Slender Man: Pesadelo Sem Rosto

Resenha Crítica | Slender Man: Pesadelo Sem Rosto (2018)

Slender Man, Sylvain White

Nós amamos explorar os detalhes de uma lenda urbana e a do Slender Man ganhou muito impulso com essa geração antenada nos ambientes virtuais, que propaga em sites de mistérios e em fóruns imagens que supostamente flagram a criatura gigante e sem face à espreita na floresta. Portanto, seria questão de tempo que uma ficção como “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto” ganhasse vida.

A questão é que a “origem” do Slender Man é simplesmente patética. Nada mais é do que a criação de um sujeito com boas habilidades no Photoshop, concebendo uma imagem compartilhada de forma desmedida e logo presente no imaginário de anônimos desocupados que relatam ser testemunhas oculares da coisa ou que ampliam o seu mito com montagens nem sempre bem elaboradas.

Pois o realizador francês Sylvain White (cuja experiência prévia no terror foi em, pasmem!, “Eu Sempre Vou Saber o que Vocês Fizeram no Verão Passado”) leva Slender Man extremamente a sério, lidando com uma premissa em que a ameaça se faz presente quando um pequeno ritual de invocação disponível na internet é seguido à risca.

As melhores amigas Hallie (Julia Goldani Telles), Wren (Joey King), Chloe (Jaz Sinclair) e Katie (Annalise Basso) topam o desafio macabro em uma noite do pijama e no dia seguinte as coisas já começam a ficar estranhas. Primeiro vem as visões de Slender Man. Depois o desaparecimento de Katie. Por fim, a tentativa de compreensão do que pode impedir novas ações de Slender Man antes que todas morram sem deixar vestígios.

Diretor de fotografia em seu primeiro projeto de um grande estúdio, Luca Del Puppo até estabelece uma estética gótica curiosa sem deixar o espectador na completa escuridão, mas a concepção visual de Sylvain White arruína todo o seu empenho com a distorção das imagens e a aplicação de computação gráfica canhestra.

Por sinal, as tentativas de causar pavor não fazem qualquer sentido aqui. Além de Slender Man se materializar mais em espaços domésticos e públicos do que propriamente em seu “habitat”, há uma falta de imaginação na arquitetura de algumas alucinações que o efeito acaba se tornando mais cômico do que assustador, como as garras negras que “estouram” a barriga de uma das personagens.

Portanto, foi esperado que “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto” tenha sofrido vários entraves em sua pós-produção e que chegue agora obtendo a pior recepção possível de público e crítica. O mais triste de tudo isso, no entanto, é o crédito de David Birke como autor do roteiro. Responsável por “Elle“, um dos textos mais mordazes do cinema contemporâneo, o americano transforma o seu envolvimento no aspecto mais horripilante de “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto”.

Entrevista com Rafael Terpins, diretor do documentário “Meu Tio e o Joelho de Porco”

+ Resenha crítica de “Meu Tio e o Joelho de Porco”

O último fim de semana foi bem farto de lançamentos nacionais: nada menos que seis títulos. Entre eles, há dois documentários, “Meu Tio e o Joelho de Porco” e “Tudo é Irrelevante. Helio Jaguaribe“, com algo em comum: a direção assinada por um nome que guarda parentesco com a figura real em destaque. No caso do primeiro, Rafael Terpins é quem leva para o cinema a história de seu tio Tico, como era conhecido Carlos Alberto Terpins, o líder do grupo Joelho de Porco.

Após a passagem por importantes festivais de cinema do país, como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o In-Edit Brasil e o Cine-PE, o documentário finalmente é lançado comercialmente pelo Projeta às 7, iniciativa da Rede Cinemark com a distribuidora Elo Company que visa ofertar um recorte do cinema alternativo a preços populares para o público das salas de centros comerciais.

O Cine Resenhas prestigiou a pré-estreia que ocorreu na última terça-feira e agora conversa com Rafael Terpins, que compartilha detalhes adicionais bem curiosos sobre a realização de “Meu Tio e o Joelho de Porco”.

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Em tom de brincadeira, o trailer de “Meu Tio e o Joelho de Porco” diz se tratar d'”o primeiro documentário brasileiro sem depoimentos do Caetano Veloso”. Acredita que chegou o momento dos documentaristas deixarem o tropicalismo um pouco à parte para se debruçar sobre outros movimentos e grupos musicais brasileiros?

