Resenha Crítica | Selfie Para o Inferno (2018)

Selfie from Hell, de Erdal Ceylan

Há três anos, o diretor Erdal Ceylan produziu um curta-metragem que não totalizava sequer dois minutos que estourou quando lançado. Trata-se de “Selfie from Hell”, que contava com apenas um ou dois cômodos de uma casa como locação, a atriz Meelah Adams e uma aparição bizarra ao final. Não passava de um divertidíssimo jump scare bem pregado e hoje com mais de 21 milhões de visualizações no YouTube.

Fosse melhor parar por aí. No entanto, estamos no momento em que muitos cineastas estão despontando com os seus curtas de horror e chegou a vez de Ceylan após David F. Sandberg ter arrecadado quase 150 milhões de dólares mundialmente com o seu terrível “Quando as Luzes se Apagam“, outro longa oriundo mais de um conceito específico utilizado para pregar um bom susto do que necessariamente um argumento consistente.

Porém, Ceylan evidentemente não está amparado aqui por um grande estúdio, pois a encarnação de “Selfie Para o Inferno” como longa-metragem parece ter contado com recursos de uma produção caseira. É tudo ridiculamente barato aqui, da seleção do elenco aos aspectos técnicos que vão predominando a realização.

Aqui, nem o bom pulo da cadeira proporcionado pelo curta está presente, com Adams sendo atacada por uma entidade maligna em uma evidência de que Ceylan definitivamente não tem mão firme para orquestrar algo com 73 minutos de duração, que correm com o peso de um filme do filipino Lav Diaz. E a premissa arquitetada para justificar o acontecimento vai atingindo os níveis mais incoerentes possíveis.

Dá que Hannah (Alyson Walker) precisa assumir o protagonismo da narrativa para tentar desvendar o que aconteceu com a prima interpretada por Adams, uma vlogueira que teria acessado uma versão alternativa da deep web e desde então assombrada por uma figura misteriosa, que só se manifesta quando ela tira selfies. Faz tudo sem conhecimento de causa e, quando alertada por um colega de trabalho, Trevor (Tony Giroux), dos riscos que pode correr já é tarde demais.

No mundo virtual de “Selfie Para o Inferno”, os usuários acessam salas secretas usando fontes parecidas com a Comic Sans, o terror dos publicitários e que só comprova que a pesquisa de Ceylan foi feita nas coxas. Até a foto usada da atriz Meelah Adams é a mesma presente na sua ficha do IMDb. Já Alyson Walker é vista sempre impecavelmente vestida e maquiada, ainda que sua personagem passe a maior parte do tempo presa dentro de casa. São pequenos detalhes que já antecipam o que se pode esperar na hora em que “Selfie Para o Inferno” tenta risivelmente tacar o terror.

Resenha Crítica | Os Estranhos: Caçada Noturna (2018)

The Strangers: Prey at Night, de Johannes Roberts

Embora um legítimo representante do slasher moderno, “Os Estranhos” parecia fazer mais um estudo do medo por uma ameaça à espreita do que necessariamente a exibição de uma contagem de corpos de assassinos mascarados. Com muito pouco em mãos, o então estreante Bryan Bertino há todo o momento brincava com as nossas expectativas em seu jogo de caçador e caça, prolongando ao máximo a ação de um trio de psicopatas contra um casal em um ambiente limitado de possibilidades para diretores menos criativos.

Por tudo isso, é compreensível a demora de 10 anos para a vinda de uma inevitável sequência. Mesmo com o grande sucesso comercial (82 milhões de dólares rendidos mundialmente a partir de um orçamento de 9 milhões), “Os Estranhos” é um filme que se ama e se odeia com intensidades parecidas, pois para muitos a sua proposta resulta em um verdadeiro teste de paciência.

