Resenha Crítica | Construindo Pontes (2017)

Construindo Pontes, de Heloísa Passos

.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Mais do que nunca, há hoje uma divergência de ideologias que separa uma geração de jovens e adultos, pais e filhos. Isso se dá com o fim de certas convenções determinadas com a virada do último século, libertando das correntes pautas como o feminismo e os direitos da comunidade LGBT, somente para citar alguns exemplos.

O documentário “Construindo Pontes” confirma outro tema discutido com muito calor em nossa contemporaneidade: a política. Possivelmente um sintoma da propagação das redes sociais, assegurando a todos um palanque virtual para expor as suas convicções quanto aos poderes que regem a sociedade.

No entanto, o registo de Heloísa Passos foca um conflito de opiniões e defesas de longa data, em que uma ruptura entre ela e seu pai Alvaro se deu quando a ditadura militar se dissolvia no país. Um rompimento não exatamente de relação familiar, mas de que seria impossível um convívio pacífico entre duas pessoas com pensamentos que se confrontam.

Trata-se, portanto, de um documentário bem particular, à moda “Os Dias com Ele”, embora aqui não haja um pai com sequelas dos tempos de chumbo, mas, assim como outros de sua época, um tanto coniventes com a ordem estabelecida por militares. São memórias revividas em projeções de Super 8, em que imagens de usinas hidrelétricas confirmam um passado de glória de Alvaro como arquiteto.

Diretora de fotografia com vasto repertório, Heloísa Passos busca na linguagem documental uma reconciliação com intenções ficcionais, especialmente em um terceiro ato em que caça o plano perfeito. É uma história que termina sem fim – com Heloísa incompreendendo com fúria um Alvaro com perspectiva diferente quanto ao que aconteceu e acontece no Brasil. Ainda assim, não deixa de apontar para um rumo de tolerância, possível quando se constata que os anseios são os mesmos, ainda que seguindo por lados opostos.

Resenha Crítica | A Sombra da Árvore (2017)

Undir trénu, de Hafsteinn Gunnar Sigurðsson

.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Do pequeno recorte apresentado no Brasil tanto em festivais quanto no circuito comercial, dá para deduzir que os islandeses não têm qualquer pudor em exibir na ficção as suas imperfeições, marcadas por falhas de caráter na formação da própria identidade e mesmo quando maduros solitários ou com famílias constituídas. Como no melhor dessa cinematografia tão particular, “A Sombra da Árvore” nos leva a essa avaliação no curso da narrativa de modo desconcertante.

O prólogo é por si só envolve uma situação embaraçosa, na qual o protagonista Atli (Steinþór Hróar Steinþórsson) é flagrado pela própria esposa, Agnes (Lára Jóhanna Jónsdóttir), se masturbando com um vídeo caseiro em que transa com a sua ex-namorada Rakel (Dóra Jóhannsdóttir). De imediato, é chutado do apartamento que divide com ela e a filha Asa (Sigrídur Sigurpálsdóttir Scheving), forçando-o a viver novamente com os pais, Inga (Edda Björgvinsdóttir) e Baldvin (Sigurður Sigurjónsson).

É esse casal na amargura da terceira idade que aos poucos vai assumindo um papel cada vez mais central no roteiro de “A Sombra da Árvore”, evidenciando interesse de seu realizador Hafsteinn Gunnar Sigurðsson em comprovar que a nossa natureza selvagem é despertada diante de um leve desentendimento ou de um vacilo que condena toda uma relação construída.

Se Atli pena para reassumir os papéis de marido e pai, Inga e Baldvin vão se envolvendo em um imbróglio iniciado com a queixa de seus vizinhos, Eybjorg (Selma Björnsdóttir) e Konrad (Þorsteinn Bachmann), quanto a uma árvore que estaria impedindo a passagem de luz natural no quintal deles. De uma troca de palavras nada cordiais, a coisa vai se transformando em uma disputa, com um casal invadindo o espaço do outro, seja com a surpresa de ter todos os pneus de um carro furados, seja com o aparecimento de anões de jardim em poses indiscretas.

