Resenha Crítica | As Boas Maneiras (2017)

As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra

.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Excetuando “O Silêncio do Céu”, Juliana Rojas e Marco Dutra nunca deixaram exatamente de trabalhar juntos após despontaram no surpreendente “Trabalhar Cansa”, mesmo com um executando funções secundárias no projeto do outro. Ainda assim, era aguardada com grande expectativa uma parceria legítima como olhares por trás de uma mesma câmera.

Tal reencontro acontece agora com “As Boas Maneiras”, em que também reafirmam o interesse por histórias com tons fantásticos. Mas se em “Trabalhar Cansa” a criatura que assola um casal que compra um mercadinho serve como metáfora para o nosso selvagem mundo capital, aqui a que se concebe é uma ameaça pura e simples.

Clara (Isabél Zuaa) é uma mulher em busca desesperada por emprego que obtém a confiança de Ana (Marjorie Estiano, cada vez melhor atriz), que a contrata formalmente como babá para em seguida fazer o uso que desejar dela, desde para a faxina e a alimentação da casa até a assistência nas compras de roupas. Uma condição que Clara aceita, especialmente pelos sintomas da gestação de Ana, como as fortes contrações, a pressão alta e, pior, o sonambulismo.

Para a segunda metade, o texto executa um ponto de virada em que as coisas mudam radicalmente para Clara, antes processando algo que desafiava as suas certezas e que no tempo presente se fortalece como um fardo a carregar. Primeiro a sugestão. Agora, o horror materializado.

As experiências solos de Rojas e Dutra os amadureceram, com a primeira experimentando o musical e o segundo até mesmo se aventurando na produção estrangeira. Pois “As Boas Maneiras”, em boa parte financiado pelos franceses, refaz uma dupla bem mais arrojada na direção do elenco, na apropriação dos espaços e das suas cores.

A São Paulo de “As Boas Maneiras” é particularmente fascinante, com a sua noite remetendo a um clima gótico que hipnotiza. As tonalidades idem, ainda que as tomadas diurnas soam mais artificiais pelas luzes naturais forjadas e que as intervenções de computação gráfica reduzam o impacto de algo que poderia muito bem contar com soluções práticas.

Se é imperfeito, ao menos o rumo não sabota a chegada ao destino pretendido de desenvolver uma história sobre os sacrifícios indissociáveis do instinto de proteção de uma mulher que toma para si o papel de mãe.  E não há maior exemplo de clareza dessa intenção do que a belíssima conclusão de um filme que dá as mãos a um folclore para elevá-lo a algo mais substancial.

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+ Entrevista com os diretores Juliana Rojas e Marco Dutra
+ Entrevista com Isábel Zuaa
+ Entrevista com Marjorie Estiano

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