O britânico Johannes Roberts (de “Do Outro Lado da Porta” e “Medo Profundo”) é mais um nome despontando no gênero claramente influenciado por mestres do horror dos anos 1970 e 1980. A primeira coisa importante que faz é desvincular o seu “Caçada Noturna” do original, limando o uso de “2” no título e encarando as coisas como uma “aventura” independente.

Deixando isso claro já no batismo do projeto, Roberts apresenta intenções diferentes. Aqui, o seu terror é mais frontal, pois investe menos nas “prendas” dos assassinos e mais nos ataques que executam. É também mais amplo o espaço, logo abandonando as dependências de um parque de trailers para explorar as ruas, o matagal e os comércios abandonados.

Por fim, adota uma prática comum dos cineastas em ascensão, nos confundindo com uma narrativa contemporânea dotada de elementos antiquados, do estilo de direção à trilha sonora composta por baladas como “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler (tocada naquela que já é uma das melhores cenas do ano), e “Making Love Out Of Nothing At All”, do Air Supply. Há até uma citação escancarada de Tobe Hooper, a mente por trás de “O Massacre da Serra Elétrica” falecido em agosto de 2017.

Tudo colabora para deixar o peso do mundo sobre os ombros frágeis de Kinsey (Bailee Madison), adolescente que está prestes a ser transferida pelos seus pais Cindy (Christina Hendricks) e Mike (Martin Henderson) para um internato por uma sucessão de más condutas no colégio. Um mero detalhe que só amplia as possibilidades de “Os Estranhos: Caçada Noturna”. Independente se visto pelo prisma da desestruturação de uma família ou da mera luta pela sobrevivência, o resultado será igualmente perverso e arrepiante.

Resenha Crítica | Em Um Mundo Interior (2018)

Em Um Mundo Interior, de Flavio Frederico e Mariana Pamplona

Recentemente, o longa-metragem de ficção “Tudo Que Quero” exibiu de modo agridoce, mas competente, a rotina diariamente seguida por uma autista interpretada por Dakota Fanning. Há também a inclusão do modo particular de como ela se relaciona com as pessoas e as coisas, a exemplo de sua reação de defesa diante de um toque humano.

Quem viu a esse filme de Ben Lewin e desejou saber mais sobre pelo autismo deve ficar ainda mais consciente sobre a vida de indivíduos nessa condição no documentário brasileiro “Em Um Mundo Interior”, realizado por Flavio Frederico e Mariana Pamplona. E a dupla fez um bom trabalho de observação, dando conta de diferentes perspectivas ao acompanhar sete famílias de categorias sociais diferentes situadas em estados diferentes do Brasil.

Aqui, o autismo não é classificado como uma doença, mas sim um modo de estar no mundo. E há maneiras distintas como os personagens o ocupam. Há desde Eric, um rapaz de 18 anos que encontrou no exercício de inúmeras atividades um recurso para ser funcional e que faz até viagens sozinho para fora do país, até Betinho, com 10 anos a todo o momento assistido para não agredir a si mesmo.

Flavio e Mariana buscam se esquivar do didatismo esperado de um documentário com tal tema, tentando incrementar algo além do acompanhamento dessas crianças e adolescentes nos ambientes familiar e escolar e dos depoimentos de especialistas. A saída foi solicitar que cada um deles registrasse cenas do cotidiano com câmeras de fácil manuseio, mas o recurso soa deslocado até mesmo pela baixa adesão de interessados.

Assim, o diferencial é encontrado na contenção do sentimentalismo, buscando não intervir com a música e com as lágrimas de pais por vezes desolados as saídas para conscientizar sobre a necessidade do respeito a uma minoria que se percebe na vida de uma maneira diferente da nossa. E não há nada mais reconfortante do que testemunhar ao final os grandes progressos dessas pessoas ao serem abraçados como são.

