Filme Ensaio

Resenha Crítica | Filme Ensaio (2018)

Filme Ensaio, de Maria Flor

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Uma das razões da fascinação do público com o trabalho de um ator é a maneira mágica como compreende e dá vida a um indivíduo ou figura notória que a princípio em nada se relaciona com o seu corpo e a sua alma. Fica ocultado para nós todo o processo para incorporar um papel, restando o acesso ao resultado final de algo outrora fragmentado.

A atriz Maria Flor tem aproximadamente 15 anos de carreira e ainda assim pareceu curiosa com a sua própria arte. O documentário “Filme Ensaio” vem assim como a sua investigação, assumindo pela primeira vez no cinema a posição de cineasta depois de codirigir com Márcia Leite todos os 13 episódios de “Só Garotas”, seriado de 2014 exibido no canal Multishow.

Foi inclusive em 2014 que “Filme Ensaio” entrou em gestação. Há quatro anos, o trio de atrizes Andrea Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima começou as reuniões de ensaio para o espetáculo “Nômades”. A intenção do texto era encenar no palco uma entrevista improvisada. Claro que de espontâneo foi somente o processo criativo, em que possibilidades foram surgindo a partir da vivência entre três grandes atrizes.

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Entrevista com a diretora Maria Flor sobre “Filme Ensaio”

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Maria Flor defende “Filme Ensaio” como uma obra honesta. Talvez seja até demais. Apaixonados pela atuação ou estudantes de teatro encontrarão um prato cheio a ser saboreado. De sobremesa, há ainda parte dos instantes finais dedicados exclusivamente para Andrea, Malu e Mariana contarem sobre a rica conexão que buscam estabelecer com a plateia.

Para os demais, a sensação é de que Maria talvez devesse ir além da observação, pois explora poucas possibilidades estéticas e narrativas em um templo de preparação extremamente limitado. É notório como organiza em um pouco mais de uma hora um material bruto que totalizou mais de 100 horas de captação, mas há um abuso inclusive no uso da sua narração em off para dar forma a algo que soará incompleto ao fim.

A Má Educação de Cameron Post

Resenha Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post (2018)

The Miseducation of Cameron Post, de Desiree Akhavan

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Dirigido por Joel Edgerton, “Boy Erased: Uma Verdade Anulada” fez grande burburinho nos festivais de Telluride e Toronto e chega em breve aos cinemas americanos com o potencial de performar com destaque na temporada de premiações. Mas um pouco antes, surgiu outro filme a tratar da privação em um ambiente religioso como um método de cura gay. Essa obra é “O Mau Exemplo de Cameron Post”, que saiu de Sundance com o prêmio principal do público.

A história, baseada em um romance de Emily M. Danforth, é ambientada em 1993, mas afora alguns detalhes cenográficos, ela poderia muito bem ser confundida com o contexto contemporâneo. Chloë Grace Moretz é a personagem-título, uma adolescente flagrada pelo namorado ficando com a melhor amiga dentro de um carro. O episódio íntimo chega ao conhecimento dos tios que a adotaram após se tornar órfã, colocando-a de imediato em um retiro espiritual para se livrar de seus “impulsos” homossexuais.

Coordenado por um reverendo (John Gallagher Jr.), outrora também pego em um episódio homossexual, e a sua irmã (Jennifer Ehle) formada em psicologia, o espaço contém regras muito rígidas, mas logo Cameron se enturma com Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck) para juntos quebrarem algumas normas, como caminharem constantemente pela floresta com o propósito de fumar maconha e dialogar sobre questões proibidas, como o fato de que a permanência forçada no retiro por suas famílias em nada modifica as suas orientações sexuais.

Diretora com algumas vivências como atriz, Desiree Akhavan parece totalmente influenciada pelo modo como o finado John Hughes retratava uma juventude deslocada dos valores estabelecidos na sociedade, apresentada em suas histórias como desajustada. Os adolescentes de “O Mau Exemplo de Cameron Post” são fascinantes de serem acompanhados pelo caráter autêntico de suas personalidades e Akhavan inclusive obtém de Moretz, uma atriz de atributos dramáticos limitados, uma interpretação franca que definitivamente deve representar um ponto de virada em sua carreira.