Porém, ao invés de assumir um tom dramático, “A Sombra da Árvore” vai paulatinamente virando uma comédia de humor negro, convidando o público a rir de crueldades uns contra os outros de desafiar a nossa consciência. Pois nada melhor do que um filme provocador para propor uma discussão sobre o apego excessivo que temos por nossas convicções.

Resenha Crítica | Thor: Ragnarok (2017)

Thor: Ragnarok, de Taika Waititi

Do atual universo da Marvel, os filmes de Thor talvez sejam os menos cativos. Talvez isso aconteça porque são também aqueles em que o tom mais se transforma a cada exemplar, como se funcionassem como obras individuais.

No original de 2011, Kenneth Branagh parecia deslocado em dar os seus característicos tons shakesperianos em algo vindo dos quadrinhos. Melhor foi o que Alan Taylor fez dois anos depois em “O Mundo Sombrio”, bem mais divertido e criativo em sua ação, como o fabuloso clímax em que uma batalha se dá por teletransportes.

Nascido na Nova Zelândia, Taika Waititi surge na terceira aventura solo de Thor para outra vez trazer o Deus do Trovão em algo bem diferente do que já foi proposto. E isso é patente já no vasto material de divulgação, com cores berrantes que parecem saídas de um arcade oitentista.

Tudo isso é um bom sinal, pois assegura que a marca do diretor de “O Que Fazemos nas Sombras” e “A Incrível Aventura de Rick Baker” foi preservada, mesmo dentro de uma produção de escala totalmente distinta com a qual já operou. Há até indícios de que Waititi propôs uma dinâmica de improviso, reconhecível no desempenho de Chris Hemsworth, com um excelente tino de humor antes explorado apenas em “Caça-Fantasmas”.

Porém, o resultado que vai se pintando na tela não é lá tão atrevido. Isso porque as amarras de uma típica aventura de super-heróis voltam a se repetir. Filmes se passaram e Thor e Loki (Tom Hiddleston) seguem no mesmo clima de cumplicidade e traição que já deveriam ter se resolvido. Já a profecia que determina o fim de Asgard é pretexto para encenar a cansada premissa de dominação e destruição de uma humanidade. Mesmo a Hela de Cate Blanchett não se desvincula da extensa lista de vilões esquecíveis da Marvel. E o excesso de humor chega a se exceder ao ponto de ficar infantilizado, como bem aconteceu em “Doutor Estranho”.

A melhor coisa aqui é mesmo o aprisionamento de Thor em um planeta dominado pelo afetadíssimo Grandmaster (Jeff Goldblum). É aí que as faíscas de originalidade surgem, mesmo que o ressurgimento de Hulk (Mark Ruffalo) tenha sido lamentavelmente antecipado pelos trailers. No fim das contas, tantos componentes parecem funcionar melhor quando unidos como o coletivo Vingadores.

Resenha Crítica | Bio (2017)

Bio, de Carlos Gerbase

.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Quando a estrutura de “Bio” superar a impressão inicial de estranheza, será fácil pensar que Carlos Gerbase talvez estivesse inspirado pelos filmes de Christopher Guest. Mesmo sendo um longa de ficção, o seu filme respeita as estruturas de um verdadeiro mockumentary, como se chama o falso documentário que Guest popularizou desde o seu envolvimento em “Isto é Spinal Tap”.

Mas, ao contrário de “Esperando por Guffman” (somente para citar um título do cineasta americano), não há em “Bio” os bastidores de uma competição em que todos vão sucumbindo a um desejo de vitória que ao final sempre é frustrado. Temos aqui várias gerações contando a história de um homem qualquer, que nasceu em 1959 e só vai falecer em 2070.

Portanto, não é aqui um homem refletindo sobre a sua longa existência, mas sim um sem número de pessoas que vai cada um moldando a sua identidade, como bem ilustram os cartazes da realização. Sabemos de sua infância, as famílias que constituiu, as falhas de caráter e demais características compartilhadas em forma de depoimentos por aqueles que cruzaram o seu caminho.