Resenha Crítica | A Superfície da Sombra (2017)

A Superfície da Sombra, de Paulo Nascimento

Publicado em 2012 pela editora Grua Livros, o romance “A Superfície da Sombra” é um dos 15 livros publicados de Tailor Diniz e que o confirma como um autor persistente na arte do mistério, elaborando histórias que giram em torno de crimes e mortes. Pela primeira vez, é adaptado para os cinemas pelo cineasta Paulo Nascimento, com quem aliás retomará parceria ainda este ano com a série televisiva “Chuteira Preta”.

No prólogo do filme, se faz presente a descrição de Diniz quanto a fronteira que separa o Brasil do Uruguai. Ela é atravessada por Tony (Leonardo Machado), sujeito de Porto Alegre que vai visitar Adèle, uma velha amiga. Ao chegar em sua residência, é recepcionado pela filha dela, Blanca Lucía (Giovana Echeverreria), e informado sobre o seu recente falecimento.

Restou para Tony a possibilidade de despedida com Adèle já no caixão. Ainda assim, não decide regressar de imediato, interagindo com a pequena população que se comunica em portunhol. Além de Blanca, passa a desenvolver uma conexão com um coveiro e cantor de tango interpretado pelo sempre fascinante César Troncoso, uma espécie de porta de entrada para um ambiente particular repleto de misticismos.

A princípio, o aspecto mais elogioso de “A Superfície da Sombra” se concentra na fotografia de Renato Falcão. Responsável pela estética das animações dirigidas e produzidas por Carlos Saldanha, ele transforma Chuí, município do Rio Grande do Sul com menos de 7 mil habitantes e principal locação do longa, em um universo coberto por nuvens densas em que os raios solares se manifestam timidamente.

Porém, a hipnose provocada pela boa exploração do ambiente e a sua potencialidade para obter uma iluminação particular logo se desfaz, graças a um roteiro que investe na aparição pontual de figuras que relembram ou profetizam acontecimentos que não costuram ao final uma boa resolução. Pouco ajuda a caracterização incompreensível de Tony, com um look à lá Nicolas Cage em “Coração Selvagem”, bem como a trilha instrumental absolutamente inadequada de Paulinho Supekovia. Uma decepção dupla para a conta de Paulo Nascimento, que agora prova não saber fazer suspense a um mês do lançamento do igualmente insípido “Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos”.

Resenha Crítica | Paraíso Perdido (2018)

Paraíso Perdido, de Monique Gardenberg

Mesmo com as convenções, já se estabeleceu com este jovem século que os relacionamentos amorosos não se comportam mais nas estruturas daquilo que se testemunhou nas gerações passadas. Consequentemente, os modelos de família também sofreram mutação, não atendendo somente aos elos de sangue e heteronormativos.

É certo que esse fenômeno impactou a diretora e roteirista baiana Monique Gardenberg na concepção de “Paraíso Perdido”, filme-mosaico que apresenta certo parentesco com “Exótica”, obra-prima de Atom Egoyan produzida em 1994. Entretanto, aqui a conexão entre personagens não se dá necessariamente por um mistério, mas sim por uma família que se fortalece ao enfrentar as adversidades e ao abrigar os estranhos que adentram o night club que trabalham, justamente batizado como Paraíso Perdido.

Gerente do estabelecimento, José (Erasmo Carlos) é viúvo e pai do cantor Ângelo (Júlio Andrade) e da presidiária Eva (Hermila Guedes), além de avô da drag queen Imã (o jovem cantor e compositor carioca Jaloo, o melhor do elenco), para quem contrata os serviços do policial Odair (Lee Taylor) como segurança particular após sofrer um ataque homofóbico a caminho do Paraíso Perdido. Há outros personagens que vão se juntando a essa ciranda, como o professor de inglês interpretado por Humberto Carrão apaixonado por Imã, a também presidiária de Marjorie Estiano e o motoboy amigo de José feito por Seu Jorge.

.

.