Esta foi uma daquelas epifanias que me remeteu diretamente ao tipo de humor que o Tico usaria. Adoro o trabalho do Caetano. “Transa” é um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos, mas ele acabou se tornando a única entidade a ser consultada sobre qualquer expressão artística brasileira. Acredito que haja outros depoentes vivos que possam firmar a importância de este ou aquele movimento cultural que não seja o Caetano. Nunca foi minha intenção desmerecer a Tropicália ou sua importância, mas estava tirando um sarro de uma saída fácil utilizada por outros colegas documentaristas. Para se ter uma ideia, contei por cima 37 longas documentários com depoimentos do Caetano no IMDb! Como o Joelho de Porco foi sempre marginalizado, especialmente fora de São Paulo, achei que tratá-lo com a proximidade que tratei seria o melhor retrato para este Elo perdido do Rock Brasileiro. Procurar uma afirmação externa para sua importância seria chover no molhado.

A ideia de produzir um documentário focado na figura de seu tio Tico Terpins é recente ou já povoava os seus pensamentos desde o início de seu envolvimento com cinema em ofícios além da direção?

Um sonho muito antigo, antes até de meu envolvimento com a indústria do cinema nacional. De quando o Tico, frente à minha veneração adolescente à grandes diretores de publicidade no fim dos anos 1980, jogou um “Músicos fazem discos, cineastas fazem filmes” que me perseguiu por alguns anos até conseguir completar este filme. Meus curtas foram propositalmente sobre assuntos diversos, aguardando a oportunidade de fazer este longa. Mas com certeza o montante gasto com analistas durante todos estes anos foi maior do que o utilizado na produção do filme, ele traz uma carga emocional e pessoal muito grande.

Deduzo que produzir um documentário sobre uma figura tão próxima a você foi facilitador em alguns aspectos, como o acesso aos arquivos pessoais e a proximidade com os depoentes.

Contei com o parceiro pesquisador Remier Lion, o mesmo do filme do Raul (que, sim, tem o Caetano). Foi muito importante o guia de pesquisa que ele me passou, mesmo em se tratando de acervos dentro da família. Tinha um tio avô chamado Mendel, ele era um técnico cinematográfico e chegou a produzir peças publicitárias em 16mm nos anos 1950. Graças a ele tínhamos um extenso registro em 16mm e posteriormente em Super 8. Mesmo assim, fomos surpreendidos com material inédito, como o registro do Teatro Ruth Escobar de Mardito Fiapo de Manga em 16mm que abre o filme na TV Cultura.

Meu Tio e o Joelho de Porco

Mesmo nessa posição privilegiada, se deparou com muitos revezes?

Se o Michael Moore morasse no Brasil, ele seria raquítico e não encontraria trabalho nenhum. Não deveria haver entraves para utilização de imagem de ninguém. Se há difamação, que seja julgada, mas nossa lei retrógrada protege corruptos e apaga o passado. O Billy Bond ameaçou me processar, assim como fez quando o Joelho lançou seu primeiro disco com Zé Rodrix na década de 1980. Fui obrigado a borrar suas feições no filme. O outro revés foi que não consegui utilizar a performance inesquecível do Joelho no programa “Os Trapalhões” de 1978.

“Meu Tio e o Joelho de Porco” adota algumas escolhas que o fazem sair de um formato trivial de documentário, do uso do stop motion até as parcerias com André Abujanra e Di Moretti, respectivamente autor da trilha original e supervisor do roteiro. Poderia comentar sobre as intenções por trás delas?

Foi um filme de afetos, do começo ao fim. Queria envolver animação como fiz no curta “A Guerra do Gibis”, com personagens tomando partido na narrativa. Chamei os parceiros do estúdio Térreo que prontamente colaboraram, principalmente o Lucas Emanuel que animou o Ticozinho e acabou por realizar seu último trabalho autoral no meu filme, falecendo aos 37 anos de idade subitamente. O Abu é um amigo e parceiro queridíssimo, criamos e produzimos duas séries de TV juntos e fiz algumas capas de disco e animações para ele. O Tico uma vez me disse que o Mulheres Negras era uma cópia do Joelho e ao invés de negar o Abu sempre concordou. Ele adorou o desafio e fez um contraponto musical denso para a música engraçada do Joelho no filme, adorei! Depois de dois ou três cortes do filme, me senti um pouco travado com a narrativa, um amigo produtor sugeriu o Di Moretti, que eu já conhecia de outros projetos como animador/motion grapher. Sua colaboração foi essencial para fechar as pontas abertas da narrativa e me ajudaram a chegar à conclusões como utilizar meus desenhos de infância para ilustrar minha narração no filme.