Respeitável, o elenco traz nomes como Werner Schünemann, Marco Ricca, Maitê Proença, Maria Fernanda Cândido, Rosanne Mulholland e Sharon Menezes e a melhor coisa que há é certa sintonia apresentada no texto sem que necessariamente eles contracenem juntos, além, claro, do humor. Grande parte desse mérito deve ser depositada também na montagem de Milton do Prado, sintonizando a fala de um com a do outro para manter a fluência narrativa.

Uma pena que a ideia original não seja transposta para a tela de modo muito criativo em termos de linguagem. Ainda que no ato final seja explorada o quanto possível uma cenografia futurista, Gerbase não elabora planos que camuflem a impressão de apenas filmar atores em um estúdio com metros quadrados inferiores ao de um tablado.

Resenha Crítica | Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017)

Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, de Fabrício Bittar

Se há uma constatação que temos quando chegamos na fase adulta e repensamos o nosso passado a partir do perfil profissional e pessoal que modelamos, é a de que o sistema de ensino que nos foi proposto é falho. Para aquele que seguiu o rumo de Humanas, é certo que ter mais do que duas aulas semanas de Artes, Filosofia e disciplinas correlacionadas e coadjuvantes seria muito mais proveitoso para desenvolver talentos e ampliar a visão do mundo. Já os devotos de Exatas desenvolveriam com maior plenitude o raciocínio lógico se tudo não partisse do princípio de decorar inúmeras fórmulas.

Muito mais que isso, a escola segue falhando em resumir em notas que serão carregadas permanentemente em um histórico a capacidade de um aluno, muitas vezes limitado por um esforço descomunal em processar conteúdo para alcançar um conceito que nem sempre corresponde ao de sua inteligência para lidar com as praticidades da vida. E o que dizer sobre a preservação de uma ordem, seja ela alfabética, por separação de sexo ou mesmo altura?

Com muito esforço, dá para encontrar em “Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola” a revolta de Danilo Gentili por tal organismo, em que professores, verdadeiros heróis reais e escandalosamente desvalorizados (algo que o comediante certamente discorda), buscam burlar propondo outras soluções de aprendizados. Não à toa, Gentili, que na adolescência vivia no ABC Paulista, região que automaticamente prepara jovens para entrar em seu berço industrial, carrega muito mais que notas ruins: em sua “ficha”, temos 64 advertências, 6 suspensões e 1 expulsão.

Tivesse “Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola” como única encarnação a sua forma em livro. No cinema, Gentili segue se revoltando, mas a sua solução é muito pior que o estado das coisas. Afinal, o seu plano para se rebelar não é orientando os garotos interpretados por Bruno Munhoz e Daniel Pimentel a contradizer o modelo que ambos são esperados a corresponder, mas a de reagir a tudo como acéfalos.

Ao pensar que está acima de tudo, Gentili e os seus dois seguidores em progresso (que poderiam muito bem representar os milhares que o acompanham do lado de cá na televisão e nos dispositivos) na realidade retrocedem, voltando a um estado ainda mais primitivo que a do sistema em que estão inseridos. Rasga-se o conhecimento. Perde-se a consciência. Vomita-se. Defeca-se. Responde-se com graça diante da perversão de menores. Persegue-se quem desaprova – opa!. Torna-se nem o pior que é o melhor ou vice-versa, mas sim o idiota que se reconhece como tal e ainda dá risada.

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+ Entrevista com Danilo Gentili e Fabrício Bittar
+ Entrevista com Carlos Villagrán

10 Filmes Para Assistir na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

A partir desta quinta-feira, 19 de outubro, começa em São Paulo a Mostra Internacional de Cinema, que neste ano chega em sua 41ª edição. Como tradição, o Cine Resenhas, que faz há alguns anos a cobertura da Mostra, prepara como aquecimento uma relação com 10 títulos imperdíveis da programação, que em 2017 apresentará, entre longas de ficção, animações, documentários, curtas e retrospectivas quase 400 títulos.