“Cameron Post” é também um filme inebriado de energia, dessa presente em muitos indivíduos que são alvos de preconceito e que ainda assim não se deixam abater na demonstração do espaço que ocupam no mundo. Mas é também um retrato devastador sobre essas mesmas pessoas, que encontram na quebra de laços familiares e em uma trajetória sem rumo e sem garantias a fuga pela sobrevivência.

Culpa

Resenha Crítica | Culpa (2018)

Den skyldige, de Gustav Möller

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Para uma estreia na ficção em longa-metragem não falado em inglês, o cineasta Gustav Möller tem sustentado um prestígio com “Culpa” surpreendente. Duradouros, os elogios e debates conquistados e possíveis com a sua obra acontecem desde que debutou no último Festival de Sundance, realizado em janeiro deste ano.

Agora um dos mais populares da programação da 42ª edição da Mostra e em exibição no circuito americano (no Brasil, o lançamento é esperado para 20 de dezembro), “Culpa” é ainda um forte concorrente ao Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro como representante da Dinamarca. Não à toa: o exercício de imaginação que promove é ainda mais eficaz que o de “Buscando…“, somente para citar outro exemplar recente que encontra no confinamento o seu fio condutor.

O policial Asger Holm (o notável Jakob Cedergren, de “Tristeza e Alegria“) foi rebaixado temporariamente ao posto de receptor das chamadas de emergência. O motivo é uma questão a princípio não elucidada que terá de resolver nos tribunais.

O plantão que assume e no qual todo o filme transcorrerá antecede a sua apresentação à justiça para o seu depoimento. Decide ir além do expediente ao receber a ligação de uma mulher chamada Iben (voz de Jessica Dinnage) que se diz sequestrada pelo ex-marido após um episódio de agressão em frente aos dois filhos. O empenho de Asger em tentar conduzir as coisas para a melhor resolução possível se dá com aquele afinco de alguém que busca por uma redenção.

Somente dois ambientes são explorados no departamento policial. Os únicos elementos externos são justamente as vozes com as quais o protagonista se comunica. Também não há nenhum flashback ou qualquer outra artimanha para preencher as lacunas do roteiro, algumas das quais preenchemos por conta própria.

É um trabalho complexo de direção, pois depende como nunca da força de seu ator principal, da relação da câmera com espaços limitados e especialmente o que evoca a partir do brilhante trabalho de edição de som a cargo de Philip Nicolai Flindt. Por tudo isso, talvez o impacto daquilo que é confirmado verbalmente não esteja no mesmo nível daquilo que experimentamos no processo de deduções, tornando o ato final de “Culpa” inferior aos que o antecedem.

Sequestro Relâmpago

Resenha Crítica | Sequestro Relâmpago (2018)

Sequestro Relâmpago, de Tata Amaral

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

O Brasil já produziu tanto drama social constrangedor que a pergunta que fazemos no rolar dos créditos finais (ou bem antes disso, quando os risos involuntários já arruinaram uma experiência que se pretende séria) é se os envolvidos vivem em uma bolha ou ao menos tiveram a decência de submeter o roteiro para avaliações de terceiros com conhecimento de causa. É a sensação que se experimenta vendo a “Sequestro Relâmpago”.

Dona de uma filmografia com títulos elogiados como “Um Céu de Estrelas” (1996), “Através da Janela” (2000) e “Antônia”, Tata Amaral testou mais recentemente um flerte com a linguagem teatral com “Hoje” (2011) e “Trago Comigo” (2016) não muito bem recepcionado. Agora com “Sequestro Relâmpago”, parece fazer filme de iniciante no pior dos sentidos.

Depois de um prólogo em que dá uma pista dos perfis de Isabel (Marina Ruy Barbosa, em sua primeira grande chance no cinema), Matheus (Sidney Santiago) e Japonês (Daniel Rocha), três jovens flagrados nos papéis que assumem diante do fluxo paulistano, o roteiro coescrito por Tata arma o tal sequestro relâmpago em que a primeira é a vítima e os rapazes são os criminosos. O episódio se prolonga por toda a madrugada nas ruas da cidade, desertas e labirintíticas.

Desinteressada em fazer apenas um thriller convencional, Tata Amaral se apropria da história real de Ana Beatriz Elorza para desenvolver situações em que os abismos sociais se sobressaem diante da ação do sequestro. Quando tem o cartão de crédito de Isabel em mãos, a primeira coisa que Matheus compra são fraldas para o seu filho. Mais adiante, Japonês quer repassar o carro de Isabel por 10 mil reais, mas ela intervém na negociação apontando que  ele vale muito mais que isso.

