Entrevista com o diretor Victor Rodenbach, de “Os Bastidores do Amor”

Victor Rodenbach

Roteirista em filmes como “Um Amor Necessário” e de séries como “Dix pour cent”, Victor Rodenbach ensaiava há algum tempo a sua estreia como diretor em longa-metragem. Após os curtas “Stronger” (2011), “Petit bonhomme” (2013) e “Les aoûtiens” (2014), o seu momento de finalmente brilhar no formato, com um roteiro de sua própria autoria, chega com “Os Bastidores do Amor”, um dos destaques da programação do Festival de Cinema Francês do Brasil 2025.

Em entrevista concedida para o Cine Resenhas, o diretor reflete sobre alguns embates encenados em sua história, centralizados no na dupla profissional e amorosa formada por Henri (William Lebghil) e Nora (Vimala Pons) para assim observar as distinções entre a arte dos palcos e do cinema.

Após essa passagem pelo estival de Cinema Francês do Brasil 2025, “Os Bastidores do Amor” será lançado comercialmente pela Bonfilm. No entanto, ainda não há uma data prevista de estreia.

Victor, minha primeira pergunta é sobre sua trajetória como diretor. Você iniciou a carreira como curta-metragista, realizando filmes entre 2011 e 2014, e agora, pouco mais de dez anos depois, estreia na direção de longas. Como foi esse processo de transição do curta para o longa-metragem?

Ao sair da escola de cinema, fiz curtas-metragens e comecei a trabalhar como roteirista. Durante todo esse tempo, ganhei experiência escrevendo histórias para outros, o que me permitiu precisar meu desejo de direção. Fiz do roteiro o meu ofício de artesão e levei tempo para deixar nascer um verdadeiro desejo de mise-en-scène, para que isso se tornasse algo excepcional na minha vida.

Gostaria de saber sua percepção sobre a relação entre cinema e teatro. No filme, elas parecem duas artes em conflito. O protagonista, vindo do teatro, parece se ‘vender’ ao ir para o cinema, como se isso fosse um crime contra a expressão artística. Essa foi a interpretação que tive.

O cinema é a minha vida e sou apaixonado pelo teatro; são dois mundos que amo sinceramente. Minha ambição no filme era que isso fosse sentido com igualdade, que a obra demonstrasse o mesmo amor por ambos os universos. Na realidade, são mundos vizinhos; alguns profissionais têm um pé em cada um, mas eles também se observam com desejo, com vontade e, às vezes, com um pouco de ciúme. Com certeza, isso me divertia e me interessava brincar com essa dinâmica.

Victor Rodenbach
Durante entrevista com Victor Rodenbach (Foto de Felipe Teixeira – Agência Febre)

Ainda sobre esse tema: no Brasil, vivemos um cenário pós-pandêmico onde os teatros continuam cheios, às vezes lotados, enquanto o cinema enfrenta queda de público e desinteresse, especialmente em relação à produção nacional. Qual é a sua perspectiva sobre isso na França? O cenário pós-pandemia é semelhante, com teatros lotados e cinemas vazios para os filmes franceses?

O cinema na França sofreu com a pandemia, sem dúvida. Os números de bilheteria não são mais os mesmos de antes, enquanto o teatro talvez tenha continuado mais vivaz. De qualquer forma, acredito que são dois mundos que enfrentam dificuldades comuns hoje, especialmente em termos de financiamento público e acesso a recursos, dos quais dependem para sobreviver. Existe um teatro público na França que é uma exceção cultural, assim como o cinema francês, e que hoje precisa lutar para continuar existindo. Há, sem dúvida, diferenças no impacto de público, mas, mais uma vez, são mundos vizinhos confrontados com desafios comuns.

Acredito que a experiência do teatro é mais difícil de substituir em casa. O encontro com atores no palco é algo que parou durante a pandemia, mas, assim que pudemos voltar, não conseguimos encontrar isso em outro lugar — seja nas plataformas de streaming ou em outras formas de ver filmes. O cinema, sem dúvida, sofreu mais com essa concorrência.