Veja a seguir as recomendações com ingressos que certamente serão muito disputados durante a Mostra e o que os tornam tão especiais para serem assistidos pelos cinéfilos antes da confirmação de um provável (ou não) lançamento comercial no país.

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Ana, Meu Amor | Ana, Mon Amour | dir. Cãlin Peter Netzer | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Toma conhece Ana enquanto ambos estudam literatura na universidade. Ela tem um leve transtorno mental e sofre de ataques de pânico. Toma a segue por cada um desses lugares escuros onde ela habita. Ele parece estar no controle do relacionamento, mas, na verdade, apenas gravita ao redor de uma mulher que não consegue entender. Quando Ana supera seus medos, Toma permanece sozinho, juntando as peças desse quebra-cabeça e tentando compreender a tempestade pela qual passou.

Por que assistir?: não é fácil apresentar um filme que se destaca com facilidade dentro de uma seleção com três centenas de títulos, mas o romeno Cãlin Peter Netzer conseguiu o feito com “Instinto Materno“, um dos melhores filmes da edição de 2013 na Mostra. “Ana, Meu Amor” é o seu primeiro projeto desde então, tendo sido exibido em competição pelo Urso de Ouro no Festival de Berlim e saindo de lá com um prêmio de contribuição artística para a montadora Dana Bunescu.

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Aos Teus Olhos | dir. Carolina Jabor | Site da Mostra | IMDb

Um jovem professor de natação é acusado pela família de um garoto de sete anos de ter dado um beijo na boca da criança durante uma aula. Antes da denúncia sequer ser comprovada, ele passa a ter sua moral questionada com imensa fúria nas redes sociais por pais, alunos e até funcionários do clube onde trabalha, levando ao envolvimento da polícia. As consequências são inimagináveis.

Por que assistir?: após uma estreia segura na direção com “Boa Sorte“, Carolina Jabor, filha de Arnaldo Jabor, volta com uma história que parece chegar no timing certo, mostrando as consequências dos tempos sombrios de retaliação que vivemos, no qual acusações são feitas sem uma investigação apropriada do contexto. Do Festival do Rio, o filme acaba de sair com quatro prêmios, incluindo Melhor Roteiro.

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As Boas Maneiras | dir. Juliana Rojas e Marco Dutra | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Clara, uma solitária enfermeira que vive na periferia de São Paulo, é contratada pela rica e misteriosa Ana para ser babá de sua criança que está para nascer. De maneira inesperada, as duas mulheres desenvolvem um forte vínculo. Porém, uma fatídica noite mudará os seus planos.

Por que assistir?: trata-se do reencontro de Julia Rojas e Marco Dutra como diretores de um mesmo projeto, prometendo trazer com ele os elementos de “Trabalhar Cansa“. Com cinco vitórias no Festival do Rio, o filme também foi contemplado com o Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno.

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Com Amor, Vincent | Loving Vincent | dir. Dorota Kobiela, Hugh Welchman | Site da Mostra | IMDb | Trailer

A vida e a controversa morte de Vincent van Gogh (1853-1890) contadas a partir de suas pinturas e dos personagens que as habitam. A narrativa se desenvolve por meio de entrevistas com personagens próximos ao artista e de reconstruções dramáticas dos eventos que o levaram à morte. O filme apresenta seus mais importantes quadros e o enredo é baseado em cartas escritas por ele. Primeiro longa-metragem feito totalmente em óleo sobre tela.

Por que assistir?: ainda segundo o texto da organização, “Com Amor, Vincent” apresenta os mais importantes quadros do pintor a partir de um enredo baseado em cartas escritas por ele. Mas o seu principal atrativo vem a ser o fato de ser a primeira animação feita totalmente em óleo sobre tela.

