Resenha Crítica | Querida Mamãe (2017)

Querida Mamãe, de Jeremias Moreira Filho

Escrito por Maria Adelaide Amaral, “Querida Mamãe” vem recebendo encarnações nos palcos desde 1994. Na primeira delas, Eva Wilma e Eliane Giardini interpretaram mãe e filha enfrentando crises que arrastaram para o teatro 250 mil espectadores. Mais de 20 anos depois, surge finalmente uma versão para o cinema, agora com Selma Egrei e Letícia Sabatella em um texto levemente readequado para servir ao nosso contexto atual.

Dona de casa, Ruth é uma senhora reservada com os seus discos e tricô. A única companhia que costuma desfrutar é a de sua empregada, Cleusa (Graça Andrade). Vez ou outra, recebe a visita de sua filha Helô, mas o clima é sempre tempestuoso. Fruto de uma relação passada mal resolvida, com Helô acreditando que sempre fora preterida diante da irmã mais nova, Beth (Fernanda Viacava), que agora vive no exterior.

Os laços voltam a ficar estreitos quando Helô começa a dar um basta na vida sem graça em que se vê aprisionada por tantos anos. Além de ser médica, profissão que exige dedicação total à uma escala alternativa de trabalho, ela percebe que o seu casamento com o publicitário Sérgio (Marat Descartes) já deu o que tinha de dar. Por tudo isso, acaba respondendo de imediato às investidas de uma de suas pacientes, a pintora Leda (Cláudia Missura).

A grande virtude do texto segue intacta no filme. Trata-se da redescoberta de uma sexualidade perdida, abafada, que volta a aflorar e a trazer consequências específicas para uma mulher acima dos 40 anos com a família estabelecida. Afinal, como se reapresentar para a mãe, o marido e a filha Priscila (Bruna Carvalho) e ainda ser recepcionada por uma sociedade avessa aos relacionamentos homoafetivos?

Porém, excetuando esse aspecto preservado na adaptação da roteirista Jaqueline Vargas e das interpretações corretas das protagonistas, o realizador Jeremias Moreira Filho não justifica a existência de “Querida Mamãe” como cinema. Responsável tanto pela versão original quanto pelo remake de “O Menino da Porteira”, o veterano mais parece fazer um telefilme global, evidente pelo modo como preenche o plano ou mesmo pelo uso desesperado da trilha sonora de Marcos Levy, que se manifesta a cada cena sem qualquer sutileza como recurso para camuflar cenas dramáticas mal dirigidas.

Resenha Crítica | Motorrad (2017)

Motorrad, de Vicente Amorim

O diretor nascido na Áustria e naturalizado no Brasil Vicente Amorim já contou de tudo um pouco no cinema. Debutou com “O Caminho das Nuvens” narrando a história de uma família que fez um trajeto de bicicleta da Paraíba ao Rio de Janeiro, fez estreia gringa com Viggo Mortensen à frente de “Um Homem Bom”, drama ambientado na segunda guerra mundial, encenou a condição de imigrantes japoneses no Brasil de 1945 em “Corações Sujos” e até a vida de Irmã Dulce levou para a tela grande.

Nada melhor do que seguir uma carreira artística sem se prender a gêneros ou estilos de narrativas, mas Vicente Amorim exige demais da nossa paciência em seu recente “Motorrad”, uma tentativa de terror estilizado de fazer um derivado de “Sexta-feira 13” ser a coisa mais consistente do mundo. Nada faz sentido em seu filme, despido totalmente de roteiro e lógica.

A realidade alternativa aqui apresentada é totalmente precária, ainda que oferte instalações para o funcionamento de wi-fi e recursos que permitam que as pessoas se desloquem de um ponto a outro com motocicletas. A gangue que conhecemos aqui é liderada por Ricardo (Emilio Dantas), mas o protagonista é Hugo (Guilherme Prates), o jovem irmão que tenta provar o quão destemido é para se juntar ao grupo.

A princípio, Hugo é flagrado roubando o ferro-velho de Paula (Carla Salle). Porém, ao invés de se vingar, a moça ajuda o rapaz e a sua trupe quando passam a ser atacados por um outro “coletivo” de motociclistas composto por mascarados sádicos e silenciosos. A razão para o ataque seria a fronteira que atravessam sem autorização para um banho em um riacho. A questão é que eles nada fazem além disso para serem penalizados de algum modo.

Com diálogos compostos mais por palavras chulas do que por alguma linha de raciocínio, “Motorrad” se arrasta por 92 minutos intermináveis amparados por uma estética que se pretende rebuscada, da concepção de personagens pensada pelo quadrinista Danilo Beyruth até a defesa de uma tonalidade particular de cores da fotografia de Gustavo Hadba que mais parece um filtro do Instagram. Um horror no pior sentido.

