+ Resenha crítica de “Tudo é Irrelevante, Helio Jaguaribe”
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Em 2000, Izabel Jaguaribe codirigiu o documentário televisivo em média-metragem “Passageiros”. Porém, antes desse crédito, a carioca já havia dado alguns passos no campo de cinema, incluindo a atuação como assistente de direção de nomes como Walter Salles (“A Grande Arte”) e Suzana Moraes (“Mil e Uma”). Somou também uma graduação em Comunicação Social e uma série de trabalhos campo da publicidade.
O tempo comprovou um interesse predominante pelo documentário. Em algum momento dessa trajetória, surgiu a ideia de realizar um em que o seu pai, o intelectual Helio Jaguaribe, fosse a figura central. Materializou-se assim “Tudo é Irrelevante, Helio Jaguaribe”, atualmente em cartaz nos cinemas – nesta quinta-feira, 6 de setembro, passará a ser exibido também no Espaço Itaú de Cinema Augusta, de São Paulo.
Confira a seguir a entrevista que Izabel concedeu ao Cine Resenhas por e-mail, em que discorre sobre como se dão os debates políticos e existenciais na nossa contemporaneidade, o efeito que Helio deve causar nos jovens e a parceria com Ernesto Baldan na direção.
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A sua carreira forma uma grande bagagem que abriga projetos cinematográficos, televisivos e comerciais. A ideia de realizar um documentário sobre o seu pai Helio Jaguaribe era fermentada há muito? Quando ela de fato começou a tomar formas?
Sim, essa ideia vem de longa data. Sempre tive vontade de registrar as ideias de meu pai e aproveitar sua grande capacidade de eloquência e vivacidade. Comecei esse projeto em 2008, por aí você pode ver o quanto de tempo foi empregado para realizar esse filme.
Helio é parte de um grupo de intelectuais que contribuiu para que sua geração compreendesse e questionasse especialmente o contexto político que vivia. Como acredita que o seu documentário impactará a essa geração atual que agora o assiste?
Acho que o documentário veio a ser lançado em um momento muito oportuno, estamos mais do que nunca precisando debater nossa vida política. Gostaria muito que esse filme fosse visto por jovens também, fizemos inclusive um esforço de sair do terreno estético mais tradicional para tentar investir em uma linguagem mais renovadora e assim conquistar um público mais jovem. Acho importante mostrar para as novas gerações a nossa história, somos um país sem memória e é fundamental olharmos o passado para melhor traçarmos um futuro. Uma das maiores contribuições que acredito termos registrado nesse projeto é a da discussão produtiva, pessoas com ideias diferentes e pensamentos diversos conseguindo dialogar em harmonia. Acredito que hoje estamos muito inflamados e destemperados, as discussões na web adquirem carácter muito contundente e às vezes nocivo. Sou completamente favorável a termos posições convictas, o que não significa necessariamente ser impositivo e autoritário. Continuo achando que a democracia é nossa melhor opção e, portanto, um debate frutífero deve ser construído.
É inevitável não refletir dentro de nossa contemporaneidade a presença dos debates políticos e intelectuais na plataforma virtual. Como avalia essa transferência de algo outrora presente fortemente na comunicação impressa e nas instituições de ensino para um ambiente em que qualquer um pode assegurar o seu púlpito? Idealiza a atuação de Helio nesse cenário?
Por um lado, acho muito bom termos esse ambiente virtual que nos oferece possibilidade de atingir muita gente e trocar ideias e impressões, mas temos que ter cuidado para não cairmos num círculo fechado de ideias parecidas e acharmos que todos pensam assim, pois os tais algoritmos nos levam a ver as pessoas que tendem a pensar da mesma forma. Por outro lado, quando somos expostos à diversidade de pensamento sem estarmos de corpo presente, esse “anonimato” que as redes sociais cibernéticas nos oferecem, ou até mesmo apenas o fato de estarmos mais “protegidos” por trás dos computadores, pode nos levar a uma postura arrogante, muito afirmativa e sem abrir espaço para verdadeiramente tentar ouvir o outro, o que é extremamente prejudicial, pois ao invés de um debate, ocorre uma guerra e num cenário violento acaba sendo mais fácil surgirem posições extremistas e simplificadoras, como se houvesse um salvador e infelizmente não há. Para conseguirmos mudar várias coisas, será necessário criar um consenso. Lembro de meu pai falando que em alguns momentos históricos fica mais fácil criar esse ambiente de consenso e creio que não estamos atravessando um período assim. Helio hoje está mais retirado por problemas de saúde, mas acho que quando se tem ideias claras e com respaldo histórico, sempre é possível fazer bom uso dos espaços públicos, sejam eles virtuais ou não.

Há uma estética muito particular em seu registro, notória especialmente na sobreposição de imagens e nas rolagens exibindo as transformações dos períodos históricos debatidos. Quais foram as discussões com Ernesto Baldan neste aspecto?
A presença do Ernesto Baldan foi fundamental para que o projeto se realizasse, tanto pelo ponto de vista de me dar fôlego para continuar, uma vez que ter um parceiro num trabalho tão longo e que exigiu tanta dedicação é encorajador, como do ponto de vista autoral, onde dei total liberdade de criação para ele no terreno visual. O Ernesto é um artista inventivo, que gosta de criar universos e o faz com uma proposta estética focada, imprimindo um estilo e assim conseguindo harmonizar todo o material, muitas vezes radicalmente distinto. Por termos misturado imagens de arquivo, desenhos, ilustrações e captações com diferentes câmeras (afinal foi feito ao longo de muito tempo, de maneira que houve uma mudança tecnológica que nos acompanhou ao longo desses anos), sentimos necessidade de dar uma cara para o filme, fugir do que seria uma colcha de retalhos, pois queríamos criar um universo próprio e acho que isso ele conseguiu fazer lindamente.
“Tudo é Irrelevante” é pontuado por algumas citações de Helio Jaguaribe. Qual é a mais marcante para você?
Vou falar duas (risos). Eu amo a citação que ocorre na cena das formigas caminhando: “Do ponto de vista cósmico, a vida e a morte de um homem e as de um inseto são igualmente irrelevantes.” Acho que além de ser verdadeira, tem humor, o que eu sempre prezo muito. Outra que gosto demais e concordo com ela intelectualmente é a última citação: “Independente da falta geral de sentido do cosmos, a vida do homem tem o sentido que este lhe der e o que é irrelevante é a irrelevância geral das coisas”. Ela nos reduz ao insignificante que somos, mas abre a possibilidade de tomarmos as rédeas de nossas vidas e assim ganharmos significado. Isso me dá um certo otimismo e esperança.