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Emma | Il colore nascosto delle cose | dir. Silvio Soldini | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Teo trabalha no departamento de criação de uma moderna agência de publicidade. Gentil e charmoso, ele aproveita a vida sendo um mulherengo inatingível. Emma é cega desde os 16 anos, mas isso não a impediu de se tornar uma osteopata. Ela é bonita, animada e tem ótimos amigos. Quando os dois se conhecem, Teo fica hipnotizado pela voz dela. Intrigado e atraído como nunca esteve por uma mulher cega, ele a chama para um encontro.

Por que assistir?: a premissa agridoce pode até sugerir caminhos melodramáticos fáceis de serem antecipados, mas a assinatura do italiano Silvio Soldini, de “Pão e Tulipas” e do excelente “Que Mais Posso Querer”, promete um novo relato contundente sobre relacionamentos contemporâneos entre opostos.

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Happy End | dir. Michael Haneke | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Por que assistir?: o Cine Resenhas já assistiu o novo filme do austríaco Michael Haneke. A recepção no Festival de Cannes, em que disputou a Palma de Ouro, pode ter sido até morna, mas o realizador segue exercendo como poucos a arte da provocação, traçando aqui uma radiografia dos abismos sociais colocando no centro de sua câmera (e iPhone) uma família bem abastada que não consegue mais sustentar as máscaras da hipocrisia.

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Loveless | Nelyubov | dir. Andrey Zvyagintsev | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Zhenya e Boris estão passando por um terrível divórcio, marcado por ressentimento e frustração. Já com novos parceiros, eles estão ansiosos para recomeçar suas vidas, mesmo que isso signifique a possibilidade de deixar Alyosha, seu filho de 12 anos, em segundo plano. Até que, depois de testemunhar uma das brigas entre os pais, o garoto desaparece.

Por que assistir?: vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes, “Loveless” carrega a assinatura do russo Andrey Zvyagintsev, um veterano da Mostra por traz de filmes como ‘Leviatã“, “Elena” e “O Retorno”. Geralmente pessimistas, os seus relatos trazem uma visão de mundo avassaladora, mas é preciso ficar esperto este ano, pois “Loveless” misteriosamente será exibido uma única vez.

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Não Me Ame | Love Me Not | dir. Alexandros Avranas | Site da Mostra | IMDb

Um casal contrata uma jovem imigrante para ser barriga de aluguel e a trazem para morar com eles. Enquanto o homem passa os dias trabalhando, a mulher e a garota se aproximam e aproveitam a vida abastada do casal. Mas por trás de sua alegria forçada, a mulher parece cada vez mais deprimida. Depois de uma discussão com a jovem, ela sai para dar uma volta de carro. Na mesma noite, o marido recebe uma ligação: sua mulher está morta e seu corpo foi encontrado dentro do veículo destruído.

Por que assistir?: graças à Mostra que o novo cinema grego, geralmente tão desprezado no circuito comercial brasileiro, vem recebendo uma região de devotos. Uma das obras contemporâneas mais populares dessa cinematografia tão nua e crua, “Miss Violence”, é orquestrada por Alexandros Avranas, que volta agora com uma produção fresquinha do último Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. Bem que poderia ser exibido também o seu ainda inédito “True Crimes”, com Jim Carrey.

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The Square | dir. Ruben Östlund | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Christian é o respeitado curador de um museu de arte contemporânea, um pai divorciado, mas dedicado, que dirige um carro elétrico e apoia boas causas. Sua próxima exposição é The Square, uma instalação que convida os transeuntes ao altruísmo, lembrando-os de seu papel como seres humanos responsáveis. Mas às vezes é difícil viver de acordo com seus próprios ideais: a resposta tola de Christian pelo roubo de seu celular o leva a situações vergonhosas. Enquanto isso, uma agência de relações públicas cria uma inesperada campanha para promover The Square. A reação é exagerada e conduz Christian, assim como o museu, a uma crise existencial.

