como diretor e produtor.

Nesta época, Brent, que é interpretado por Garrett Clayton, teve a sua primeira chance de ouro ao ser descoberto por Stephen (Christian Slater, excelente), sujeito que usa o trabalho de fotógrafo de assuntos familiares como camuflagem para o estúdio pornográfico que sustenta com produções online, um sucesso em tempos em que o download não pago ainda não era um costume por consumidores que privilegiam seu anonimato. Mesmo com uma cartela vasta de atores, Brent acaba se transformando em seu carro-forte, dando início a um jogo antes amoroso e adiante manipulativo.

Porém, as verdadeiras perversões da indústria são integralmente exibidas com o foco em Harlow (Keegan Allen) e Joe (James Franco), dois amantes e sócios de uma empresa falida por suas extravagâncias que querem trazer Brent a bordo para multiplicar os seus clientes. Como se sucedeu na vida real, o encontro entre essas duas duplas acarretará em uma série grave de consequências.

Com exceção de James Franco, em mais uma de suas interpretações intrusivas e narcisistas, todo o elenco corresponde ao desafio de elucidar os meandros da pornografia mesmo não se entregando ao conteúdo explícito que a sustenta. Parece até mesmo existir um comentário tanto na escalação do ex-astro da Disney Garrett Clayton como Brent quanto nas breves participações de Alicia Silverstone e Molly Ringwald, que no passado serviram de modelos comportamentais ao estrelarem comédias teens.

Ainda assim, mesmo incorrendo a uma condução que pode ser confundida com a de uma produção televisiva, Justin Kelly acerta mesmo é em flagrar um tema proibido com um olhar especialmente atento ao lado podre do prazer, como se proporcioná-lo estivesse diretamente associado ao desejo por um poder imediato sobre aqueles que o consomem e o produzem, por vezes efetivando-o com um crime.