Em seu primeiro longa de ficção desde “Ó Paí, Ó” (2007), Gardenberg volta a inserir a sua história em um universo pautado em muitas circunstâncias por canções. Aqui, alguns de seus personagens geralmente cantam as suas dores de amores a partir de uma seleção totalmente voltada à música romântica brasileira, popularmente categorizadas como brega.

São belos números banhados com aquela luz neon típica, mas que nem sempre ganham correspondência com a história que está sendo contada, funcionando muitas vezes mais como um toque estilístico do que necessariamente complementar. O mais desapontador, no entanto, é forçar um caminho utópico, em que as diferenças se abraçam literalmente em um carrossel. A resolução mesmo só deve convencer os menos céticos dos espectadores.

.

+ Entrevista com Jaloo, Lee Taylor e Humberto Carrão
+ Entrevista com Seu Jorge, Julia Konrad e Júlio Andrade

Resenha Crítica | Não Se Aceitam Devoluções (2018)

Não Se Aceitam Devoluções, de André Moraes

Hoje com aproximadamente 60 quilos a menos, o comediante Leandro Hassum pode experimentar uma virada na carreira. Antes reconhecido por tipos que impunham uma presença física cômica ao ponto de caricaturar o homem gordo, agora o ator de 44 anos nascido em Niterói vai precisar recorrer a outros atributos e as caretas não bastam.

Nos 99 minutos de “Não Se Aceitam Devoluções”, Hassum prova que não se renovou. A circunferência como recurso de humor não está mais lá. Mas o protagonista da trilogia “Até Que a Sorte Nos Separe” continua o mesmo ao forçar o sorriso e ao esganiçar a voz, comportando-se de um modo pouco conveniente com o drama que irá viver.

Aqui, ele interpreta o mulherengo Juca Valente. Com tantas relações casuais, deduz-se que não demoraria para alguma parceira bater em sua porta anunciando uma gravidez. Pois é exatamente o que acontece e Brenda (a cubana Laura Ramos, em boa interpretação) foge assim que deixa a sua filha Emma aos cuidados dele.

Os anos se passam e Juca se reinventou como dublê em filmes de ação em Hollywood. Mas continua o mesmo bobalhão na vida privada. Vive dando a desculpa para a sua filha que fará manutenção no colchão da vizinha apenas para não dizer que irá transar com ela e o seu instinto super protetor não releva a imaturidade como homem adulto, vivendo em Los Angeles sem ao menos saber falar ou entender inglês.

Se a história lhe parece familiar, é porque ela já foi contada em 2013 no mexicano “Não Aceitamos Devoluções”. Porém, mesmo com a fórmula testada e aprovada (Eugenio Derbez se transformou em astro graças ao filme) e o pedigree de um estúdio como a Fox, “Não Se Aceitam Devoluções” é precário. Pior que Hassum é a intérprete de sua filha, a pequena Manuela Kfouri, artificial no humor e no drama.

Também são claras as camuflagens cenográficas para criar a ilusão de que estamos em uma terra estrangeira, as captações de cenas de segunda unidade feitas com qualidade inferior de imagem e até mesmo um efeito visual canhestro da Emma bebê rumando para uma piscina. Quando tais detalhes não se fazem presentes, o realizador André Moraes (de “Entrando Numa Roubada”) adota uma estética mais televisiva do que cinematográfica, com a câmera sempre sufocando o seu elenco e tendo pouco envolvimento com o entorno.

Considerando tudo isso, seria injusto não pontuar que ao menos há algo terno reservado para a meia hora final, ainda que o plot lésbico soe preconceituoso. Isso porque a história fermenta para os momentos derradeiros uma virada surpreendente, autorizando inclusive que Hassum flerte finalmente com o drama e apresentando um empenho satisfatório. Entretanto, tal mérito deve ser depositado mais na conta de Derbez e menos em um esforço quase inexistente de Moraes em agregar alguma novidade a uma história já adaptada pelos franceses, turcos e, logo mais, pelos americanos.