Por que assistir?: o fato de ser o vencedor da última Palma de Ouro no Festival de Cannes já é razão suficiente para se ver “The Square”, mas o sueco Ruben Östlund é hoje um nome de distinção, graças ao espetacular “Força Maior“, outro achado primeiramente apresentado no Brasil a partir da Mostra.

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Três Anúncios Para Um Crime | Three Billboards Outside Ebbing, Missouri | dir. Martin McDonagh | Site da Mostra | IMDb | Trailer

Mildred Hayes é uma mulher do interior de luto pela morte da filha. Após meses sem que o assassinato da garota seja solucionado pela polícia, ela decide se vingar por conta própria.

Por que assistir?: vencedor do prêmio Osella de Ouro de melhor roteiro no Festival de Veneza, o novo filme de Martin McDonagh foi exibido na coletiva para a imprensa da Mostra 2017. Trata-se do roteiro mais formidável do último ano, dotado de um humor desconcertante defendido por um elenco em plena forma – não se via Frances McDormand tão bem no cinema desde “Amigas com Dinheiro” e Sam Rockwell não pode ficar sem uma indicação ao Oscar no ano que vem.

Resenha Crítica | A Menina Índigo (2016)

A Menina Índigo, de Wagner de Assis

Associado a uma tonalidade particular do azul, índigo é também o nome conferido para uma geração de crianças e adultos que alguns julgam possuir um dom apaziguar o seu entorno. Teriam a habilidade de curar enfermidades, bem como um ambiente em desarmonia. Anjos sobre a terra, enfim.

O nome de Wagner de Assis na direção e roteiro pode conectar “A Menina Índigo” automaticamente a “Nosso Lar”. As aparências enganam. Aqui, as coisas pretendem se desdobrar mais em um campo quase fabuloso, de realismo fantástico, do que necessariamente espírita. Quando se fala sobre o além, é unicamente quando os protagonistas se questionam se há mesmo algo, um deus, com um plano para justificarem as suas existências.

Filha de Ricardo (Murilo Rosa) e Luciana (Fernanda Machado), Sofia (Letícia Braga) é uma garota em crise com o ambiente escolar, temporariamente se afastando dele após ser flagrada fazendo pinturas abstratas por todos os cantos da sala de aula. Ela vive com Luciana, que a cede em período integral para Ricardo, jornalista de uma influente publicação.

Somente Luciana sabe exatamente o que se passa com Sofia, inclusive negligenciando a sua função maternal para aliviar a barra de monitorar com fervor uma criança que aos poucos passa a ser procurada por vizinhos que descobrem as suas habilidades para combater enfermidades com apenas um toque. Portanto, o foco é em Ricardo, que aos poucos vai aprendendo a cuidar e a preservar Sofia enquanto passa por dilemas profissionais, como a de expor o seu pai empresário interpretado por Paulo Figueiredo em uma matéria sobre um esquema de corrupção.

Tudo é muito higienizado e inocente em “A Menina Índigo” e o prejuízo desse tom se dá com uma escolha equivocada de perspectiva. Seria adequado caso a visão de mundo adotada fosse a de Sofia, intacta diante do universo impuro dos adultos. Como é Ricardo o centro de todas as provações, a narrativa tropeça em imaturidades, sustentando a todo custo uma vontade de encantar que aborrecerá em cheio aos mais céticos dos espectadores.

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+ Entrevista com o diretor e roteirista Wagner de Assis
+ Entrevista com Murilo Rosa e Fernanda Machado
+ Entrevista com Letícia Braga

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Lançamento em streaming:
Disponível a partir do dia 7 de dezembro
 no NOW (R$11,90) e também no VIVO PLAY (R$ 11,90) / Google Play (Compra R$24,90 Aluguel R$6,90) / iTunes (Compra US$6.99 Aluguel US$2.99).

