Resenha Crítica | A Incrível Eleanor (2025)

Um dos episódios mais comoventes que já conferi do “Finding Your Roots” foi aquele com a participação de Scarlett Johansson, onde ela descobre o destino trágico de vários de seus ancestrais no Leste Europeu durante o Holocausto.

Estou certo de que se conectar a um passado que desconhecia em sua família de origem judia foi muito importante para ela escolher o roteiro de “A Incrível Eleanor”, escrito pela Tory Kamen, como aquele que marcaria a sua estreia como diretora em longa-metragem – ela também conduziu um segmento muito bonito de “Nova York, Eu Te Amo” com o Kevin Bacon, mas, infelizmente, ele ficou de fora do corte final.

Sou muito admirador da versatilidade de Scarlett Johansson, que se manifesta em diferentes fases de sua carreira. Há 20 anos, emplacou uma sequência de grandes interpretações em grandes filmes, como “Encontros e Desencontros”, “Match Point” e “Moça com Brinco de Pérola”, enquanto ensaiava uma carreira bem interessante como cantora. Já na década passada, equilibrou a sua entrada na Marvel com a obra-prima “Sob a Pele”, onde desempenhou a sua melhor interpretação até o momento.

Agora com 40 anos, é protagonista de um dos maiores blockbusters do ano (“Jurassic World: Renascimento”) enquanto também se apresenta atrás das câmeras em um projeto extremamente oposto e com resultados muito equilibrados.

Scarlett não apenas gerencia a comicidade e a melancolia de “A Incrível Eleanor” nos tons exatos, como ainda valoriza o trabalho de seu elenco em um filme em grande parte estruturado em planos fechados com o objetivo de também se comunicar a partir das faces aqui disponíveis, sobretudo as de June Squibb e Rita Zohar.

Muito bonito se deparar com uma dramédia americana que dá protagonismo para uma atriz nonagenária e outra octogenária, fazendo uso de ambas para criar uma história que toma contornos bastante emotivos sobre lutos suprimidos e tragédias históricas nem sempre preservadas pelas gerações seguintes.

★★★
Direção de Scarlett Johansson
Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Em breve nos cinemas (Sony Pictures)

Resenha Crítica | Father Mother Sister Brother (2025)

Autor independente e verdadeiro cronista de vidas anônimas, Jim Jarmusch volta sempre que pode ao formato do compilado de pequenos contos, aos moldes daquele experimentado em “Uma Noite Sobre a Terra” (1991) e “Sobre Café e Cigarros” (2003). É onde se vê o diretor de 72 anos no seu modo de artesania mais modesto, sem firulas narrativas ou visuais.

É exatamente essa a proposta de seu mais recente “Father Mother Sister Brother”, onde teremos três pontos de parada dentro de três núcleos familiares distintos: a visita de Adam Driver e Mayim Bialik ao pai Tom Waits em algum lugar isolado dos Estados Unidos; a viagem das irmãs Cate Blanchett e Vicky Krieps à casa da mãe Charlotte Rampling em Dublin; e a última, a ida dos irmãos Luka Sabbat e Indya Moore ao apartamento em que viveram na infância em Paris.

Jarmusch faz uma série de rimas entre essas pequenas histórias como se fossem versões alternativas umas das outras. A primeira tem um resultado mais cômico, enquanto a última preserva um tom mais melancólico. Ainda assim, repetições de tradições (os brindes com bebidas inadequadas para esse propósito), as transações financeiras indevidas, os skatistas do mundo lá fora etc. reforçam que somos indivíduos iguais apenas separados por contextos geográficos, políticos e sociais.

