
Em tempos cínicos como vivemos, o que não precisamos é de um filme complacente com a figura de um astro de cinema, que tem todos os privilégios em mãos, de cachês milionários até serviçais em posições de assistentes que agem como cães-guia de personalidades que não prestam nem pra pegar o próprio copo com água.
Embora hoje em dia possa não estar na fase mais criativa de sua carreira, o diretor e roteirista quatro vezes indicado ao Oscar Noah Baumbach ainda impregna determinados conflitos dramáticos com aquele seu amargor mordaz.
Ainda que “Jay Kelly” seja um personagem ficcional, esse filme parece se comportar como um tributo de despedida de George Clooney do ofício de ator, aqui quase em uma versão de si mesmo que vai à Toscana receber uma homenagem por sua carreira no cinema e que aos 60 anos naufraga em uma crise existencial na qual repensa o quanto de sua vida privada foi necessário sacrificar para alimentar a sua filmografia.
Quando o afeto a esse personagem bem-intencionado toma a narrativa além da conta, contestações nada lisonjeiras o assombram, da carreira que involuntariamente roubou de seu melhor amigo da juventude até o desprezo de suas filhas, cujos privilégios garantidos por um pai milionário não bastaram para elas aplacarem a ausência paternal.
Porém, o melhor desdobramento em “Jay Kelly” é percebido sobretudo no personagem do empresário interpretado por Adam Sandler, ele também um indivíduo que sacrificou a sua vida para servir a essa figura pública. O comediante é visto em uma contenção bastante curiosa aqui, roubando o filme entre uma lágrima e outra ao mesmo tempo em que jamais quer ser maior do que a posição de coadjuvante em que foi colocado.
★★★
Direção de Noah Baumbach
Assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Em breve nos cinemas (Netflix & O2 Play)