Resenha Crítica | De Volta Para Casa (2017)

Home Again, de Hallie Meyers-Sheyer

Pode-se questionar sobre o que quiser de Nancy Meyers, menos de sua eficácia em conferir um ingrediente especial e secreto que faça elevar a comédia romântica que produz, este o gênero do cinema que mais chavões reproduz para sempre alcançar aquele já aguardado (e desejado) final feliz. De fato há um algo a mais em filmes como “Alguém Tem Que Ceder” e “O Amor Não Tira Férias”, ainda rememorados com afeto por cinéfilos.

Pois a sua filha Hallie Meyers-Sheyer, hoje com 30 anos e computando pontas insípidas em seis longas, parece carregar em seus genes o talento em dar um toque diferenciado em uma trama romântica aparentemente banal. Claro que ter Reese Witherspoon como a protagonista de seu “De Volta Para Casa” é também um aditivo importante para o seu sucesso.

Reese vive Alice Kinney, uma recém-quarentona que coloca a vida em perspectiva após a decisão de se separar de Austen (Michael Sheen), músico com quem teve duas filhas, Isabel (Lola Flanery) e Rosie (Eden Grace Redfield). Com elas, volta a viver na casa de seu falecido pai, um prestigiado diretor de cinema, e tenta se reinventar como designer de interiores.

Numa saída com as amigas para testar se ainda tem algum poder de flerte, Alice acaba levando para casa três sujeitos mais jovens que ela tentando a sorte em Los Angeles na área de cinema. Ao conhecerem no dia seguinte a mãe dela, a ex-atriz Lillian (Candice Bergen), Harry (Pico Alexander), George (Jon Rudnitsky, do elenco de “Saturday Night Live” e carismático até dizer chega) e Teddy (Nat Wolff) são convidados a deixarem as suas malas na residência dos fundos como uma cordialidade até conseguirem decolar em suas carreiras.

Aqui, a fórmula romântica só é comprometida com a escolha de Pico Alexander como o principal alvo amoroso de Reese Witherspoon. Mas talvez seja uma escolha de Hallie Meyers-Sheyer em criar um deslocamento entre a dupla que vai além da idade – Harry tem 26 anos -, pois aqui o caminho para o final feliz não é necessariamente o da consolidação de um novo relacionamento, mas sim o de Alice sentir alguma plenitude possível com a harmonia ao seu redor. Seguindo a tradição do cinema de Meyers mãe, Meyers filha faz um filme incontestavelmente fofo e indispensável para se ver numa matinê após um dia estressante.

Resenha Crítica | Blade Runner 2049 (2017)

Blade Runner 2049, de Denis Villeneuve

Foi com muito custo que “Blade Runner, O Caçador de Androides” se transformou em obra de culto. Lançado em 1982, o filme de Ridley Scott não somente desapontou comercialmente, como também dividiu o público e a crítica especializada à época. O tempo, sempre ele, permitiu que “Blade Runner” tivesse uma segunda chance.

A história, inspirada em um romance de Philip K. Dick, se tornou mais palatável e o visual, de apelo extraordinário, fez com que “Blade Runner” fosse compreendido como algo à frente do momento para a qual foi concebido. As demais arestas o próprio Ridley Scott tratou de ajustar, lançado em intervalos diferentes versões alteradas diante daquela vista primeiramente nos cinemas.

Por tudo isso, é uma missão complicada para o canadense Denis Villeneuve fazer tributo a “Blade Runner” com uma sequência produzida 35 anos depois. Verdade que a contemporaneidade está sendo movida por um clima de nostalgia, mas tocar em “Blade Runner” é também desafiar toda uma gramática que até hoje é usada na ficção científica.

Assim sendo, “Blade Runner 2049” é relativamente digno como continuação. Sustentar os nomes de David Webb Peoples no roteiro e de Ridley Scott na produção executiva permite que a premissa não se desvincule necessariamente do original ao mesmo tempo em que lida com conceitos que ampliam o universo de Philip K. Dick.

Chamado por K, o protagonista de Ryan Gosling é uma espécie de nova versão do caçador de androides Rick Deckard (Harrison Ford), cujo paradeiro é desconhecido. Quando não cumpre com os seus deveres na LAPD, K preenche o vazio existencial com o que a tecnologia de 2049 oferece, a exemplo da interação com a imagem holográfica Joi (a cubana Ana de Armas, excelente) como se fosse sua companheira.