A simplificação de “Sequestro Relâmpago” é a de incrementar essas situações com diálogos de gosto duvidoso, quase como se fossem textões de redes sociais. É embaraçoso ouvir saindo da boca de Marina Ruy Barbosa que a sua Isabel faz parte com Matheus e Japonês dos mesmos 99% da população oprimidos pelo 1% de privilegiados. Isso quando não chama um vigia de “machista!” após ignorar o seu pedido de socorro ou de afirmar que, no fim das contas, ela não é como os seus sequestradores porque compreende um comando em inglês de seu automóvel. Canhestro como cinema e sobretudo como comentário sobre o estado das coisas.

Firecrackers

Resenha Crítica | Firecrackers (2018)

Firecrackers, de Jasmin Mozaffari

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Hoje dois dos grandes cineastas do cinema contemporâneo independente, Andrea Arnold e Sean Baker apresentaram como último registro dois dramas primorosos sobre uma juventude sem rumo pela América que encontra na inconsequência e em pequenos delitos recursos para sobreviver ao dia seguinte. Tratam-se de “Docinho da América” e “Projeto Flórida”, desde já dois clássicos modernos.

Tendo um curta-metragem de 2013 como inspiração, Jasmin Mozaffari pode até vencer em uma batalha com esses títulos pela antecipação. No entanto, “Firecrackers”, agora como longa, por vezes soa como uma versão canadense pálida de uma premissa que pode ter um tratamento vigoroso quando gerenciada por mãos criativas.

O centro da história é a amizade cultivada entre Lou (Michaela Kurimsky) e Chantal (Karena Evans). Moradoras em uma pequena cidade, aplacam o tédio local caminhando aos risos e com pirulitos em mãos enquanto discutem a possibilidade de novos ares com uma mudança juntas para Nova York.

A intenção de Mozaffari é fazer um filme feminista em que os conflitos são promovidos essencialmente pelas presenças masculinas e machistas que rodeiam as protagonistas. Seria melhor se diagnosticasse com mais propriedade o contexto de um ambiente opressor antes de mais nada. Digamos que abrir “Firecrackers” justamente com Lou esmurrando uma colega no pátio da escola não seja a melhor escolha.

A Madeline de Madeline

Resenha Crítica | A Madeline de Madeline (2018)

Madeline’s Madeline, de Josephine Decker

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Atores são frequentemente perguntados sobre o processo de incorporar determinados personagens justamente pelas implicações que há na arte de dar vida a outros indivíduos utilizando corpo, voz e sentimentos como matéria-prima. Para alguns, o distanciamento é um recurso prático de ser estabelecido. Para outros, se desvincular de um papel é um processo difícil.

No drama independente americano “A Madeline de Madeline”, o que o público terá é uma visualização do dano em talentos que misturam a ficção com a realidade. A situação aqui na verdade é ainda mais delicada, pois Madeline (a estreante e promissora Helena Howard) é uma adolescente cheia de inadequações que mergulha em um sistema à lá Stanislasvki de atuação em uma companhia alternativa de teatro.

Além das perturbações psicológicas, Madeline ainda tem uma mãe, Regina (Miranda July, em sua primeira participação como atriz em um projeto alheio), superprotetora e sempre à espreita aguardando para que uma inevitável crise a domine. Vem ainda as confusões de sua idade, como a expectativa para as primeiras experiências sexuais que demoram a acontecer.

Por tudo isso, chega a ser cruel as posturas artísticas de Evangeline (Molly Parker), diretora da trupe que não alivia as suas pretensões mesmo prestes a dar à luz. Infiltrando-se aos poucos na vida privada de Madeline, ela logo faz a jovem abandonar os figurinos de coelhos e tartarugas para estabelecer um jogo de cena em que a sua ficção é uma reprodução da realidade de sua atriz.

Diretora, roteirista e intérprete, Josephine Decker já havia codirigido no ano passado um projeto, “Flames”, em que a linguagem do documentário se confundia com a da ficção. Aqui, a experiência que promove é absolutamente sensorial, uma vez que busca representar os acontecimentos a partir da perspectiva instável de Madeline.