Há fatos ou informações inéditas que tenha descoberto sobre o seu tio no processo de realização do documentário?

Como dizia o Eduardo Coutinho: “Faço filmes sobre coisas que não conheço”. Para mim era muito clara a carreira do Joelho pós-Billy Bond: Zé Rodrix, David Zingg, Festival dos Festivais, o Careca e Penteado… era tudo muito familiar para mim. Eu tinha 10 anos ou mais e conseguia mal-e-mal acompanhar. O Joelho do começo, com um jovem Tico muito mais inconsequente do que o publicitário que eu conheci que era meu objetivo descobrir com este projeto. Já durante os cortes finais do MTJP, sonhei que estava com um jovem Tico cabeludo dando uma volta na Praça da Sé. Missão cumprida. Aprendi novas histórias como o xixi no whisky, o caso do delegado que queria colocá-los no hospício e do Tico sendo encontrado mergulhado em uma latrina antes do show começar no Ruth Escobar. Só não consegui ir à fundo na briga com o Billy Bond. Uma situação extrema que vai morrer com os dois. O quanto foi dinheiro? O quanto teve alguma outra coisa envolvida? Ninguém nunca vai saber.

Meu Tio e o Joelho de Porco

Resenha Crítica | Meu Tio e o Joelho de Porco (2017)

Meu Tio e o Joelho de Porco, de Rafael Terpins

No trailer de “Meu Tio e o Joelho de Porco”, a sentença “o primeiro documentário brasileiro sem depoimentos do Caetano Veloso” é apresentada em seus segundos finais. Nada mais que uma brincadeira, mas evidencia um vício em nosso cinema: o do enaltecimento das figuras do tropicalismo em detrimento de outros movimentos, artistas e grupos brasileiros.

Com grande fatia de seu currículo composto por créditos na concepção da abertura de filmes como “Chega de Saudade”, “As Melhores Coisas do Mundo” e “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro“, Rafael Terpins dá agora uma contribuição para remar contra essa predileção contando para velhas e novas gerações a história do Joelho de Porco. Fundado em 1972, o grupo paulistano foi um importante expoente do rock, com composições que flertavam com o punk, o psicodélico e mesmo o cômico.

Há, no entanto, um elo afetivo aqui, pois Rafael é sobrinho do líder do Joelho de Porco Carlos Alberto Terpins, conhecido como Tico e falecido em 1998 em decorrência de um enfarte. Assim, há todo um resgate costurado por arquivos pessoais e depoimentos de velhos conhecidos de Tico, que relembram o caráter subversivo do conjunto.

Há momentos saborosos aqui. Os melhores ficam por conta do produtor artístico Julio Calasso, que conversa para a câmera com todas aqueles imprevisibilidades que surgem quando se filma nas ruas de São Paulo. Também dão as caras Próspero Albanese (vocal e baterista), Rodolfo Ayres Braga (baixo e vocal) e Ricardo Petraglia (que participou da formação mais recente) – também com passagem no Joelho de Porco, Billy Bond tem o seu rosto borrado nas imagens em detrimento do conflito que teve com Tico.

O relação familiar talvez omita outros pontos menos lisonjeiros da biografia de Tico, fazendo com que prevaleça o tom de tributo à sua figura. Tal direcionamento faz Rafael assumir escolhas que colaboram para o documentário assumir um formato menos tradicional e, por isso mesmo, bem-vindo, como se vê em suas interações com um Tico reencarnado em um boneco animado em stop motion.