Para encerrar, uma pergunta que sempre faço a convidados de festivais internacionais: existe alguma obra brasileira pela qual você tenha um afeto especial? Pode ser um filme, um disco ou um livro pelo qual nutra um carinho particular.

Gosto muito do cinema de Kleber Mendonça Filho. O filme do Kleber que eu mais gostei foi “O Som ao Redor” (“Les Bruits de Recife”). E um músico brasileiro… Caetano Veloso.

Entrevista com Valérie Donzelli, diretora de “Mãos à Obra”

O que acontece quando o bloqueio criativo de um artista colide frontalmente com a dura realidade econômica e a precarização do trabalho no mundo contemporâneo? Essa é a provocação central de “Mãos à Obra”, novo filme da diretora e roteirista francesa Valérie Donzelli, muito conhecida em nosso território por “A Guerra Está Declarada!”.

A partir de sua vinda ao Brasil a convite do Festival de Cinema Francês do Brasil 2025, Valérie concedeu entrevista para o Cine Resenhas para falar sobre a sua premiada adaptação do livro homônimo de Frank Courtès, laureado como Melhor Roteiro no último Festival de Veneza.

Na conversa, ela revela como sua própria crise pessoal a conectou profundamente com a história do protagonista, discute os dilemas éticos de usar a intimidade como matéria-prima para a ficção e compartilha seu carinho por Caetano Veloso e “Baby”, de Marcelo Caetano.

“Mãos à Obra” tem distribuição assegurada nos cinemas pela Bonfilm. Ainda não há previsão de lançamento.


Ao assistir “Mãos à Obra”, identifiquei muitas pautas sendo trabalhadas em seu roteiro, entre as quais a precarização do trabalho na Europa, a crise que invade artistas em sua sobrevivência em tempos de bloqueio criativo ou a experiência que estes deveriam ter diante do que compreendemos como uma vida mundana. Qual foi o tema que disparou aquele gatilho para você fazer esse filme?

Foi o conjunto de todos esses temas que se tornou importante para mim. Ao mesmo tempo, quis contar a dificuldade de criar, a radicalidade da escolha deste homem e a descoberta da uberização do trabalho, bem como as dificuldades de ser bem valorizado hoje em dia.

No fim das contas, a ideia do lucro está por toda parte: na indústria do cinema, na literatura… tudo tem que gerar receita. O trabalho foi atingido em cheio nessa loucura do capitalismo e do liberalismo econômico. Agora, o trabalho tem que ser ainda mais rentável e, por isso, eliminamos os relacionamentos humanos. Torna-se apenas uma plataforma que drena o dinheiro; ela não existe, é completamente virtual e explora um monte de trabalhadores.


O drama atravessado por Paul Marquet (protagonista vivido por Bastien Bouillon), o de não ter um próximo trabalho, é um que você teme atravessar em sua carreira?

Sim, com certeza. Quando quis adaptar o livro, eu mesma estava tentando escrever algo que não conseguia. Eu não tinha mais dinheiro e estava também em uma crise pessoal. Então, quando li o livro, disse a mim mesma: “Na verdade, é isso que eu quero adaptar”. O que eu conto no filme é um pouco mais a minha história do que a do Frank.

Valérie Donzelli
Durante entrevista com Valérie Donzelli (Foto de Felipe Teixeira – Agência Febre)

Algo exibido nessa história que também considero bastante provocador é essa questão do uso que artistas fazem de aspectos privados de suas vidas como materiais para as suas obras ficcionais. Assim como Paul Marquet, você também atravessa esse dilema de expor situações ou pessoas que talvez a desaprovem?

Acho que todos os cineastas contam coisas que falam sobre eles mesmos. Não se pode deixar a si mesmo de fora quando se faz um filme. Para mim, ou são coisas ligadas diretamente à minha vida, como no início da carreira, ou adaptações de livros que contam algo íntimo sobre mim. Está sempre ligado ao íntimo. É isso que me interessa no cinema: conseguir tocar as pessoas contando algo que dialogue com a intimidade delas.