A fidelidade a essa visão de mundo talvez seja, ironicamente, o maior problema de “A Madeline de Madeline”. De tão ruidoso e fragmentado, o filme mais afasta do que aproxima, até porque não estabelece uma base consistente o suficiente para sustentar principalmente a relação conturbada entre mãe e filha, que mais parece servir como cobaias para um fim artístico (de Evangeline e consequentemente de Josephine Decker) do que para qualquer outra possibilidade mais honesta.

Friday's Child

Resenha Crítica | Friday’s Child (2018)

Friday’s Child, de A.J. Edwards

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Antes um diretor bissexto, Terrence Malick passou a produzir sem parar desde o seu retorno com “A Árvore da Vida“. Redundante e vazio, o seu cinema hoje parece uma caricatura de si mesmo, apresentando como aleatoriedade o que antes era singular justamente pela pouca regularidade com que se via.

Muitos não conhecem A.J. Edwards. De Malick, ele foi editor em “Amor Pleno” e “Cavaleiro de Copas”, além de atuar nos bastidores do já citado “A Árvore da Vida” e “O Novo Mundo”. Agora por conta própria, dirige os seus próprios filmes. “Friday’s Child” é a segunda tentativa após o pouco visto “The Better Angels”, de 2014.

Imita os cacoetes de seu mestre principalmente nas tomadas em espaços públicos ou em paisagens desertas em que o protagonista é pego em devaneios. No caso de “Friday’s Child”, é Ritchie o condutor da narrativa, interpretado por Tye Sheridan, que teve a sua primeira chance como ator em… “A Árvore da Vida”.

Com um passado desconhecido, Ritchie acabou de atingir a maioridade e parece abandonado no mundo. Aluga um imóvel simples enquanto se vira nos lugares que primeiro o empregar. O seu planejamento parece dar certo, mas o assassinato da proprietária do condomínio que habita começa a desestruturá-lo, principalmente pelo modo intrusivo como Swim (Caleb Landry Jones) aparece nos ambientes em que trabalha ou frequenta.

O surgimento de Joan (Imogen Poots), uma garota que recentemente passou por uma perda trágica e que encontra em Ritchie uma presença para aplacar a sua solidão, explicita o que de melhor e o pior Edwards tem a oferecer com “Friday’s Child”.

De um lado, a interação entre esses dois jovens, defendidos por dois atores extremamente carismáticos e talentosos, tem o seu encanto e representa o fator emocional do filme. Por outro lado, é também evidenciado com o encontro a obviedade do texto, que permite que informações sejam antecipadas a milhas de distância.

A impressão é a de que faltou um roteiro em “Friday’s Child”. Principalmente pela presunção visual. Feito quase integralmente com a razão de aspecto de 1.33 : 1, Edwards vai surrupiando o estilo maçante de Malick sem qualquer cerimônia, ao final apresentando questões como culpa, trauma e redenção sem constituir um Ritchie em sua totalidade, até o fim sufocado pelo enclausuramento estético proposto.

Almofada de Alfinetes

Resenha Crítica | Almofada de Alfinetes (2017)

Pin Cushion, de Deborah Haywood

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

A estética de casa de bonecas do britânico “Almofada de Alfinetes”, bem como a excentricidade das protagonistas apresentadas, a princípio sugere que o longa-metragem de estreia da cineasta Deborah Haywood é mais uma comédia leve ao ter aquela visão um tanto maniqueísta de pessoas boas e ruins. Ledo engano.

Lyn (Joanna Scanlan) e Iona (Lily Newmark) são mãe e filha que se mudam para um novo lar em uma cidadezinha. Com a sua corconda, Lyn parece uma personagem de uma fábula duramente menosprezada pelos vizinhos. Já a instrospectiva Lyn se refugia nas aparências e devaneios para se juntar às populares da turma Keely (Sacha Cordy-Nice), Stacie (Saskia Paige Martin) e Chelsea (Bethany Antonia) antes de ser vítima de suas maldades.

A tonalidade obscura para esse roteiro também escrito por Haywood se manifesta com uma reação de Lyn quando a vemos ser ridicularizada pela aparência pela primeira vez: se não fosse a intervenção da filha, ela teria removido toda a deformidade de sua coluna com uma serra.

Trata-se da primeira amostra oferecida por “Almofada de Alfinetes” (um título que parece aludir a indivíduos doces e bem-intencionados feridos por outros essencialmente espinhosos e perversos) para preparar o espectador para as consequências devastadoras provocadas no bullying praticando tanto por jovens quando por adultos. Mesmo numa roupagem ingênua, a inocência pode ser profanada, alerta Haywood.