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+ Entrevista com o diretor e roteirista Vicente Amorim
+ Entrevista com a atriz Carla Salle
+ Entrevista com o quadrinista Danilo Beyruth

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Lançamento em streaming:
Disponível a partir do dia 26 de abril
iTunes: R$ 19,90 (Compra) | R$ 11,90 (VOD)
Google: R$ 29,90 (Compra) | R$ 9,90 (VOD)
Now: R$ 14,90 (VOD)

Resenha Crítica | Em Pedaços (2017)

Aus dem Nichts, de Fatih Akin

Célebre por “Contra a Parede” e “Do Outro Lado”, Fatih Akin e seu corroteirista Hark Bohm versam no thriller “Em Pedaços” com algo bem recorrente no dito racional século XXI: as tensões e efetivações de crimes que partem a partir de questões raciais e religiosas. A Alemanha aqui apresentada é aquela que ainda tem os resquícios de uma nação que fecundou uma das maiores atrocidades da história humana em menos de um século atrás.

Katja (Diane Kruger) teve uma juventude marcada pelo consumo de drogas pesadas, ironicamente recuperando o controle de si mesma ao se casar com o seu fornecedor, o curdo de origem turca Nuri (Numan Acar). A união se dá quando ele ainda cumpre pena na prisão. Quando liberado, Katja e Nuri concebem Rocco (Rafael Santana), estabelecendo assim uma família que superou as manchas do passado.

Em um dia qualquer, Katja deixa Rocco com Nuri no escritório em que ele trabalha para passar um período com a sua irmã grávida Birgit (Samia Muriel Chancrin) em um spa. Ao sair de lá, depara-se com uma fatalidade que arruína com toda a sua vida. Deduz que o seu marido e filho foram vítimas de um ataque promovido por um movimento neonazista, suspeita logo confirmada pelas autoridades.

A partir disso, fica evidente a escolha de Fatih Akin em carregar com tintas dramáticas a narrativa de “Em Pedaços” pelo modo como enfatiza a divisão em três atos de sua história com os capítulos “A Família”, “Justiça” e “O Mar”. Porém, soam injustas as críticas que recebeu desde a primeira exibição de seu filme, que trataram de equivocadamente afirmar essa organização do texto como um recurso de manipular o público à moda de um thriller americano típico.

Isso não procede porque Akin gerencia com franqueza os estágios do luto atravessado por Katja, em um misto de descrença e determinação, de desmotivação ao seguir com a vida quando nada parece se elucidar e de controle emocional quando a justiça se impõe, independente do modo como se efetiva. E só engrandece o seu filme o fato de confiá-lo inteiramente à Diane Kruger, vencedora incontestável do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes 2017.

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Resenha Crítica | Todos os Paulos do Mundo (2017)

Todos os Paulos do Mundo, de Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira

É impossível não pensar na história do cinema de um país sem passar por todos os rostos que já a representaram em cada uma de suas fases. Pois Paulo José, nascido no Rio Grande do Sul há 81 anos, é um dos veteranos que mais serão lembrados por suas faces, estampa para personagens tão emblemáticos em filmes que até hoje são discutidos por velhas e novas gerações.

Isso desde 1966, quando debutou em longa-metragem como o protagonista de “O Padre e a Moça”, obra de Joaquim Pedro de Andrade dada como uma das mais importantes de nossa cinematografia nos anos 1960. “O Homem Nu” (1968), “Macunaíma” (1969), “O Rei da Noite” (1975), “Eles Não Usam Black-Tie” (1981), “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil” (1997), “Saneamento Básico, O Filme” (2007) e “O Palhaço” (2011) foram somente algumas das demais contribuições essenciais como ator, também com passagens marcantes pelas telenovelas, minisséries e espetáculos teatrais.

São muitos Paulos para dar conta em um documentário e a dupla Gustavo Ribeiro (um craque da montagem) e Rodrigo de Oliveira (editor da Revista Cinética e grande estudioso do cinema) busca pela decisão que parece mais coerente em enaltecê-los: o de construir um documentário que resinificara trechos de um sem número de trabalhos como se todos fizessem parte de uma única vida. Quase como fez Eryk Rocha em “Cinema Novo” há dois anos.

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A diferença é que aqui a homenagem é mais afetuosa, dando também inúmeras vozes para um artista hoje debilitado pelo mal de Parkinson. Assim, colegas de atuação como Fernanda Montenegro, Helena Ignez, Selton Mello, Matheus Nachtergaele e Mariana Ximenes tratam de narrar frases da autoria de Paulo José.