Novamente, nos deparamos com uma figura central refletindo sobre a sua função quando reconhece que os replicantes que deve capturar são constituídos de mais emoções que os próprios humanos. Uma constatação ampliada especialmente ao identificar os restos mortais de uma replicante que teria dado à luz e que o faz investigar sobre as próprias origens.

Ancorado pelo inglês Roger Deakins, diretor de fotografia 13 vezes indicado ao Oscar e que tudo indica que levará a estatueta no próximo ano pelo que promove aqui, Villeneuve está mais interessado em repaginar o cenário futurista do que meramente emular a estética retrô do “Blade Runner” original. Há soluções visuais de fato bárbaras, como aquela em que Joi se sincroniza com o corpo de uma garota chamada Mariette (Mackenzie Davis) para transar com K ou a cidade que parece ter se transformado em uma colmeia após um black out.

Para muitos, as virtudes cessarão aqui, pois o conteúdo filosófico que conhecíamos dá espaço aqui para um texto que perde a sua potência conforme Villeneuve o alonga para totalizar quase três horas de metragem, ambicionando por um estágio épico que definitivamente não alcança. É como se conseguíssemos traçar com antecedência os passos de K com larga vantagem, denunciando algo que prometia ser mais substancial.

Fica a dever também as ameaças representadas por Niander Wallace (Jared Leto, em participação tão inútil quanto a do seu Coringa em “Esquadrão Suicida”) e sua assistente Luv (Sylvia Hoeks, de “O Melhor Lance”, aqui afetadíssima), que corroboram para um clímax desapontador para um diretor como Villeneuve, então notável pela tensão que sempre impôs antes de resolver as suas histórias. Passado o hype, é bem possível que “Blade Runner 2049”, ao contrário de seu antecessor, não tenha lá muita vitalidade para sobreviver na posterioridade.

Resenha Crítica | Na Praia à Noite Sozinha (2017)

Bamui haebyun-eoseo honja, de Hong Sang-soo

.:: INDIE 2017 Festival Cinema ::.

A impressão que o cineasta coreano Hong Sang-soo faz sempre o mesmo filme persiste em “Na Praia à Noite Sozinha”, um dos seus mais recentes projetos em uma carreira que já dura há mais de 20 anos – “A Câmara de Claire” será exibido no Festival do Rio e ganhará lançamento comercial em breve pela Pandora Filmes. E a relação de “Na Praia à Noite Sozinha” não se dá somente com uma filmografia com 25 créditos, mas também consigo mesmo.

Ao menos na forma, este é superior a outras obras anteriores de Sang-soo, como “A Visitante Francesa”. E por falar no filme com Isabelle Huppert, há uma distinção sutil, pois enquanto em “A Visitante Francesa” temos um filme que se renova em seu próprio organismo, em “Na Praia à Noite Sozinha” os dois segmentos se revelam mais como uma continuidade um do outro do que necessariamente a outra face de uma mesma moeda.

A maravilhosa Kim Min-hee, musa de Sang-soo, vencedora aqui do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim e uma das protagonistas de “A Criada”, vive a inconsolável Young-hee. Primeiro, a vemos de passagem por Hamburgo, na Alemanha, para superar o fim de um relacionamento com um homem casado. Mais adiante, ela regressa à Gangneung, reencontrando amigos e se reconectando de algum modo com o ofício de atriz.

A tendência do realizador por planos longos e zooms por vezes canhestros não é abandonada em “Na Praia à Noite Sozinha”, ainda que desta vez esteja a serviço de contextos mais favoráveis, como as cenas de jantares reveladoras e tragicamente cômicas. São interações calorosas que causam um belo contraste com o isolamento de Young-hee na praia tingida pela melancolia de um céu nublado ou pelo escuro da sala de cinema.