Como você se sentiu ao receber o prêmio de Melhor Roteiro no último Festival de Veneza?

Fiquei extremamente lisonjeada e honrada pelo filme ter sido premiado e estar entre os vencedores, pois o júri era composto por grandes figuras do cinema. Também fiquei contente porque o prêmio recompensou o filme em um aspecto importante, que é a sua história. Como adaptei um livro e, ao mesmo tempo, o revisamos com Gilles Marchand, tudo isso formou praticamente um roteiro novo. Achei divertido ter recebido justamente o prêmio de melhor roteiro.


Como de costume, sempre pergunto para talentos internacionais alguma obra artística brasileira que tenham um apreço particular. Você tem um filme, um livro ou mesmo um disco que gosta muito produzido por nós?

O filme que vi mais recentemente é “Baby”, do diretor Marcelo Caetano. Achei magnífico. Eu o vi no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz e nós inclusive o premiamos. Já um álbum que adoro é um do Caetano Veloso. (Neste momento, Valérie Donzelli se levanta e apanha o seu celular da bolsa, para fazer uma pesquisa no Spotify.) Tem uma música nesse álbum que eu gosto muito, “O Leãozinho”.

Festival de Cinema Francês do Brasil anuncia programação e homenagens

Festival de Cinema Francês do Brasil

O 16º Festival de Cinema Francês do Brasil, que acontece de 27 de novembro a 10 de dezembro em cinemas de todo o país, chega à nova edição reforçando sua vocação: aproximar o público brasileiro da diversidade, da tradição e da renovação do cinema produzido na França. Com uma programação que reúne estreias, sessões especiais, encontros com artistas e retrospectivas, o evento se consolida como um dos principais festivais internacionais do calendário nacional.

Além da robusta seleção de filmes, o festival recebe uma delegação artística francesa que participa de sessões comentadas e debates no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Entre os convidados estão a atriz Isabelle Huppert, homenageada desta edição, as diretoras Valérie Donzelli e Fabienne Godet, os diretores Jean-Claude Barny e Victor Rodenbach, o ator e diretor Pierre Richard — que ganha uma retrospectiva especial — e os atores Bastien Bouillon e Salif Cissé.

A edição apresenta títulos inéditos que chegam ao Brasil com destaque em festivais internacionais, incluindo “Mãos à Obra” (“A pied d’œuvre”), de Valérie Donzelli, premiado em Veneza, e “O Segredo da Chef” (“Partir un jour”), que abriu o Festival de Cannes deste ano. O público também poderá conferir comédias, dramas, estreias e produções de novos talentos, reforçando a amplitude do cinema francês contemporâneo.

Entre as atrações especiais, Pierre Richard retorna à direção com “Sonho, Logo Existo” (“L’homme qui a Vu L’ours qui a Vu L’homme”) e será celebrado com exibições de clássicos como “A Cabra”, “O Brinquedo”, “Os Fugitivos” e “O Loiro, Alto e de Sapato Preto”. Já Isabelle Huppert abre o festival no Cine Odeon com “A Mulher Mais Rica do Mundo”, além de realizar atividades com o público e uma pré-estreia em Salvador.

A edição 2025 conta com patrocínio master de Varilux – EssilorLuxottica, e apoio de BNP Paribas, Edenred, Voltalia, Fairmont, Air France, Ministério da Cultura via Lei Rouanet e Prefeitura do Rio de Janeiro.


Serviço

16º Festival de Cinema Francês do Brasil
Quando: 27 de novembro a 10 de dezembro de 2025
Onde: Cinemas de todo o Brasil
Atrações: Mostras de filmes inéditos, retrospectivas, pré-estreias e sessões com convidados
Convidados: Isabelle Huppert, Pierre Richard, Valérie Donzelli, Fabienne Godet, Jean-Claude Barny, Victor Rodenbach, Bastien Bouillon, Salif Cissé
Mais informações: https://festivalcinefrances.com.br/