O registro acerta ao permitir em seu terceiro ato a presença do próprio Paulo José às vésperas de se tornar um octogenário. Porém, os realizadores definitivamente não conseguem construir o seu perfil a partir da colagem de cenas. Há uma dessintonia insistente na passagem de uma imagem para a outra e os áudios em off nem sempre colaboram para a construção de uma narrativa pretendida.

Resenha Crítica | Estrelas do Cinema Nunca Morrem (2017)

Film Stars Don’t Die in Liverpool, de Paul McGuigan

O cinéfilo não muito antenado com a era de ouro hollywoodiana correrá o risco de embarcar em “Estrelas do Cinema Nunca Morrem” sem reconhecer a atriz interpretada por Annette Bening, a oscarizada Gloria Grahame. Sem peso na consciência, pois uma das estrelas de “Assim Estava Escrito” (e também indicada ao Oscar de coadjuvante anteriormente por “Rancor”) foi uma das vítimas que confirmaram a máxima de que raramente uma atriz poderia visualizar uma carreira acima dos 40 anos.

Nos últimos anos de sua vida, Gloria Grahame se notabilizou muito mais pelos romances do que necessariamente por seus feitos como artista, priorizando o teatro enquanto amargava papéis secundários de baixa expressividade no cinema. Foi nesse período em sua vida, quando já tinha passado dos 50 anos, que Gloria se relacionou seriamente com Peter Turner (Jamie Bell), aspirante a ator de 28 anos que conheceu durante a encenação de um de seus modestos espetáculos em Liverpool.

O peso de Gloria ter se divorciado quatro vezes (entre os ex, estavam Anthony Ray e o filho deste, Nicholas Ray, o que rendeu um verdadeiro alvoroço nos tabloides à época) e o fato de pertencerem a contextos muito diferentes não impediram que a paixão que nutriam um pelo outro prosperasse por um tempo. Mesmo na ruptura, seguiram juntos até o final a partir do instante em que a saúde de Gloria ficou debilitada por um câncer que contraiu.

Realizador de “Xeque-Mate”, “Heróis” e “Victor Frankenstein”, o britânico de 54 anos Paul McGuigan definitivamente não soa como a escolha mais acertada para a condução de “Estrelas do Cinema Nunca Morrem”. Para surpresa geral, impressiona a forma singela como direciona uma história que prioriza mais a atração por dois opostos do que qualquer outro aspecto no entorno deles, como as (des)ilusões do mundo do cinema.

Assim, permitiu mais território para os seus protagonistas brilharem. Annette Bening já havia experimentado em “Os Imorais”, o filme que a revelou ao mundo, alguns tiques de Gloria Grahame, como a sua voz doce tremendamente complicada de imitar. Já Jamie Bell, bem como o próprio Peter Turner, não corresponde ao protótipo de astro de cinema, sendo absolutamente charmoso justamente por se distanciar de um padrão ainda estabelecido de galã. Formam um casal irresistível de um filme que acerta por não ambicionar mais do que tem a oferecer.

Resenha Crítica | O Parque (2016)

Le parc, de Damien Manivel

.:: INDIE 2017 Festival Cinema ::.

Já conhecido no Brasil pelo seu debute na direção em longa-metragem em 2014 por “Um Jovem Poeta”, o cineasta francês Damien Manivel segue à risca a cartilha que se estabeleceu na produção independente a partir da “democratização” permitida pelo digital. Breve, o seu registro tem duração de apenas 71 minutos, é totalmente ambientado em um único cenário e o seu elenco é composto por três intérpretes não-profissionais.

Na primeira metade de “O Parque”, vemos o desabrochar da paixão entre Naomie (Naomie Vogt-Roby) e Maxine (Maxime Bachellerie), dois adolescentes em que testemunhamos ao curso de um dia caminhando pelo gramado como qualquer outro jovem casal curtindo um momento junto. Já à sombra das árvores, investem em uma troca de carícias mais ousada.

De forma calculada, Manivel vai registrando inúmeros comportamentos entre Naomie e Maxine, da timidez à entrega, da afetuosidade ao atrito. Com o anoitecer, o contexto fica mais obscuro, materializando na presença de um terceiro personagem, um zelador vivido por Sessouma Sobere, um tom de ameaça bem característico de um filme de horror.