Jim Jarmusch nunca tinha colocado um filme em competição no Festival de Veneza e saiu de lá com a honraria máxima dentro de um line-up em que os seus feitos em “Father Mother Sister Brother” foram os mais tímidos. Pode-se interpretar a honraria dada por Alexander Payne, um nome muito influenciado por seu cinema, como a celebração por uma carreira menos premiada do que se possa supor. Porém, essa distinção, que em estratégias mercadológicos aumenta as chances de “Father Mother Sister Brother” em termos financeiros e de alcance de audiência, dá ao filme um peso que ele não sustenta.

★★★
Direção de Jim Jarmusch
Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Em breve nos cinemas (MUBI Brasil)

Resenha Crítica | Resurrection (2025)

Ao sair da sessão de “Resurrection”, fui abordado por amigos que perguntaram se gostei do filme e também testemunhei outros espectadores fazendo a mesma pergunta para as suas companhias. Acho que gostar ou não gostar é o que menos importa aqui, pois o diretor chinês Bi Gan faz aquele típico filme sensorial em que você vai sentir mil coisas, de vontade de dormir até aquele sentimento de que está realmente diante de algo que está evocando sentimentos muito enriquecedores.

O mais claro aqui é esse desejo de enaltecer o cinema como a arte mais próxima a reproduzir o que experimentamos em sonhos. Para isso, o diretor estabelece uma colcha de retalhos que mais soa como diferentes segmentos com personagens possuindo diferentes corpos.

Em um momento, a gente é cúmplice de uma versão de Nosferatu. Em outra, há um nômade fugindo de credores e que se passa por mágico para fazer dinheiro fácil e fugir. No melhor deles, há um rapaz apaixonado à primeira vista por uma mulher: ela tem o desejo de morder; ele, quer dar o seu primeiro beijo.

Manipulando diferentes janelas, noções de tempo, estéticas e locações, “Resurrection” chegou ao Festival de Cannes sob a lenda de que foi completado à véspera. A curiosidade pode ser usada como arsenal contra o filme por espectadores que o acharam todo desalinhado. Do meu ponto de vista, essa noção de fechamento sob pressão de um deadline é até bem-vinda a algo que pretende seguir o fluxo de um inconsciente.

★★★★
Direção de Bi Gan
Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Em breve nos cinemas (Fênix Filmes)

Resenha Crítica | Jay Kelly (2025)

Em tempos cínicos como vivemos, o que não precisamos é de um filme complacente com a figura de um astro de cinema, que tem todos os privilégios em mãos, de cachês milionários até serviçais em posições de assistentes que agem como cães-guia de personalidades que não prestam nem pra pegar o próprio copo com água.

Embora hoje em dia possa não estar na fase mais criativa de sua carreira, o diretor e roteirista quatro vezes indicado ao Oscar Noah Baumbach ainda impregna determinados conflitos dramáticos com aquele seu amargor mordaz.

Ainda que “Jay Kelly” seja um personagem ficcional, esse filme parece se comportar como um tributo de despedida de George Clooney do ofício de ator, aqui quase em uma versão de si mesmo que vai à Toscana receber uma homenagem por sua carreira no cinema e que aos 60 anos naufraga em uma crise existencial na qual repensa o quanto de sua vida privada foi necessário sacrificar para alimentar a sua filmografia.

Quando o afeto a esse personagem bem-intencionado toma a narrativa além da conta, contestações nada lisonjeiras o assombram, da carreira que involuntariamente roubou de seu melhor amigo da juventude até o desprezo de suas filhas, cujos privilégios garantidos por um pai milionário não bastaram para elas aplacarem a ausência paternal.

Porém, o melhor desdobramento em “Jay Kelly” é percebido sobretudo no personagem do empresário interpretado por Adam Sandler, ele também um indivíduo que sacrificou a sua vida para servir a essa figura pública. O comediante é visto em uma contenção bastante curiosa aqui, roubando o filme entre uma lágrima e outra ao mesmo tempo em que jamais quer ser maior do que a posição de coadjuvante em que foi colocado.

★★★
Direção de Noah Baumbach
Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Em breve nos cinemas (Netflix & O2 Play)