Ao longo da narrativa, alguns comentários curiosos podem ser observados, como o fato de Chelsea, uma garota negra, sugerir que a invisibilidade soa como uma proteção em ambientes opressores. Ajuda a tornar a resolução final, extremamente radical, um pouco mais palatável.

A Casa que Jack Construiu

Resenha Crítica | A Casa Que Jack Construiu (2018)

The House That Jack Built, de Lars von Trier

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Mesmo que o seu retorno ao Festival de Cannes tenha se dado fora de competição, Lars von Trier  ainda assim causou controvérsia. Há sete anos, o diretor dinamarquês promoveu “Melancolia” e recebeu o título de persona non grata por uma piada de mau gosto envolvendo as suas raízes alemãs. Neste ano, o que causou desconforto foram algumas cenas de “A Casa de Jack Construiu”, que levou dezenas (ou centenas, como visto nas manchetes) a abandonarem a sua première.

A recepção pode ser reprisada nas exibições dentro da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, como também em seu lançamento comercial na capital em 1º de novembro. Foi o título que pareceu ideal inclusive para inaugurar no canal do Cine Resenhas no YouTube a categoria Filmes Controversos, como pode ser assistido abaixo.

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Poderia Me Perdoar?

Resenha Crítica | Poderia Me Perdoar? (2018)

Can You Ever Forgive Me?, de Marielle Heller

.:: 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo ::.

Após o estouro de “Missão Madrinha de Casamento” e a indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, Melissa McCarthy entrou para o grande time de atrizes em Hollywood, assim conquistando as suas primeiras grandes chances como protagonista. Mesmo com as parcerias que retomou com o diretor Paul Feig, fortaleceu com a direção de seu marido Ben Falcone em “Tammy; Fora de Controle”, “A Chefa” e “Alma da Festa” uma caricatura grosseira de comediante.

O que poucos sabem é que a americana de 48 anos estudou Drama na The Actors Studio enquanto exercia as suas habilidades cômicas em stand ups em Nova York. Fez participações pequenas em “Deixe-me Viver” e “A Vida de David Gale” e o destaque em “Um Santo Vizinho” mostrou o seu potencial para papéis mais densos. Com “Poderia Me Perdoar?”, chega enfim a grande chance para a demonstração de suas habilidades em campos pouco explorados.

A oportunidade é desafiadora. Trata-se a de viver uma figura real e polêmica: a escritora Leonore Carol Israel, que assinou as suas obras como Lee Israel. Além de estar fisicamente transformada, McCarthy incorpora com afinco uma mulher desagradável e no momento mais decadente de sua vida.

Lee Israel é uma escritora desconhecida entre os brasileiros. Iniciou a carreira no início dos anos 1960 sobretudo na função de freelancer. Já entre 1970 e 1980, avançou escrevendo biografias de nomes como Dorothy Kilgallen e Tallulah Bankhead. Nos anos 1990, o período retratado em “Poderia Me Perdoar?”, vem a escassez de oportunidades.

As circunstâncias difíceis e o reencontro com um velho colega universitário, Jack (o grande Richard E. Grant, em um papel que finalmente o colocará como um nome na disputa da temporada de premiações), fazem Lee recorrer a um ato criminoso: a falsificação de cartas como se escritas por grandes talentos da literatura e do cinema e vendê-las para colecionadores.

As consequências foram descritas pela própria Lee Israel em uma biografia publicada em 2008, mas assistir a “Poderia Me Perdoar?” no escuro pode ser bem mais prazeroso. Não somente para evitar antecipações, como também a de apreciar o excelente tratamento conferido pela diretora Marielle Heller, que debutara atrás da câmera no elogiado “O Diário de uma Adolescente”.

Sem julgamentos morais, Heller, com o auxílio do roteiro de Jeff Whitty e Nicole Holofcener (que é também uma notável cineasta), busca compreender antes de mais nada o contexto que cerca a sua protagonista, que não reconhece a sua depressão e os vícios que se inseriu como fuga das adversidades, ampliadas inclusive por uma questão de orientação sexual tratada com muita sutileza. É aquela experiência rara em que calçamos os sapatos de seus personagens antes de qualquer avaliação que se possa fazer sobre os seus passos.