Scary Mother, de Ana Urushadze
.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.
Muito mais que o esforço em conceber novas histórias, ser um escritor muitas vezes implica em acessar áreas bem desagradáveis da memória para assim encontrar aquela inspiração que resultará em personagens, cenários e as suas relações interpessoais. Pode ser ainda pior para uma mulher que constituiu família e que por vezes se vê desconfortável com a sua função quando não encontram um teto todo seu para a escrita.
Basicamente, “Scary Mother” trata desses dois revezes, trazendo Manana (a notável Nato Murvanidze), uma mulher de meia-idade, com o desejo de produzir um novo livro ao mesmo tempo em que a sua vida privada a impede de avançar, chegando ao ponto de assombrá-la. Sem aquela redoma obrigatória em que um escritor se refugia, Manana não consegue avançar, principalmente por ter um marido, Anri (Dimitri Tatishvili), pouco respeitável com o processo criativo que precisa estabelecer.
Ao contrário do que o título em inglês sugere, esse filme de Ana Urushadze, selecionado da Geórgia para disputar uma das cinco vagas ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro, não envereda pelo horror, ainda que haja muito mistério a partir do instante em que Manana aceita o convite de um senhor dono de uma papelaria, Nukri (Ramaz Ioseliani), para transformar um cômodo em seu escritório e quarto. É o ponto em que a sua realidade poderia muito bem ser processada em páginas de um romance.
O passado de Manana também vai se manifestando, seja com os reencontros com o seu pai (Avtandil Makharadze), de quem pareceu sempre viver à sombra, seja da menção deste à morte trágica de sua mãe, da qual teme ser uma reprise. Quem escreve, os seus demônios exorciza. Menos na condição de Manana, em circunstâncias que parecem condená-la inconscientemente a reproduzir na ficção os seus tormentos mais íntimos.