O resultado, no entanto, soa mais como um exercício de experimentalismo digno de um novato, como se testasse as possibilidades do suporte que tem em mãos ao passo em que negligencia os fatores humanos de sua obra. Afinal, Manivel parece muito mais deslumbrado com o domínio na encenação para prolongar planos que mais se comportam como períodos isolados do que em extrair de seu elenco uma naturalidade que o distancie da impressão de ser um trio de fantoches com passos ditados por um roteiro que soa apenas como um mero detalhe para o projeto.

Resenha Crítica | A Noiva do Deserto (2017)

La novia del desierto, de Cecilia Atán e Valeria Pivato

.:: 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Mesmo agregando créditos desde 1984, quando debutou na tevê, a chilena Paulina García demorou quase 30 anos para se tornar um atriz reconhecido mundialmente, graças à repercussão do formidável “Gloria“, filme pelo qual foi premiada no Festival de Berlim pela sua interpretação e que agora está prestes a receber uma refilmagem dirigida pelo próprio Sebastián Lelio e protagonizada por Julianne Moore. Hoje, o seu nome é item de interesse comercial, como demostra o cartaz e a possibilidade de lançamento comercial no Brasil de “A Noiva do Deserto”.

Aqui, Paulina García vive Teresa, uma mulher com 54 anos desorientada com a recente demissão. Por um longo tempo, trabalhou como doméstica em uma bela e grande residência em Buenos Aires. Por isso mesmo, aceita um serviço para auxiliar na preparação de um casamento que acontecerá em uma cidade do interior, forçando-a a apanhar um ônibus de viagem para se deslocar.

As coisas começam a sair fora do planejado quando o tal veículo interrompe o trajeto após apresentar um problema, obrigando Teresa a permanecer por horas a fio em um vilarejo popular pelo seu santuário. É nesse ambiente que conhece Gringo (Claudio Rissi), vendedor ambulante que vai passando de um mero desconhecido a um homem que atrai o interesse de Teresa quando esta esquece a sua bolsa no trailer dele.

Guardadas as devidas proporções, “A Noiva do Deserto” lembra demais o brasileiro “Pela Janela“, em que Magali Biff também se via sem chão ao perder o emprego com uma idade já avançada. E bem como a cineasta Caroline Leone, a dupla Cecilia Atán e Valeria Pivato tenta buscar na singeleza um peso dramático que inexiste. Resta assim apreciar por menos de 80 minutos a inestimável presença de Paulina García, que faz milagre com uma narrativa nada cinematográfica.

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Lançamento em streaming:
Disponível a partir do dia 21 de junho
iTunes: R$ 19,90 (Compra) | R$ 11,90 (VOD)
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Resenha Crítica | A Cidade do Futuro (2016)

A Cidade do Futuro, de Cláudio Marques e Marília Hughes

Parceiros no cinema e na vida real, o casal Cláudio Marques e Marília Hughes somava sete curtas-metragens produzidos antes de debutar no formato de longa-metragem com “Depois da Chuva”, drama inspirado pela juventude que testemunhou o fim da ditadura militar que manteve em seu lançamento em circuito comercial os bons elogios obtidos em sua première no Festival de Brasília em 2013. Chegando com dois anos de atraso após passagem por inúmeros festivais, “A Cidade do Futuro” soava como um passo seguinte muito promissor.

Em um jovem século que vem problematizando a eficiência dos relacionamentos tradicionais para abrir portas para novas possibilidades de amor (termos como relacionamento aberto e poliamor têm sido recorrentes no vocabulário da atual geração), seduz a proposta de Marques e Hughes em expôr algumas das consequências de quem está disposto a abrir mão das convenções nos pequenos municípios regidos por valores antiquados. No caso de “A Cidade do Futuro”, é Serra do Ramalho o cenário principal.

O município baiano com um pouco mais de 30 mil habitantes abriga o trio protagonista da história: Gilmar (Gilmar Araújo), Igor (Igor Santos) e Mila (Mila Suzarte). Gilmar e Igor sustentam em becos um namoro que, mesmo secreto, já conta com algumas testemunhas indesejáveis. O que era só observado passa a ser verbalizado pelas pessoas ao redor quando Mila, que teve relações sexuais com Gilmar, anuncia estar grávida.

Professor, Gilmar começa a ouvir comentários de alunos. Também professora e sem rumo quanto a sua situação, Mila, como seria com qualquer outra mulher em nosso país machista, é o alvo fácil dos insultos. Já Igor, vaqueiro que passa a se virar com um sem número de bicos, é quem sofre as ameaças físicas de homofóbicos que o perseguem.