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+ Entrevista com Rafael Terpins, diretor do documentário “Meu Tio e o Joelho de Porco”

Tudo é Irrelevante, Hélio Jaguaribe

Resenha Crítica | Tudo é Irrelevante, Helio Jaguaribe (2017)

Tudo é Irrelevante, Helio Jaguaribe, de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan

Hoje com 95 anos, Helio Jaguaribe desafiou o conservadorismo e censura de sua época propondo por meio da escrita e da presença em instituições de ensino debates que avaliavam não apenas a evolução humana, como também o contexto político que ali viviam. Trata-se de um intelectual querido tanto por seus pares quanto por nomes públicos que exercem outras atividades, como mostra o documentário “Tudo é Irrelevante, Helio Jaguaribe”.

Filha de Helio, Izabel Jaguaribe assume a responsabilidade de dirigir a realização, buscando às vezes um passo de distância seguro e estabelecido após uma carreira com o envolvimento em outros projetos, de comerciais a séries televisivas. Além do mais, encontra em Ernesto Baldan aquela segunda perspectiva que dita a estética de seu registro e que aqui se apresenta como codiretor.

Personalidades como Antonio Cícero, Fernando Henrique Cardoso, Marcus Azambuja, Maria Alice Rezende de Carvalho e Sérgio Paulo Rouanet são algumas a darem depoimentos, mas não necessariamente sobre Helio Jaguaribe, mas sim sobre questões que tanto refletiu ao longo de sua vida. No clima filosófico, há a narração de Fernanda Montenegro como quebra, embora ela também surja em cena para falar brevemente sobre o ofício do ator em sua origem no teatro da Grécia Antiga.

Mesmo com o inegável fascínio pela figura em destaque e de um prólogo dedicado a exibir as suas interessantes impressões sobre a falta de sentido do universo e da concepção humana, o documentário imediatamente sucumbe a um formato extremamente tradicional, mesmo com as intervenções visuais. Faltou também se atentar a questões mais contemporâneas, o que certamente ampliaria a curiosidade de iniciados por Helio Jaguaribe.

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+ Entrevista com a diretora Izabel Jaguaribe

Ferrugem

Resenha Crítica | Ferrugem (2018)

Ferrugem, de Aly Muritiba

O cineasta Aly Muritiba é extremamente curioso em avaliar as consequências do registro de uma intimidade a partir de dispositivos tecnológicos, transformados em verdadeiras armas para a destruição de reputações. Lembra muito o início de carreira do canadense Atom Egoyan, em que o fenômeno dos vídeos caseiros existente graças às câmeras portáteis e videocassetes revelava também uma sordidez entre quatro paredes.

Se em “Para Minha Amada Morta” o protagonista interpretado por Fernando Alves Pinto despertava em si um instinto de vingança ao descobrir uma VHS que continha a traição cometida por sua falecida esposa, em “Ferrugem” temos novamente uma gravação sexual como pontapé para o desenvolvimento de uma narrativa. Aqui, no entanto, a consequência é coletiva e, por isso mesmo, mais perigosa.

Tati (Tifanny Dopke) é uma adolescente que está investindo em um colega de sala, Renet (Giovanni de Lorenzi), depois de um rompimento com o namorado. Em uma noite com os amigos, ela perde o seu celular e, no dia seguinte, tem o vídeo da transa com o ex vazado. Primeiro, vem a hostilização na escola. Depois, a certeza de que não há como desfazer a coisa quando o arquivo é publicado em sites pornográficos.

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+ Entrevista com Aly Muritiba, diretor e corroteirista de “Ferrugem”:

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Escrito em parceria com Jessica Candal, Aly Muritiba faz um filme dividido em duas partes. A primeira é excepcional e sem concessões, exibindo com perícia um universo adolescente sem filtros e no qual os adultos são presenças inconstantes. Lamentavelmente, as qualidades são se fazem presente na segunda.

Excetuando Raquel, a mãe de Renet interpretada por Clarissa Kiste que representa a culpa que mulheres carregam quando são vítimas ou quando assumem escolhas radicais, nada há de bom nesse momento de “Ferrugem”, concentrando o peso do que aconteceu com Tati em Renet, um personagem aborrecido pelo qual vamos progressivamente deixando de nos importar. Se o registro pretensamente intimista dessa “Parte 2” fosse repensada para o contexto mais amplo da “Parte 1”, é certo que “Ferrugem” de fato impactaria com o seu conto moral.

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+ Entrevista com a atriz Clarissa Kiste sobre “Ferrugem”
+ Entrevista com Tifanny Dopke, Giovanni de Lorenzi e Nathalia Garcia sobre “Ferrugem”