O bom argumento, entretanto, está longe de resultar em um filme sequer razoável. Breve em sua duração, “A Cidade do Futuro” está interessado apenas em diagnosticar as tensões que povoam um ambiente extremamente conservador e como os jovens às vezes tentam não se tornar reprises de seus pais e avós. A questão é que não há qualquer pico dramático, consequência da escolha por um elenco de não-profissionais.

Está cada vez mais comum em nossa cinematografia a atração por enveredar por tal opção, tanto para conceber híbridos entre ficção e documentário quanto para buscar por uma verdade pretendida por um elenco não contaminado por técnicas de interpretação. Aqui, Gilmar, Igor e Mila arruínam “A Cidade do Futuro”, com desempenhos engessados que não mostram qualquer entrosamento com a câmera, com quem contracenam, com os espaços que circulam e, principalmente, com os corpos que tocam.

Resenha Crítica | Ex-Pajé (2018)

Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi

Lançado comercialmente em 2017, o documentário “Martírio” exibiu uma pesquisa desoladora da parte de seu realizador Vincent Carelli, que por anos acompanhou o encolhimento de uma comunidade indígena a partir do avanço do agronegócio. Já Luiz Bolognesi, que recentemente assinou os roteiros das ficções “Bingo: O Rei das Manhãs” e “Como Nossos Pais“, evidencia em “Ex-Pajé” uma fenômeno sutil, mas igualmente cruel para o extermínio da cultura indígena no Brasil.

Mais precisamente, o etnocídio, usando no letreiro inicial de seu documentário as palavras do antropólogo Pierre Clastres: “enquanto o genocídio assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito”. Pois é o que aconteceu com a figura de interesse central do registro, Perpera, hoje, como o título entrega, um ex-pajé.

Bolognesi a princípio o acompanha como se Perpera estivesse integrado à nossa sociedade, flagrando-o da ida às compras em um supermercado até o retorno em uma aldeia com uma nova geração de índios já familiarizada com os recursos tecnológicos, incluindo meninos viciados em jogos eletrônicos adaptados para smartphones. Muito distante da figura jovem de poderoso pajé, esta transformada com a intromissão da crença evangélica que determinou o conhecimento de Perpera e o seu contato com a natureza como profanos.

Laureado com uma menção honrosa na última edição do Festival de Berlim e premiado no 23º É Tudo Verdade, “Ex-Pajé” é uma nova adição a este núcleo de cinema documental e de ficção com engajamento social em seu foco em uma comunidade que se desintegra com velocidade, deixando importante contribuição na denúncia no domínio de brancos sobre índios. Como cinema, fica devendo com a frouxidão narrativa e um olhar de observador nem sempre astuto, ainda que por vezes camuflado por uma bela composição de planos.

Resenha Crítica | Rogério Duarte, O Tropikaoslista (2016)

Rogério Duarte, O Tropikaoslista, de José Walter Lima

Foi quando já tinha em 2016 o material coletado para “Rogério Duarte, O Tropikaoslista” que o cineasta José Walter Lima (de “Antônio Conselheiro: O Taumaturgo dos Sertões”) recebeu a notícia de o seu alvo de pesquisa e amigo de longa data morreu de câncer em Brasília e sem ter a oportunidade de ver pronto o documentário sobre a sua trajetória artística e pessoal. Dois anos após essa perda, a obra vem para preencher um espaço de homenagem ou mesmo de interesse para os seus fãs e aficionados pelo legado deixado no movimento tropicalista.

Como muitos de sua época e campo artístico, Rogério Duarte se desdobrou em um sem número de ocupações. Além de um artista gráfico até hoje referenciado e definitivo para a efetivação de uma vanguarda, foi também músico, compositor, poeta, professor e tradutor. Também colaborou com grandes nomes, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, dois colegas com aparições no documentário.

Porém, é a sua amizade com o cineasta Glauber Rocha que surge como a primeira pauta em debate em “Rogério Duarte, O Tropikaoslista”, para quem criou os emblemáticos cartazes de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Idade da Terra”, hoje itens de culto entre cinéfilos de todo o mundo. Já os seus posicionamentos políticos, aliado ao seu império criativo, custou-lhe caro em um contexto opressor, sendo preso e torturado por militares em meados de 1960.

Mesmo com a inestimável presença do próprio Rogério Duarte compartilhando uma série de histórias – despertando inclusive um fascínio extra do espectador pela sua caracterização bem particular, usando boinas, chapéus e bonés alinhados para cobrir o seu olho direito, danificado por um acidente -, a produção se perde neste mar atualmente intenso de registros nacionais a cobrir o tropicalismo. Há também uma desorganização narrativa, fruto de depoimentos filmados em momentos diferentes com evidente desequilíbrio na qualidade de captação sonora.